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Bloco de Esquerda (BE)

Descrição






  • A esquerda tem programa
  • Aprender com a crise pandémica e responder pelo país
  • Um programa de investimentos para responder à crise climática
  • Uma economia pela igualdade
  • A capacidade estratégica dos serviços públicos
  • Uma sociedade justa, progressista e inclusiva
  • Garantir lá fora o que queremos cá dentro

O Bloco de Esquerda apresenta-se às eleições de 2022 com um programa que traduz o nosso percurso de luta por uma sociedade mais igual, mais livre e mais inclusiva e que é atualizado pela experiência recente: o balanço do ciclo de austeridade, da posterior recuperação e da legislatura que agora foi interrompida, marcada pela estagnação nas principais áreas da vida nacional. Em particular, face aos efeitos económico-sociais da crise Covid, revelaram-se graves vulnerabilidades sociais, do mundo do trabalho e dos serviços públicos e, com elas, a permanência de impasses políticos que impedem transformações necessárias. À saída do momento pandémico, a esquerda é responsável por apresentar o seu projeto transformador, condição de abertura de perspetivas e mobilização, sem a qual só a política do ressentimento fará o seu caminho. O Bloco é a esquerda que não fica à espera.

Razões fortes pela transformação do país

A política dos pequenos passos e recuos não será capaz de responder a nenhuma das urgências e das grandes crises dos nossos dias. A crise climática exige uma transformação na energia, nos transportes e nos modos de produção e obriga à adaptação do território. O Bloco propõe metas e avanços claros para a transição climática, concretizando e aprofundando a recentemente aprovada Lei do Clima, e medidas de justiça social para a transição climática, com combate às rendas do setor elétrico, empregos para o clima, a participação da população na construção das soluções, o combate à crescente litoralização do país e promoção da coesão territorial.

A crise da habitação, que apenas se aprofundou durante a crise pandémica, exige medidas de combate determinado à especulação, uma nova lei do arrendamento e a limitação do valor das rendas, bem como a construção de parque público de habitação, que não se limite à resposta social urgente e garanta preços justos na habitação em todo o território. A crise dos salários, com congelamentos com mais de uma década e desvalorização até dos salários das profissões que exigem mais qualificações, não se ultrapassará sem a coragem de enfrentar o patronato: subida do salário mínimo que tire da pobreza quem trabalha e novas leis do trabalho para combater a precariedade, forçar o descongelamento dos salários e a subida do salário médio.

O Serviço Nacional de Saúde, pressionado pela pandemia e pela predação do negócio privado, não sobreviverá sem os seus profissionais. Fixar médicos, enfermeiros, técnicos e demais trabalhadores exige carreiras dignas e a dedicação ao serviço público. O Bloco afirma o seu compromisso com a concretização da Lei de Bases da Saúde, no sentido da proposta de Arnaut e Semedo e não aceita o adiamento dos investimentos fundamentais no SNS. Outros serviços públicos, desde logo a Escola Pública, estão em situação de rutura. Se nada for feito, e rapidamente, a falta de profissionais da Educação como professores e professoras, educadores e educadoras, bem como técnicos especializados, psicólogos e assistentes operacionais, abrirá a mais grave crise neste serviço público essencial. O Bloco apresenta uma proposta para a sustentabilidade da Escola Pública e um programa para ampliar os serviços públicos e valorizar os seus trabalhadores.

Aprendemos com a pandemia e as tantas crises que esta tornou visíveis, como a crise dos cuidados. Não há oferta suficiente de estruturas residenciais, lares ou outras respostas qualificadas para pessoas idosas e dependentes, o apoio domiciliário é muito limitado, faltam creches e floresce o negócio privado. É um erro a externalização de toda a  resposta social; o Estado tem obrigação de cuidar. Propomos a criação de um Serviço Nacional de Cuidados, com tutela articulada da área da segurança social, da saúde e da educação, que inclua estruturas residenciais, como lares e residências partilhadas ou apoiadas, cuidados continuados, apoio domiciliário e creches, que salvaguarde a autonomia e promova alternativas à institucionalização, que respeite o direito à vida independente das pessoas com deficiência e garanta apoio aos cuidadores informais.

Portugal é um país desigual e que sofre esse atraso. Queremos o fim da precariedade na ciência e na cultura e garantir o acesso da população ao conhecimento e à arte. Apresentamos um programa feminista e de luta contra o preconceito e contra todas as discriminações. O racismo, a xenofobia, o sexismo, a homofobia e a transfobia são estruturais e sistémicos, agravam as desigualdades que atingem desproporcionalmente as mulheres, as pessoas racializadas, as pessoas migrantes, as pessoas LGBTI+ e as pessoas com deficiência e combinam-se criando formas específicas de exclusão no acesso à saúde, ao trabalho com direitos, à habitação digna, à educação de qualidade, entre outras. A promoção da igualdade e da emancipação reclama medidas transversais de combate às múltiplas discriminações. Lutamos por uma política de migrações solidária, com alternativas e rotas seguras e pelo respeito pelo direito à migração, tanto no quadro nacional como no europeu. Assumimos a recusa do Tratado Orçamental Europeu e das suas regras de imposição de austeridade e defendemos a reestruturação da dívida pública. Combatemos de forma determinada a corrupção, o privilégio e o crime económicos, e propomos um novo quadro legal para a criminalização do  recurso a offshores.

Nem maioria absoluta, nem bloco central

Quando, em 2019, o Partido Socialista recusou tocar na legislação laboral e trabalhar num acordo com o Bloco de Esquerda, fez uma viragem política que, além de enterrar a geringonça, abriu uma rota de aproximação à direita em diversos domínios, como se conclui da análise das votações parlamentares dos últimos dois anos. Desde então, a lógica da governação foi a da maioria absoluta, fosse ela imposta através da chantagem sobre os partidos de esquerda (que acabou por falhar) ou por via de uma crise política que conduziu a eleições. Esta estratégia traduz a recusa consistente de medidas sociais elementares e propostas orçamentais que a esquerda vem colocando, em respeito pelo seu próprio mandato, como condição de aprovação dos Orçamentos do Estado.

Se a maioria absoluta é o plano A do PS, o seu plano B parece ser um bloco central, formal ou informal, como já enunciou explicitamente. Essa deriva indica que, para se manter no poder e continuar a bloquear as respostas necessárias à drenagem do SNS pelos privados ou à estagnação salarial, António Costa estará disponível a sentar-se à mesa com Rui Rio para entendimentos cujas consequências na vida das pessoas só depois de janeiro se poderá conhecer.

O país conhece os perigos de maiorias absolutas como as que viveu com Cavaco Silva ou José Sócrates. E sabe que uma viragem para um bloco central acordado formal ou informalmente, só pode traduzir-se num regresso à agenda privatizadora, de degradação dos serviços públicos e de desproteção das pessoas, no trabalho e na pobreza. É o reforço da esquerda que trava a derrapagem para o pântano político e para a estagnação social, e que impõe compromissos claros que defendem o país.

Compromissos claros: travar a devastação do SNS, recuperar o salário médio, justiça para quem trabalhou

Assente nas razões fortes do seu programa, o Bloco assume a abertura de sempre para compromissos claros na proteção das pessoas contra a estagnação. Em particular, o Bloco assume objetivos em torno dos quais contribuirá para formar maioria no Parlamento.

O primeiro é impedir a desagregação do Serviço Nacional de Saúde. O Partido Socialista governou o SNS com uma política de desgaste, que prolongou a situação de insuficiência e sobrecarga deixada pelo governo. O subinvestimento, aliado ao aumento da pressão privada sobre os quadros do SNS e à sua exaustão pelo longo esforço na resposta à pandemia, exige medidas de efeito real, tanto na disponibilidade de efetivos médicos, de enfermagem e outros, mas também hospitalares e de equipamentos. O adiamento dessa resposta está a atribuir ao negócio privado, que faltou à chamada no pior momento da Covid, o mais imerecido dos prémios: a substituição do SNS junto de setores sociais alargados na prestação de um amplo espectro de serviços.

O segundo é terminar a longa estagnação do salário médio em Portugal. Um dos efeitos mais notórios da degradação da proteção legal dos trabalhadores, gravemente acelerada sob a troika, foi a estagnação salarial. O próprio Estado promoveu esse quadro, ao manter congelados e em perda real todos os salários da sua tabela que não foram entretanto absorvidos pelas atualizações do salário mínimo e ao estimular o outsourcing em áreas crescentes, com a respetiva lógica de compressão salarial e de precarização laboral. Independentemente do valor de cada uma das alterações à lei laboral que se impõe fazer, o conjunto de medidas que o Bloco tem defendido teria como efeito global o aumento das remunerações e da capacidade reivindicativa dos trabalhadores para obterem mais direitos e melhores salários.

O terceiro objetivo é a modernização do sistema de proteção social e a definitiva remoção das penalizações anacrónicas que continuam a ser impostas a um conjunto de reformados pela aplicação do fator de sustentabilidade. A remoção dessa injustiça tem sido apresentada pelo governo, de forma manipulatória, como uma ameaça ao equilíbrio financeiro da Segurança Social, o que é um grosseiro erro. O Bloco tem contribuído, com as suas propostas, para o reforço da sustentabilidade da segurança social e para o aumento das suas receitas. Quanto à modernização da proteção social, defendemos a criação de uma prestação social que abranja e unifique as múltiplas prestações não contributivas e apoios extraordinários, e que coloque acima do limiar da pobreza todas as vítimas da precariedade ou da informalidade laboral que, por terem tido poucos ou nenhuns descontos ou por já terem esgotado o subsídio de desemprego, se encontram em grave insegurança – sem estigmas e com regras de acesso (nomeadamente na condição de recursos) que não excluam quem necessita.

O quarto objetivo é a concretização da Lei do Clima, com passos concretos para a redução das emissões. O aumento da rede de transportes públicos e o caminho para a gratuitidade dos passes é o primeiro e mais imediato passo na transformação da mobilidade e transição energética.


O problema

A pandemia expôs a falta de profissionais no Serviço Nacional de Saúde, a pobreza entre tantos pensionistas, as respostas insuficientes e degradantes nos equipamentos sociais de apoio a idosos e dependentes, o alastrar dos vínculos precários e a prisão dos salários baixos. Esta é a forma da crise que vivemos em 2022: pobreza no emprego e nos salários e pensões,  desgaste dos nossos bens comuns, como o acesso a médico de família ou a qualidade dos serviços dos centros de saúde e hospitais, e a insuficiência das respostas do Estado no cuidado a quem mais precisa. 

PRR: Um instrumento importante, mas limitado

A resposta à crise pandémica através do Plano de Recuperação e Resiliência tardou. Meses de propaganda sobre a chamada bazuca europeia culminaram na apresentação de um plano de recuperação e resiliência mais restrito que o inicialmente anunciado, e sujeito a condicionalismos e contrapartidas. 

A dimensão do PRR, distribuído pelos anos em que poderá ser aplicado, representa menos de 1,3% do PIB português, distribuído a conta-gotas, acompanhados de “recomendações específicas” à política económica e social do país com as correspondentes pressões para que os Estados-Membros apliquem as mesmas.

As necessidades de investimento público nas áreas estruturantes do país não podem ficar dependentes de um único instrumento europeu de natureza extraordinária e sujeito a eventuais contrapartidas (as “recomendações específicas”). Os atrasos na execução do Ferrovia 2020, ou o subaproveitamento do equipamento de saúde por falta de profissionais no SNS, são apenas exemplos do quão limitado pode ser o impacto do PRR se não houver escolhas políticas mais claras sobre o futuro do investimento público.

Por outro lado, os  mecanismos de transparência e prestação de contas têm que ser reforçados para assegurar o escrutínio democrático da aplicação dos fundos. Na Região Autónoma dos Açores, por exemplo, o Governo deu razão ao Bloco ao anunciar a repetição do processo de candidatura às Agendas Mobilizadoras do PRR que se veio a provar pouco transparente na seleção das empresas beneficiárias.

Transportes, habitação, serviços públicos e combate à pobreza energética, devem ser as prioridades para o investimento público em Portugal. Só assim o país poderá responder aos efeitos da crise pandémica enquanto constrói uma economia mais sustentável e justa.

A solução

A recuperação do SNS, com a valorização dos seus profissionais, das suas carreiras e salários, associadas a um regime de exclusividade que combata a promiscuidade com o setor privado e garanta a dedicação ao SNS, é a primeira condição para se sair da pandemia com um país recuperado. Foi essa a proposta que o Bloco de Esquerda levou às negociações do Orçamento do Estado para 2022, e que o governo recusou. Este programa reafirma essa prioridade porque sem segurança na saúde a democracia vive diminuída.

O aumento do salário mínimo nacional (SMN) provou ser uma política acertada para o país, que foi compatível com a criação de emprego e a valorização dos rendimentos dos trabalhadores mais pobres. Mas para além do SMN coloca-se a necessidade de aumentar os salários médios praticados em Portugal. Porque os salários não sobem por decreto, é preciso alterar as leis laborais para  o contrato coletivo e o emprego, combater a condição precária e o abuso. Também as pensões devem ser valorizadas, para que não sejam um fator de pobreza, e devem ser corrigidas as injustiças que a direita introduziu ao penalizar duplamente a reforma antecipada de quem já trabalhou durante 40 anos.

O combate à pobreza é uma prioridade que não dispensa o aumento dos salários e melhores condições de trabalho, mas que requer uma resposta estrutural. O Bloco retoma a sua proposta para uma prestação social única, rejeitada pelo governo do PS no passado, que permitirá uniformizar, simplificar e alargar a proteção social atualmente existente, com a preocupação de combater também o estigma e o preconceito associado às atuais políticas. É tempo também de assegurar novas respostas públicas às necessidades sociais que o Estado insiste em ignorar ou entregar ao setor privado. O cuidado das pessoas em situação de fragilidade não se pode limitar ao SNS nem ficar dependente da solidariedade de familiares ou de respostas privadas inacessíveis. O Estado tem que alargar a sua rede de serviços públicos aos desafios atuais, e por isso propomos a criação de um Serviço Nacional de Cuidados.


Recuperar os rendimentos do trabalho e combater a precariedade

Na legislatura de 2015-2019, a recuperação de rendimentos cortados pela troika foi o cimento dos acordos à esquerda. Pretendeu-se virar a página relativamente à estratégia da direita de desvalorização interna, orientada para o aumento da competitividade externa por via da “redução dos custos de produção” (nomeadamente salários) e “preços de oferta”. Essa estratégia assente na desvalorização salarial passou não apenas pela contenção do salário direto, mas também pela redução da duração e valor das prestações de desemprego, pelos cortes aos trabalhadores da administração pública, pelo corte para metade no pagamento do tempo de trabalho suplementar, pela redução das compensações por despedimento e pela paralisação da contratação coletiva. O objetivo de aumentar o salário médio e combater a precariedade impõe que se revertam essas alterações, destinadas a desvalorizar o trabalho, e que se garantam novos direitos laborais.

Os cinco principais problemas da política salarial em Portugal

  • Tem aumentado a parte dos trabalhadores abrangidos pelo SMN (são cerca de 25% do total) e tem diminuído a distância entre salários médios e o SMN. A taxa de crescimento dos salários médios no sector privado fica em cerca de metade da evolução do SMN.

  • Mantém-se a pobreza assalariada: continuamos a ter um em cada 10 trabalhadores abaixo do limiar de pobreza. De acordo com dados do INE, mais de 9,5% da população empregada em 2020 era considerada pobre (rendimentos líquidos inferiores a 540 euros mensais). Por outro lado, quase 60% dos pobres com mais de 18 anos trabalham.

  • A distribuição da riqueza produzida continua a ser profundamente desigual. A parte do rendimento nacional que vai para os salários é claramente minoritária: apenas cerca de 44,5%, ficando o resto do lado do capital. A média europeia anda perto dos 48%. Em Portugal, era essa a percentagem em 2009. Já foi mais de 60%.

  • A desigualdade salarial atravessa a sociedade e é também interna às empresas. As mulheres recebem em média cerca de 20% menos que os homens, se forem considerados não apenas os salários (caso em que a percentagem é de 14,4%), mas também prémios, subsídios e horas extra. Em grandes empresas, os gestores ganham em média 10 vezes o que ganham os trabalhadores, desigualdade que vem aumentando. Nalguns casos (Pingo Doce), um trabalhador teria de trabalhar 20 anos a para ganhar o mesmo que o gestor da empresa ganha num mês.

  • A criação de emprego tem-se feito sobretudo em setores caracterizados pela prática de salários inferiores à média nacional e com emprego precário, o que induz a estagnação dos salários médios. De acordo com os dados dos Quadros de Pessoal (2019), o salário médio de um precário é 300 euros abaixo do de um trabalhador com contrato efetivo (cerca de 1100€ euros versus 800€).


    1.1. Aumentar o salário mínimo e o salário médio

    Nos últimos anos, o aumento do salário mínimo nacional tem sido uma política fundamental de recuperação de rendimentos, de dinamização do mercado interno (mais salário significa mais procura) e de introdução de um pouco mais de justiça. O aumento do salário mínimo desmentiu os cenários catastrofistas da direita sobre os impactos negativos que poderia ter no emprego. Pelo contrário, constatou-se a existência de uma relação entre o aumento do SMN e o aumento do emprego: entre 2015 e 2021, o aumento de 31,7% no SMN foi acompanhado de aumento do emprego e redução do desemprego. Assim, a trajetória de valorização do SMN deve ser reforçada ao longo da próxima legislatura.


    Uma política de esquerda deve ter na valorização de salários e de rendimentos do trabalho uma prioridade. Isso passa pela valorização do salário mínimo, mas não só. Para recuperar e valorizar os salários médios é preciso uma estratégia para o emprego que não seja assente em setores de trabalho precário e combater de forma decisiva a precariedade que produz baixos salários. Para isso, e sem prejuízo da futura substituição do atual Código de Trabalho, deve dar-se prioridade à eliminação das regras que foram introduzidas pela direita para produzir a desvalorização salarial e que ainda permanecem na lei, bem como das regras que têm incentivado a substituição de trabalhadores com direitos por trabalhadores precários com salários mais baixos, por via de despedimentos seguidos de recurso ao outsourcing.

As propostas do Bloco:

  • Recuperação do salário mínimo que, tendo alcançado 705 euros em janeiro de 2022, deve continuar a aumentar ao longo da legislatura a um ritmo anual de, pelo menos, 10%, de forma a diminuir a diferença em relação ao SMN de Espanha;

  • Reversão da “flexibilização” do trabalho suplementar, acompanhada desde 2012 pela redução para metade da sua remuneração. No imediato, deve ser revogado o corte da troika na majoração das horas extra e recuperado o descanso compensatório;

  • Recuperação dos montantes e os períodos de concessão do subsídio de desemprego do período pré-troika. A redução do apoio no desemprego funciona como aliado de uma política de baixos salários;

  • Eliminação da norma que obriga os trabalhadores, para contestarem despedimentos ilícitos, a abdicarem da compensação a que têm direito; proibição de recurso ao outsourcing para funções equivalentes em empresas que fizeram despedimentos; e retoma do valor das compensações por despedimento anteriores ao corte da troika (30 dias por cada ano trabalhado);

  • Alteração do quadro legal da negociação coletiva, revogando as alterações que reduziram a capacidade negocial dos sindicatos e bloquearam as atualizações salariais;

  • Consagração na lei do subsídio de alimentação para todos os trabalhadores e trabalhadoras do privado (o subsídio de alimentação está apenas nos contratos coletivos ou individuais), com valor mínimo igual ao do setor público (sem prejuízo de contratos coletivos que estabeleçam um valor superior);

  • Definição de leques salariais de referência, nos setores público e privado, para combater as desigualdades salariais. As empresas que ultrapassem esse leque serão excluídas de qualquer apoio público e benefício fiscal, bem como excluídas da possibilidade de participar em arrematações e concursos públicos;

  • Alteração do padrão de especialização baseado na desvalorização salarial permanente e em setores assentes no trabalho precário. Os incentivos para essa mudança não passam pela “redução de impostos” sem critério reivindicada pelas confederações patronais mas sim por políticas de qualificação, de apoio à inovação, de crédito às empresas e de redução de custos de contexto (nomeadamente energia) orientadas para uma mudança do padrão produtivo.

Combater a precariedade e as novas formas de exploração

Uma governação que responda pelo país tem a obrigação de colocar o emprego no centro da ação política e de responder às transformações em curso no mundo do trabalho. Isso faz-se com políticas capazes de criar e distribuir o emprego, qualificando o país, reduzindo o horário de trabalho e combatendo as múltiplas formas de desregulação e prolongamento dos horários e de trabalho não pago. Portugal continua a ser um país precário: cerca de um quarto da população com contratos precários, dois terços da juventude trabalhadora sem contrato permanente e centenas de milhares que trabalham sem contrato (na informalidade absoluta ou com falsos recibos verdes). Os baixos salários condenam as pessoas a vidas no limiar da pobreza e os vínculos temporários impedem-nas de fazer projetos para o futuro.

A contratação coletiva e a pandemia: um problema de abrangência e de conteúdos

O número de trabalhadores cobertos pelas convenções coletivas publicadas em 2020 estava abaixo dos 500 mil. O aumento regular do salário mínimo deu um impulso à atualização da contratação coletiva sobretudo em setores em que as remunerações das categorias inferiores da escala salarial coincidiam com o salário mínimo – setores tipicamente com um elevado número de trabalhadores e trabalhadoras – o que concorreu para o aumento da cobertura potencial das convenções coletivas. Por outro lado, a legislação de 2017, facilitando a extensão das convenções coletivas, e o aumento claro das portarias de extensão emitidas em 2017 e 2018 tiveram impacto na aproximação da cobertura potencial e real. Só que a pandemia parece ter voltado a paralisar a negociação coletiva, com uma redução substancial em 2020. A abrangência das convenções coletivas publicadas está muito longe dos níveis de 2008, altura em que cobria 1,9 milhões de contratos de trabalho. Enfrentar este problema é uma prioridade.

O facto de as convenções serem negociadas sob chantagem patronal, não apenas pela caducidade (entretanto suspensa temporariamente através de uma moratória) mas pela inexistência do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, puxa os direitos para baixo. A flexibilidade do tempo de trabalho e os bancos de horas são um foco da pressão patronal acrescida na negociação coletiva. O mote está dado ao permitir-se que as convenções tenham disposições inferiores à lei geral, nomeadamente sobre as formas de organizar o trabalho e os seus tempos. O desequilíbrio é hoje a regra nas relações coletivas de trabalho. A lei deveria, contudo, servir exatamente para impedi-lo.

Às formas clássicas de precariedade (contratos a termo, trabalho temporário, estágios, falsos recibos verdes), junta-se a generalização, em vários setores, do recurso ao outsourcing e à externalização e a introdução do modelo das “plataformas”. O trabalho através das plataformas tem vindo a operar uma transformação de grande significado nos modos de organizar a prestação de trabalho, através da automação, da conectividade permanente, do acesso digital aos clientes e da gestão algorítmica. É um “modelo de negócio” que pode ser utilizado em múltiplos sectores, do transporte de passageiros às entregas, ou à montagem de móveis. O debate sobre o enquadramento do trabalho através de plataformas digitais tem ocorrido em todo o mundo, dando origem a intervenções de natureza muito diferente, seja pelas autoridades locais, seja através de contratação coletiva, seja por parte dos tribunais (com decisões que criam jurisprudência, nomeadamente relativamente à qualificação da relação contratual), seja por via de leis gerais aplicáveis a uma parte das plataformas (como as de transportes ou de entregas), ou ao conjunto dos trabalhadores que prestam atividade através de plataformas digitais.

Em Portugal, calcula-se que mais de 10% da população adulta já prestou algum serviço a partir de uma plataforma digital e entre 2 a 4% dos trabalhadores tinha nas plataformas digitais a sua principal (ou única) fonte de rendimento. O país foi tristemente pioneiro na aprovação, pelo PS, PSD e CDS, da “Lei Uber”, que consagrou um modelo de intermediários, impedindo a celebração de contrato entre trabalhadores e plataformas digitais. Mais recentemente, o Bloco apresentou um projeto de lei para a criação de um contrato de trabalho por conta de outrem com as plataformas digitais, obrigando à inclusão dos trabalhadores de plataforma no Código de Trabalho, garantindo proteção social e eliminando as figuras do intermediário. Esse passo terá de ser dado.

Por outro lado, a precarização faz-se através do recurso aos despedimentos e ao outsourcing. Em 2021, a vaga de despedimentos em grandes empresas e bancos não teve a ver com dificuldades económicas, mas sim com o aproveitamento do contexto pandémico para substituir milhares de postos de trabalho enquadrados por acordos de empresa, contratação coletiva e direito a uma carreira, por outros ocupados por trabalhadores externos, em outsourcing, precários, fora dos instrumentos de contratação coletiva e com salários mais baixos. Ao mesmo tempo que estas empresas perseguem trabalhadores com muitos anos de casa, cresce o número dos outsourcings. Na Altice, a contratação recente de centenas de trabalhadores para a Intelcia é um exemplo dessa estratégia. No Santander, há hoje mais trabalho e o banco socorre-se de empresas de trabalho temporário para colmatar os lugares que extingue, incluindo funções permanentes e essenciais. Esta manobra apoia-se nas alterações que tornaram os despedimentos muito mais baratos, apoia-se na norma de amordaçamento dos trabalhadores que os impede de, uma vez recebida a compensação, exercerem o direito legal de contestarem um despedimento ilícito e é ainda facilitada pela passividade das autoridades.

35 horas no privado, dever de desconexão e semana de 4 dias?

A experiência portuguesa e internacional relativa à redução do horário de trabalho faculta-nos conhecimento suficiente para perceber que esta é uma medida possível e dá-nos indicações sobre como conduzir um processo deste tipo. Se tomássemos como referência a experiência francesa de 1998, a aplicação das 35 horas no setor privado em Portugal poderia criar mais de 200 mil postos de trabalho. É sensato e tem de ser feito: mais emprego e mais tempo para viver.

Em Portugal, a redução para as 40 horas, em 1996, permitiu a criação de 5% de emprego líquido no primeiro ano e 3% no segundo. Em França, a aplicação das leis Aubry (a primeira de 1998 e a segunda de 2000) que reduziram o horário de trabalho paras as 35 horas, foi objeto, em 2014, de uma “Comissão de Inquérito sobre o impacto societal, social, económico e financeiro da redução progressiva do tempo de trabalho”. Essa Comissão conclui que a redução do tempo de trabalho decidida pela lei de 1998 contribuiu para que a economia francesa criasse 350 mil empregos entre 1997-2001, que ela foi acompanhada de uma aceleração dos ganhos de produtividade e que permitiu o relançamento do diálogo social e uma melhoria na articulação entre o tempo passado no trabalho e o tempo consagrado a atividades pessoais, familiares e associativas.

Nalguns países, tem vindo a ser testado o modelo de uma semana de 4 dias, reorganizando-se os tempos de trabalho e os tempos sociais. Vários modelos têm estado em cima da mesa, mas uma hipótese é a combinação entre a redução do horário semanal para 35 horas e a sua concentração em 4 dias da semana, libertando assim três dias para descanso. No Estado Espanhol decorre um projeto piloto para apoiar empresas que adiram à semana das 32 horas, concentradas em 4 dias.

A limitação da jornada de trabalho faz-se também combatendo os abusos nas horas extra (muitas delas não pagas), o abuso da figura legal da “isenção de horário” (cada vez mais frequente e com uma utilização muitas vezes fraudulenta por parte das empresas) e da “laboração contínua” (cujos critérios são totalmente permissivos). São ainda necessários sinais fortes, como o que foi dado com a consagração do dever patronal de desconexão, uma proposta que o Bloco vinha defendendo desde 2017 e que ficou consagrada no Código do Trabalho no final de 2021, suscitando grande interesse internacional. Trata-se de uma disposição original por colocar o ónus da desconexão no patrão e na empresa e não no trabalhador, ao contrário das propostas relativas ao “direito a desligar” noutros países. E é uma norma que vale para todos os trabalhadores: fora do horário de trabalho, é tempo de descanso e a esse tempo de descanso corresponde um dever de abstenção de contactos por parte da empresa, sob pena de serem aplicadas contra-ordenações graves. É uma lei para contrariar uma verdadeira cultura de “ligação e disponibilidade permanente” que existe em alguns setores da economia.

  • Relançamento da contratação coletiva e do sistema coletivo de relações laborais, garantindo o fim da caducidade unilateral dos instrumentos de regulação coletiva de trabalho, a reposição do tratamento mais favorável ao trabalhador (para impedir que os contratos coletivos tenham normas piores que as da lei geral) e o alargamento dos mecanismos de arbitragem;

  • Redução do horário de trabalho para as 35 horas e abertura à possibilidade da semana de 4 dias;

  • Combate à desregulação dos horários, com reposição do pagamento integral das horas extra (eliminando o corte da troika), limitação e regulação da utilização da figura da “isenção de horário” e da generalização da laboração contínua;

  • Revogação do alargamento do período experimental para jovens à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração, restrição da utilização dos contratos a prazo apenas às situações de substituição temporária e de pico ou sazonalidade de atividade e eliminação das exceções legais que permitem a sucessão de contratos a termo;

  • Regularização dos falsos recibos verdes, com metas concretas para obrigar à celebração de contrato a dezenas de milhares de trabalhadores utilizando a Ação Especial de Reconhecimento do Contrato de Trabalho (a “Lei contra a Precariedade”) e com a inclusão de um critério de exclusão de empresas com falsos recibos verdes em qualquer contrato com o Estado;

  • Reforço da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), com a contratação de mais meios (não apenas na inspeção, mas também como técnicos superiores), dando-lhe mais poderes (designadamente conferindo título executivo a algumas das suas decisões), e garantindo o cruzamento de dados entre Autoridade Tributária e ACT;

  • Aprovação de uma nova lei de combate ao trabalho temporário e ao falso outsourcing, designadamente através de: i) limitação dos fundamentos e da duração do trabalho temporário a um máximo de seis meses; ii) obrigação de vinculação à empresa utilizadora ao fim de seis meses; iii) aplicação das regras e convenções coletivas da empresa aos trabalhadores e às trabalhadoras em outsourcing; iv) possibilidade de quem está em outsourcing optar por ser representado pelas organizações da empresa utilizadora (nomeadamente poderem eleger e ser eleitos para as Comissões de Trabalhadores); v) proibição de empresa que extingue posto de trabalho contratar em outsourcing para funções equivalentes; vi) proibição de externalização de funções relativas ao objeto social central da empresa;

  • Remoção das medidas da troika da lei laboral: i) devolução dos três dias de férias retirados pela direita (regresso à norma dos 25 dias, sem depender de outro critério); ii) reposição dos valores do trabalho suplementar e do descanso compensatório; iv) reposição do valor das compensações por despedimento e das regras anteriores à intervenção da troika, instituindo o princípio geral de um mês/por cada ano de trabalho prestado (neste momento, está em 12 dias);

  • Combater os despedimentos. Além da retoma das compensações: i) impedindo despedimentos, exceto por justa causa, em empresas com resultados positivos no ano anterior; ii) eliminando o despedimento por inadaptação, que dá origem a abusos sistemáticos; iii) revogando a norma que impõe que o recebimento da compensação do trabalhador vale como presunção de que ele aceita o despedimento e não pode contestar a sua licitude;

  • Reconhecimento de mais direitos a quem trabalha por turnos, nomeadamente através de: i) consagração legal da obrigatoriedade de subsídio por turnos; ii) maior acompanhamento médico; iii) definição de pausas e tempos de descanso e fins de semana; iv) participação dos trabalhadores e das trabalhadoras na definição das escalas de turnos; v) redução dos tempos de trabalho; vi) majoração dos dias de férias; vii) direito à reforma antecipada em proporção do tempo que se trabalhou por turnos;

  • Reconhecer e enquadrar no Código do Trabalho o trabalho doméstico assalariado e o trabalho profissional associado aos cuidados (apoio domiciliário, amas de creche familiar, ajudantes familiares), pondo fim à discriminação que a lei estabelece e garantindo a mesma proteção social de que gozam todos os trabalhadores por conta de outrem;

  • Alargar os direitos de parentalidade (licença inicial do pai, aumento da licença partilhada, redução de horário nos primeiros 3 anos de vida da criança), e dos direitos de pais e mães de filhos com deficiência, doença crónica ou oncológica e para acompanhamento de pessoa dependente (licenças para os e as cuidadoras informais);

  • Aumentar a percentagem do pagamento do Subsídio de Doença para garantir rendimentos substitutivos dos rendimentos do trabalho no período em que os trabalhadores se encontram doentes;

  • Obrigar à celebração de contratos entre trabalhadores e plataformas digitais, sempre que se verifiquem os indícios de laboralidade adaptados ao trabalho em plataforma, eliminando também a figura do intermediário, que foi consagrada pela “Lei Uber”;

  • Limitação da utilização abusiva de estágios apoiados pelo IEFP, valorização da sua remuneração e criação da obrigação, pelas empresas, de integrar pelo menos um em cada três estagiários. Reforço da fiscalização relativa aos falsos estágios e à utilização de estágios sucessivos para ocupar funções permanentes nas empresas.

Valorizar as pensões e fazer justiça a quem trabalhou

Portugal continua a ter pensões muito baixas, resultantes de salários baixos e carreiras contributivas débeis, uma baixa taxa de substituição de rendimentos na velhice (ou seja, a maioria das pessoas ganha na reforma significativamente menos do que os rendimentos que auferia enquanto tinha um emprego) e uma elevada taxa de pobreza entre os idosos.

Ao mesmo tempo que a idade da reforma tem vindo a aumentar devido às  regras que a vinculam à esperança média de vida (até 2013, a idade legal da reforma era fixa: 65 anos; em 2022 será de 66 anos e 7 meses); o regime das reformas antecipadas é de grande complexidade, com uma miríade de regras diferenciadas, algumas das quais provocam legítimas apreensões e grandes injustiças relativas que acabam por descredibilizar o sistema. Se a regra é que a reforma antecipada acontece apenas a partir dos 60 anos, e é sujeita a dois cortes – o “fator de sustentabilidade” (corte de 15,5% em 2021) e o “fator de redução” (corte de 0,5% por cada mês que falta até à idade legal) – o facto é que a maioria das pensões antecipadas requeridas já não se encontra abrangida por estas regras, enquadrando-se em regimes especiais. Esses regimes resultam de decisões tomadas entre 2017 e 2020, nomeadamente no que diz respeito à eliminação de ambos os cortes nas muito longas carreiras contributivas (com mais de 46 anos de descontos, reforma a partir dos 60 anos sem cortes), nas profissões de desgaste rápido (deixou de se aplicar qualquer dos cortes) e, mais recentemente, para quem aos 60 anos tenha uma carreira contributiva de mais de 15 anos de descontos com 80% ou mais de incapacidade (reforma sem nenhum dos cortes para este subgrupo de pessoas com deficiência ou incapacidade). Além disso, foi eliminado o fator de sustentabilidade para quem, aos 60 anos, tenha 40 ou mais anos de descontos (neste caso, mantendo o “fator de redução”) e foi criada uma “idade pessoal de reforma” (reduz-se a idade legal da reforma em 4 meses por cada ano de desconto acima dos 40 anos de contribuições), à qual não se aplica nenhum dos cortes, nem fator de sustentabilidade nem fator de redução.

Restam, contudo, grupos de trabalhadores a quem continuam a aplicar-se duplos cortes injustificados. Quem começou a trabalhar criança e se reformou com 46 anos de descontos, hoje não sofreria qualquer penalização, mas como pediu a sua pensão antes de 2018, continuará a sofrer, toda a vida, um duplo corte na pensão. Quem se reformou através do regime de desemprego de longa duração. Quem teve pensões de desgaste rápido entre 2014 e 2018 (antes disso, e depois, corte de “sustentabilidade” não se aplica). Quem se reformou com 40 anos de descontos aos 60 ou mais de idade, mas foi penalizado para toda a vida por tê-lo feito antes da entrada em vigor das atuais regras em outubro de 2019. A todas essas pessoas ainda se aplicam penalizações injustas e que devem terminar.

Acabar com a dupla penalização nas pensões é possível e sustentável

Quando foi criado em 2008, pelo PS, o chamado “fator de sustentabilidade” (FS) aplicava-se a todas as pensões, porque a idade da reforma era fixa: 65 anos. O chamado “fator de sustentabilidade” pretendia  fazer repercutir o efeito do aumento da esperança média de vida no valor da pensão, porque o sistema assentava numa idade legal da reforma fixa. Se a pessoa quisesse trabalhar para além dos 65 anos, podia continuar a trabalhar mais uns meses e anulava esse corte.

Desde 2013 que não há uma idade fixa de reforma, mudando todos os anos. Por outro lado, PSD e CDS alteraram a base a partir da qual se calcula o corte de “sustentabilidade”, tomando como referência a diferença com o ano 2000 e não com o ano de 2006, triplicando o valor do corte.

Atualmente, os dois grandes instrumentos de sustentabilidade do sistema por via do fator demográfico são a “idade móvel de reforma” (que varia em função da esperança média de vida) e o “fator de redução” (um corte de 6% por cada ano que faltar para a idade pessoal ou legal de reforma). Este fator funciona como um forte dissuasor das reformas antecipadas. Desde 2014, o chamado “fator de sustentabilidade” (adicional ao “fator de redução”) deixou de ser um elemento estruturante do sistema e passou a configurar uma dupla penalização ilegítima e sem fundamento, mesmo à luz dos argumentos com que foi imposto. A mera eliminação do “fator de sustentabilidade” não elimina o “fator de redução”, não mexe na idade móvel da reforma nem nas regras de acesso às pensões antecipadas.

Aplicada aos pensionistas que requereram a reforma em 2020, a proposta de eliminação do fator de sustentabilidade teria tido como universo 10 mil pessoas. Tendo em conta o valor médio mensal das pensões da Segurança Social (474 euros em 2019), o impacto seria de cerca de 11 milhões de euros num ano. Mesmo considerando a aplicação também à Caixa Geral de Aposentações, estimando na mesma percentagem (cerca de 11% do universo de reformados em 2020) e considerando que o valor médio mensal destas pensões é mais elevado (1098 euros), chegamos a um impacto de mais de 5 milhões de euros.

Recalcular o valor a 62 mil reformas antecipadas pedidas entre 2014 e 2018, que tiveram severos cortes que não ocorreriam sob as regras atuais, mas que permanecem para aquelas pessoas perpetuamente, é uma medida que se aplica a um universo fechado e sempre decrescente, por razões demográficas. Tendo em conta o valor médio das pensões antecipadas requeridas nesse período (que rondará os 500 euros), a eliminação deste corte teria um impacto de cerca de 60 milhões, decrescendo em cada ano.

As duas propostas em conjunto representam, em despesa, menos de um terço do valor anual que o adicional do IMI (proposto pelo Bloco) tem dado de receita à Segurança Social.

A sustentabilidade da Segurança Social tem de ser analisada tendo em conta, pelo menos, três dimensões distintas. O fator demográfico (esperança média de vida, evolução da natalidade e saldo migratório), os fatores económicos (crescimento, criação de emprego e níveis salariais) e os mecanismos de funcionamento e de financiamento do próprio sistema (contribuições e diversificação das fontes de financiamento da segurança social). Os fatores de desequilíbrio da sustentabilidade da Segurança Social no período da austeridade resultaram das escolhas de política económica: aumento do desemprego (menos contribuições e mais despesa social), precariedade (que atira pessoas para fora do sistema), baixos salários (a que correspondem baixas contribuições, incapazes de garantir pensões decentes), emigração (que levou meio milhão de pessoas para fora do país nesse período). As propostas da direita para a Segurança Social continuam a ser os cortes nas pensões, a compressão da proteção social, a descapitalização por via de descontos às empresas, o modelo de baixos salários e a capitalização de uma parte dos sistemas que deveria migrar para o negócio privado.

A recuperação de rendimentos e a criação de emprego permitiu equilibrar o sistema previdencial de Segurança Social. Mas o sistema enfrenta desafios, resultantes nomeadamente das mudanças da estrutura demográfica e das transformações na estrutura de produção (robotização, aumento de produtividade). Esses desafios devem ser respondidos fazendo reverter os ganhos de produtividade e a inovação tecnológica em mais tempo para viver e maior qualidade de vida. No período entre 2015-2019, foi possível avançar num conjunto de medidas que trouxeram mais justiça ao sistema de pensões e, simultaneamente, mais fontes de financiamento da Segurança Social, reforçando sobretudo o seu Fundo de Estabilização Financeira. Mas o equilíbrio do sistema deve passar ainda pelo combate à informalidade e precariedade do emprego e pela melhoria dos salários, fatores cruciais para romper o padrão de pensões muito baixas, e pelo aprofundamento da contribuição das empresas de capital intensivo, não apenas em função do número de trabalhadores e de trabalhadoras, mas também do seu valor acrescentado líquido.

Bloco defende e já conseguiu reforçar a sustentabilidade Segurança Social

A recuperação de rendimentos e a criação de emprego permitiu equilibrar o sistema previdencial de Segurança Social: a receita de contribuições é hoje superior à despesa com pensões do sistema previdencial. Mas, além disso, outras propostas do Bloco têm reforçado a sustentabilidade da Segurança Social trazendo mais receita ao sistema.

Só com as receitas que resultaram do adicional ao IMI sobre o património de luxo foi possível reforçar com mais 477 milhões de euros nos últimos 3 anos (2018-2020) o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social. Em 2020, foram transferidos 304 milhões para a segurança social por via desta proposta do Bloco que se tornou lei.

Mas não só. O Bloco também apoiou a consignação de uma parte do IRC à Segurança Social, o que permitiu reforçar o seu financiamento com 377 milhões de euros em cada ano, ou seja, mais de 1000 milhões entre 2019 e 2021. Com estas medidas, o esgotamento do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social foi adiado em quase 20 anos.

Por outro lado, o Bloco propôs uma outra forma de diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social: uma contribuição de 0,75% sobre o valor acrescentado das grandes empresas (que exclui todas as micro, pequenas e médias empresas), o que representaria um acréscimo de receitas de cerca de 300 milhões de euros/ano para a Segurança Social. Persistimos nessa proposta, que será fundamental para o futuro do sistema.

A este conjunto de medidas corresponde um valor muitíssimo maior de receita do que toda a despesa das propostas que o Bloco apresenta para fazer mais justiça nas pensões. As propostas do Bloco reforçam a segurança social pública e aprofundam a sua sustentabilidade.

  • Alteração das regras de atualização das pensões, integrando no cálculo os valores do crescimento e da inflação, garantindo que nenhuma pensão perde poder de compra de ano para ano;

  • Aumento do valor mínimo das pensões, de modo a garantir que, independentemente dos apoios e dos complementos sociais aplicáveis, o valor das pensões de carreiras contributivas de 20 ou mais anos de descontos fica sempre acima do limiar de pobreza.

  • Eliminação do “fator de sustentabilidade”. Depois de todas as alterações aprovadas entre 2017 e 2020 ele já só tem uma aplicação residual (cerca de 10% das pensões requeridas). Não faz sentido manter-se, nomeadamente porque o impacto da esperança média de vida já foi incorporado noutros elementos do sistema;

  • Retirada do corte aplicado a quem se reformou entre 2014 e 2018 com elevadas penalizações que não existiriam sob as regras de hoje;

  • Recálculo das pensões de quem tem mais de 40 anos de descontos, bem como das pensões dos regimes de desgaste rápido, para eliminar do seu valor o corte do fator de sustentabilidade. É uma questão de justiça relativa para criar condições de igualdade face às alterações feitas em 2018, 2019 e 2020, e é uma questão de reconhecimento de quem trabalhou uma vida, havendo inclusive um precedente no OE 2021 e na proposta da Assembleia Regional dos Açores.

  • Aprofundamento do conceito de “idade pessoal da reforma”, para um regime mais justo e progressivamente sem cortes. A idade pessoal deve ser reduzida face à idade geral em função de carreiras acima dos 40 anos de descontos, em pelo menos um ano por cada ano a mais de contribuições. Deve ser reduzida face à idade geral em função do trabalho por turnos em pelo menos seis meses por cada ano de trabalho nesta modalidade. E deve ser reduzida face à idade geral em função do trabalho realizado com elevados grau de incapacidade;

  • Diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social. A contribuição deve ser feita não apenas em função do número de trabalhadores, mas também do seu valor acrescentado líquido. A proposta do Bloco é de uma contribuição de 0,75% sobre o Valor Acrescentado Líquido das grandes empresas, (ou seja, excluindo todas as PME, que são a esmagadora maioria do tecido empresarial português), garantindo mais justiça no esforço contributivo entre empresas com muitos trabalhadores e empresas com poucos trabalhadores mas grandes lucros;

  • Alargamento do acesso ao Complemento Solidário para Idosos (CSI), elevando o seu valor de referência e eliminando definitivamente a norma que contabiliza os rendimentos dos filhos e das filhas para acesso a esta prestação social;

  • Reforço do Estatuto do Cuidador Informal nas dimensões seguintes: i) reconhecimento da prestação de cuidados informais para efeitos de pensão de velhice; ii) concretização do direito ao descanso e a férias por via de mais vagas na Rede de Cuidados Continuados e do apoio domiciliário acessível a todas as pessoas que dele necessitem; iii) redução do tempo de trabalho e do trabalho a tempo parcial, com mecanismos de compensação dos rendimentos abaixo de um determinado patamar (tomando o valor do SMN como base); iv) garantia de que o subsídio de apoio chega a todos os cuidadores que precisam, alterando a condição de recursos e as regras de exclusão em função da morada ou da condição de pensionista.

Salvar o SNS

A extraordinária resposta que o SNS deu à pandemia deixou claro que a democracia não sobrevive sem ele. Ficou também claro que não podemos contar com o setor privado quando está em causa a proteção da saúde de todos. As seguradoras não cobrem epidemias e os hospitais privados fecham portas ou correm a exigir que o Estado financie as suas perdas. 

O país precisa agora de recuperar todos os cuidados adiados pela emergência sanitária, reforçar as respostas à população e responder aos profissionais de saúde. Estes, depois de quase dois anos de pandemia, encontram-se exaustos. 

Há urgências em rotura e demissões sucessivas de profissionais; há mais utentes sem médico de família, número que atingiu recentemente um milhão; há cada vez mais concursos desertos e vagas por ocupar; só de janeiro a setembro de 2021, os profissionais de saúde já realizaram o número recorde de 17 milhões de horas extraordinárias.

A falta de profissionais leva ao encerramento ou suspensão de serviços e ao aumento do tempo de espera para consultas e cirurgias; a dificuldade de acesso ao SNS torna a saúde mais cara e faz com que os portugueses sejam dos que mais pagam para aceder a determinados serviços.

A falta de investimento público é a predação do privado

O governo do PS tem-se recusado a fazer o investimento que se impõe. Em 2020 deixou 7000 milhões de euros por executar, valor que podia e devia ter sido canalizado para, entre outras coisas, reforçar o SNS. Ao mesmo tempo, segundo a OCDE, a despesa anual em Saúde em 2019 e 2020, período que já inclui a pandemia, foi menor do que entre 2015 e 2019. 

Medidas inscritas em orçamentos passados nunca saíram do papel e investimentos sucessivamente anunciados registam taxas de execução baixíssimas ou nulas. A construção dos novos hospitais de Barcelos e do Algarve já constou em orçamentos anteriores e desapareceu sem qualquer tipo de execução; hospitais como os de Lisboa ou Seixal constam de orçamentos desde 2016, mas continuam por adjudicar. A ampliação do hospital de Beja ou a maternidade de Coimbra não saíram do papel. Em 2020 estavam previstos 180 milhões de euros para internalização de meios complementares de diagnóstico e terapêutica. Nada foi executado. Em 2021 o cenário repetiu-se nesta e noutras áreas, como na concretização do Plano Nacional de Saúde Mental.

Os profissionais continuam a ver as suas carreiras estagnadas e as suas remunerações são das mais baixas da Europa. 

Ao mesmo tempo que se desinveste nas carreiras do SNS, aumentam os gastos do Estado com convenções com o privado e aumenta a despesa com a contratação de profissionais através de empresas de trabalho temporário. Em 2019, o Estado financiou 54% da despesa dos hospitais privados e 70% dos gastos dos laboratórios privados de análises e exames.

Esta recusa tem custos para os utentes e para o SNS. Piora-se o serviço prestado à população e desperdiça-se dinheiro que deveria estar a ser utilizado para contratar mais profissionais e investir em equipamentos e edifícios.

Em 2021 o SNS gastará mais de 300 milhões de euros em horas extraordinárias, valor que daria para contratar quase 10.000 novos profissionais. A Ministra da Saúde admitiu no Parlamento que os gastos com empresas prestadoras de serviços bastariam para contratar mais 3500 médicos. O mesmo acontece com os meios complementares de diagnóstico, que custam ao SNS, em convenções, 500 milhões de euros por ano. Segundo o diretor clínico do Centro Hospitalar de Setúbal, o dinheiro gasto neste centro hospitalar com ressonâncias magnéticas feitas no exterior bastaria para comprar um aparelho novo a cada dois anos, reduzindo ainda a distância e o tempo até ao diagnóstico.

O PS falhou ao SNS

Apesar de este ser o momento para fazer do SNS e dos seus profissionais a prioridade do país, o governo recusou todas as propostas estruturais da esquerda para recuperar a saúde.

O Bloco de Esquerda propôs a criação de um regime de exclusividade para os profissionais do SNS, opcional e com incentivos associados; o PS recusou e contrapôs um regime que não é mais do que um aumento do horário do trabalho com aumento de remuneração, mas que continua a permitir a acumulação de funções entre público e privado. 

Propusemos a autonomia das instituições do SNS para contratação de profissionais, mas na sua proposta de orçamento o Governo excluía da autonomia a contratação de médicos e apenas a permitia desde que não se aumentasse a despesa ou o número de profissionais permanentes. 

Controlada a pandemia, o momento deve ser o de valorizar os profissionais do SNS, mas o PS opôs-se sempre à criação da carreira de Técnico Auxiliar de Saúde, a uma carreira de enfermagem que conte os anos de serviço e trate por igual Contratos Individuais de Trabalho e Contratos de Trabalho em Funções Públicas ou à abertura de concursos para que psicólogos pudessem ingressar na carreira de Técnico Superior de Saúde. A todos estes projetos de lei do Bloco, o PS votou contra. Mesmo a iniciativa do Bloco para a revisão da carreira de Técnico Superior de Diagnóstico e Terapêutica, ainda que aprovada com outros partidos, teve no PS o seu principal opositor.

Depois da Nova Lei de Bases é imperativo aprovar um novo Estatuto do SNS. Ora, o documento  proposto pelo governo é, em muitos aspetos, um retrocesso em relação ao caminho feito entre 2015 e 2019. Ao voltar a admitir a gestão privada, abrindo portas a que entidades privadas possam integrar o SNS, ao não revogar o decreto que impõe a municipalização da saúde ou o decreto que permite a criação de novas PPP, o Estatuto do SNS proposto pelo Governo entra em conflito com a Lei de Bases aprovada em 2019. O Estatuto propõe ainda a criação de uma “direção executiva do SNS”, sem clarificar métodos de nomeação alheia a interesses político-partidários e sem clarificar o papel da Administração Central do Sistema de Saúde e das administrações regionais de saúde.

Nestas e noutras matérias, o PS foi um travão, um obstáculo no caminho que é preciso percorrer. É preciso, por isso, outro compromisso com o SNS e pelo SNS. É esse o compromisso do Bloco de Esquerda.

A lei de bases da Saúde de Semedo e Arnaut deixou as sementes necessárias para o SNS do futuro, que seja verdadeiramente universal, moderno e de excelência. Agora é necessário concretizar essa lei e salvar o SNS.

Um compromisso para salvar o SNS

Investimento e financiamento. O SNS não pode estar constantemente subjugado ao subfinanciamento ou à falta de investimento. Segundo o Conselho de Finanças Públicas, o défice acumulado do SNS entre 2014 e 2020 foi de quase 3000 milhões de euros. Em todos estes anos, o peso do SNS em percentagem do PIB não passou dos 5,6% e as verbas dedicadas a investimento não foram além dos 2% do orçamento do SNS. É necessário contrariar esse percurso de enfraquecimento e delapidação. 

  • Aumento do orçamento do SNS em percentagem do PIB, acabando com o subfinanciamento crónico e proporcionando margem para um efetivo investimento;

  • Criação de um plano plurianual de investimentos associado a uma carta nacional de equipamentos de saúde, com dotação própria, que permita combater a obsolescência tecnológica pela renovação e aquisiçãoo de novos equipamentos, com especial atenção para meios complementares de diagnóstico e para as infraestruturas, aumentando assim a capacidade de resposta do SNS;

  • Exclusão do SNS da aplicação da Lei dos Compromissos;

  • Desburocratização do SNS e otimização do processo de modernização tecnológica através da unificação e simplificação dos sistemas de informação, colocando hospitais e cuidados primários em rede – o Processo Clínico Único centrado no cidadão, e investindo em plataformas informáticas para profissionais e cidadãos.

Acesso à saúde. Para melhorar o acesso à saúde é necessário eliminar duas barreiras: os tempos de espera e os custos associados. Tempos de espera de meses ou de anos para consultas ou cirurgias dificultam o acesso a cuidados de saúde essenciais às populações. Por outro lado, os custos com taxas moderadoras, transporte de utentes, medicamentos ou recurso a medicina privada em áreas com reduzida resposta no SNS são elevados e pesam muito no orçamento mensal das famílias. Portugal é um dos países da OCDE em que as pessoas mais gastam do seu próprio bolso com custos relacionados com a saúde e onde gastos excepcionais mais colocam em causa a economia familiar. É inaceitável que existam pessoas sem acesso aos melhores cuidados de saúde por motivos financeiros. 

  • Contratação de profissionais para zonas e serviços onde as listas de espera são mais longas, através de medidas para captação e fixação: exclusividade, melhoria de carreiras profissionais e criação de equipas para recuperação de atividade;

  • Eliminação das taxas moderadoras em todos os atos programados, prescritos ou referenciados, nomeadamente exames, consultas e tratamentos em contexto hospitalar;

  • Expansão do regime especial de acesso ao medicamento para todos os utentes em condição de insuficiência económica; 

  • Combate ao desperdício de medicamentos não utilizados, promovendo programas de reutilização segura e repensando o actual formato de comercialização em embalagens, adotando mecanismos de unidose. 

  • Concretizar a transformação do Laboratório Militar num laboratório nacional de produção de medicamentos articulado com a investigação científica para melhorar o acesso a medicamentos e produtos de saúde.

Cuidados de saúde primários. Apesar dos ganhos em saúde e económicos associados às Unidades de Saúde Familiar, a generalização deste modelo ficou esquecida. Por outro lado, existem muitas pessoas sem médico de família, tendo esse número aumentado para mais de 1 milhão de pessoas. A pandemia veio também agravar as dificuldades de acesso já existentes a consultas nos centros de saúde. Investir nos cuidados primários é investir em mais saúde e menos doença, deslocando o foco do tratamento para a promoção da saúde.

  • Garantia de um médico e equipa de saúde familiar para todas as pessoas. Mais do que apenas médicos de família, é necessário garantir a todos o acesso à sua equipa de saúde familiar:

    • Contratação dos vários médicos de família recém-especializados que não concorreram aos concursos lançados pelo SNS; 
    • Aumento do número de vagas para formação em Medicina Geral e Familiar, em especial nas regiões mais carenciadas de médico de família, como é o caso de Lisboa e Vale do Tejo; 
    • Captação e contratação de médicos que não puderam obter especialidade por falta de vagas para apoio a atividades nos Cuidados de Saúde Primários e posterior lançamento de concurso extraordinário para a sua especialização em Medicina Geral e Familiar;
    • Estabelecimento de um enfermeiro de referência para cada família e da revisão do quadro de competências e atribuições destes profissionais, permitindo libertar médicos de família de algumas funções que os enfermeiros podem e têm capacidade para desempenhar;
    • Introdução de Técnicos Auxiliares de Saúde nas equipas de saúde familiar para apoio aos enfermeiros na prestação de cuidados domiciliários em situações de menor complexidade;
    • Reforço dos cuidados de saúde primários com todos os restantes profissionais essenciais para criar equipas de saúde familiar (assistentes técnicos, operacionais auxiliares e administrativos, psicólogos, nutricionistas, higienistas orais e assistentes sociais).
  • Redimensionamento dos Agrupamentos de Centros de Saúde para um máximo de 100 mil utentes nas áreas de grande concentração demográfica e 50 000 nas restantes e garantir-lhes autonomia gestionária e administrativa;

  • Capacitação dos cuidados de saúde primários para o atendimento urgente por forma a reduzir a pressão sobre as urgências hospitalares;

  • Promoção da realização de análises clínicas e outros meios complementares de diagnóstico de forma descentralizada e mais perto das populações, no âmbito dos cuidados de saúde primários;

  • Criação de novas Unidades de Saúde Familiar (USF) e remoção de qualquer barreira administrativa (como o caso da quotas estabelecidas arbitrariamente) para a criação ou evolução de USF;

  • Reforço das Unidades de Recursos Assistenciais Partilhados com mais profissionais e serviços como psicologia, nutrição, fisioterapia, terapia ocupacional, podologia, etc.;

  • Criação de Gabinetes de Prevenção e Tratamento de Ansiedade e Depressão nos centros de saúde;

  • Disponibilização de cuidados de saúde oral;

  • Investimento nas Unidades de Cuidados na Comunidade;

  • Criação centros de diagnóstico e o estreitamento da articulação e comunicação entre centros de saúde e os hospitais locais e estabelecimento de consultorias de técnicos hospitalares, em cooperação com os hospitais de zona;

  • Redução progressiva da atribuição de tarefas de rastreio epidemiológico aos médicos de família de forma a recuperar cuidados em atraso e melhorar a resposta atual;

  • Desenvolvimento de canais de comunicação telefónicos e eletrónicos eficazes com cuidados de saúde primários para melhorar o acesso à saúde;

  • Descentralização dos cuidados de saúde de especialidade (como pediatria, ginecologia/obstetrícia, oftamologia, dermatologia, entre outros), situando-os mais próximos das populações;

  • Capacitação dos cuidados de saúde primários para uma resposta eficaz às pessoas em condição de vulnerabilidade social ou insuficiência económica, apoiando aquelas com múltiplas doenças e que necessitam de cuidados de saúde frequentes com programas individuais de acompanhamento. 

Saúde pública. A pandemia demonstrou que os serviços de saúde pública são essenciais, mas que Portugal tem poucos profissionais e equipas pequenas para um trabalho tão exigente. Na maioria dos hospitais não existem serviços de epidemiologia hospitalar. É assim urgente reforçar os especialistas em saúde pública no SNS.

  • Alteração dos rácios previstos na lei, reforçando o número de médicos e enfermeiros especialistas em saúde pública e de técnicos de saúde ambiental com a abertura de concursos para preenchimento dos lugares resultantes da aplicação do novo rácio;

  • Alargamento das equipas de saúde pública, de forma a nelas incorporar profissionais com outros conhecimentos e competências, como, por exemplo, estatística, informática da saúde, epidemiologia, ciências sociais e comportamentais, entre outras;

  • Lançamento de um concurso extraordinário para formação médica especializada em saúde pública destinado às centenas de médicos recém-licenciados que nos últimos anos têm sido impedidos de frequentar formação especializada;

  • Reconhecimento da profissão de epidemiologista;

  • Retirada da realização de juntas médicas da alçada das unidades de saúde pública, criando uma resposta específica para este efeito, e automatizando o acesso a atestado multiuso para patologias ou situações clínicas consideradas altamente incapacitantes, conforme matriz a definir pela DGS.

Gestão pública. Para que a saúde não seja um negócio, é preciso dotar o SNS de todos os recursos e meios de que necessita, mas também de um modelo de gestão pública que respeite a sua missão. Para isso é necessário ultrapassar a lógica empresarial hoje dominante. 

  • Revogação do decreto-lei n.º 23/2020, de 22 de maio, que estabelece as regras para a celebração de contratos de parceria de gestão na área da saúde e abre portas a novas parcerias público-privado no SNS;

  • Integração no SNS dos hospitais que o governo PSD/CDS entregou à gestão das Santas Casas da Misericórdia (Serpa, Anadia e Fafe);

  • Promoção da gestão democrática das unidades de saúde;

  • Modificação do paradigma de financiamento hospitalar que tem sido baseado na produção de atos médicos, sem objetivos em saúde claramente definidos (financiamento de atos feitos por outros profissionais e incentivos por equipas), por forma a integrar dimensões associadas a outras classes profissionais e mais componentes de qualidade dos cuidados além da produção;

  • Promoção da autonomia das instituições e a participação dos cidadãos e profissionais, dando vida e competências específicas aos Conselhos da Comunidade; 

  • Reavaliação da organização vertical do SNS e o papel das Administrações Regionais de Saúde (ARS), da Direção-Geral da Saúde (DGS) e da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), com definição clara de funções, em proveito de uma organização de proximidade e mais matricial;

  • Criação dos Sistemas Locais de Saúde já previstos na nova Lei de Bases da Saúde;

  • Alinhamento da definição do território de intervenção das regiões de Saúde com as NUT II, de modo a harmonizar o planeamento, a recolha de dados em saúde e a articulação com as diferentes estruturas de poder local e regional. 

Profissionais valorizados. No SNS todos contam: desde médicos a assistentes operacionais, passando pelos enfermeiros, TSDT, técnicos superiores de saúde, assistentes técnicos, entre tantos outros. Quem é profissional do SNS faz parte de um recurso público vital e deve sentir-se valorizado como tal. Carreira, salário e desenvolvimento profissional são condições para um melhor SNS.

  • Definição de uma estratégia nacional de recursos humanos do SNS. É preciso estruturar carreiras e aumentar salários, desenvolver planos de apoio à formação profissional e ao ensino tutelado e melhorar a investigação em saúde para fixar profissionais. Esta estratégia deve incluir a revisão das grelhas salariais, a revogação do SIADAP dando lugar a um sistema justo de progressões e avaliação de desempenho;

  • Criação de um regime de carreira em exclusividade para os profissionais do SNS que seja atrativo, opcional e com incentivos associados;

  • Diversificação e formalização de atividades dos profissionais do SNS, através da criação dos estatutos de profissional-doutorando, investigador e docente com tempo dedicado a estas atividades;

  • Promoção da fixação de profissionais em regiões carenciadas com melhor remuneração, apoio no emprego do cônjuge e na escola dos filhos;

  • Concretização da criação de um registo de profissionais de saúde e um mapeamento das necessidades de formação (inicial e de aperfeiçoamento ou especialização) e contratação de recursos humanos, para a definição de um quadro de investimento plurianual baseado nas necessidades reais;

  • Reforço do número de vagas para formação especializada dos médicos;

  • Cumprimento da legislação sobre saúde ocupacional no SNS, de forma a proteger a saúde dos trabalhadores;

  • Incorporação dos trabalhadores de segurança e da limpeza nos quadros das instituições

Cuidados paliativos, cuidados continuados e hospitalização domiciliária. Na grande maioria dos hospitais ainda não há equipas ou unidades de internamento de cuidados paliativos, como prevê a Lei de Bases. Importa também expandir a hospitalização domiciliária e criar mecanismos para reforçar o acompanhamento das altas hospitalares em articulação com os CSP, passo fundamental para reduzir os reinternamentos evitáveis. Existem apenas metade das camas e menos de metade das equipas comunitárias necessárias. O mesmo nos cuidados continuados, entregues ao setor social e privado. A crise dos lares durante a pandemia mostrou que o Estado deve construir e gerir estruturas de cuidados domiciliários para colmatar a brutal lacuna de resposta pública, numa articulação entre saúde e segurança social e no quadro de um Serviço Nacional de Cuidados.

  • Reforço das redes de Cuidados Continuados e de Cuidados Paliativos, aumentando o número de camas públicas existentes no país e reforçando tipologias ainda inexistentes, como é o caso dos cuidados continuados de saúde mental;

  • Aumento o financiamento para os programas de hospitalização domiciliária, de forma a cobrir rodo o território, diminuindo o risco de infeções adquiridas em contexto hospitalar e melhorando o conforto dos utentes.

Saúde Mental. A reforma da saúde mental previa menos institucionalização de utentes, promovendo a sua integração na comunidade. Quase tudo continua por fazer: o Plano Nacional de Saúde Mental está por concretizar e as respostas comunitárias por implementar.

  • Execução do Plano Nacional de Saúde Mental dotando-o do orçamento necessário, destacando-se a implementação urgente das equipas de saúde mental na comunidade e cuidados no domicílio que envolvam os utentes, cuidadores e a sua família;

  • Reforço das equipas multidisciplinares de saúde mental nos cuidados de saúde primários com aumento significativo do número de psicólogos, permitindo uma resposta imediata para situações de ansiedade e depressão, entre outras, impedindo o agravamento de doenças e evitando internamentos futuros;

  • Desenvolvimento de respostas na área dos Cuidados Continuados em Saúde Mental e na área da Autonomização e Reabilitação Psicossocial da pessoa com doença mental, garantindo a inserção na comunidade e o acesso a uma vida ativa e autónoma.

Prevenção da doença. O Plano Nacional de Saúde terminou em 2020 e o novo ciclo de planeamento, altamente afetado pela pandemia, deverá refletir as aprendizagens destes anos e com a avaliação do que foi realizado. A promoção da saúde, a prevenção da doença e o reforço do paradigma de saúde em todas as políticas que alterem os determinantes de saúde são condições essenciais para baixarmos a carga de doença da população e, em simultâneo, aumentar a qualidade de vida em todas as suas fases. 

  • Reforço da verba do orçamento do SNS afeta à promoção da saúde e prevenção da doença,para além dos atuais 1%;

  • Criação de planos com medidas concretas e execução monitorizável mensalmente, nomeadamente re-editar o Plano de Ação para a Literacia para a Saúde que termina em 2021 e concretizar a Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável (ENEAS);

  • Reforço da prevenção de novos casos de VIH e de outras infeções sexualmente transmissíveis, e aumento da capacidade de diagnóstico e tratamento dos casos existentes: formação de docentes e profissionais de saúde nas temáticas da sexualidade, estímulo à realização do teste rápido de VIH e outras infeções sexualmente transmissíveis; disponibilização da profilaxia pré-exposição; alargamento da vacinação contra o HPV a todas as pessoas até aos 26 anos.

Alterações climáticas. O setor da saúde é responsável por 4,8% dos gases com efeito de estufa. A saúde tem que fazer parte do esforço de descarbonização e combate às alterações climáticas. 

  • Redução das emissões e da pegada ambiental do setor, nomeadamente tornando os hospitais e centros de saúde neutros em carbono até 2027.

INEM. O investimento na Saúde deve estender-se a todos os organismos públicos de saúde, como o INEM. Este instituto é fundamental na resposta de emergência pré-hospitalar, mas tem vivido com enorme défice de trabalhadores.

  • Contratação de pelo menos 400 trabalhadores para o INEM, entre técnicos de emergência pré-hospitalar, enfermeiros, psicólogos e médicos;

  • Instituição de um concurso anual de contratação, de forma a repor os profissionais que tenham abandonado o Instituto no ano anterior.

Transformar as prestações sociais para combater a pobreza e o preconceito

A crise mostrou as lacunas profundas do nosso sistema de proteção social. Houve centenas de milhares de pessoas em Portugal que, tendo perdido o seu emprego, ficaram sem acesso a qualquer proteção social. Para isso contribuem formas precárias de emprego que não permitem aceder às prestações de desemprego, designadamente por inexistência do prazo de garantia exigido, o enorme volume de trabalho informal (sem proteção social), a debilidade da proteção dos trabalhadores independentes e o facto de os subsídios de desemprego terem sofrido, desde 2010, alterações na sua cobertura e valor.

Esta realidade obrigou a que se criassem três tipos de medidas temporárias. Novas prestações sociais, limitadas no tempo, como o “apoio extraordinário para os trabalhadores independentes”. Novas regras, também temporárias, para acesso às prestações existentes, como a diminuição do prazo de garantia do subsídio de desemprego e do subsídio social de desemprego e a prorrogação da sua atribuição. A necessidade destas medidas deve obrigar a esquerda a repensar profundamente todos os vazios de proteção social do nosso sistema.

Uma parte significativa dos trabalhadores desempregados não tem proteção, a cobertura do subsídio social de desemprego é muito escassa (cerca de 2% do número total de desempregados), continuamos a ter prestações de desemprego abaixo do limiar de pobreza, o valor mínimo do subsídio de desemprego mantém-se abaixo do limiar de pobreza, o valor mínimo do subsídio social de desemprego (não contributivo) muitíssimo abaixo do limiar de pobreza.

Não admira, por isso, que os desempregados sejam o grupo mais exposto à pobreza em Portugal e o único que diverge da tendência nacional de redução do risco de pobreza nas últimas décadas. Entre 2005 e 2018, a taxa de risco de pobreza dos desempregados já tivera um aumento de cinquenta por cento (de 28% para 42%). Ou seja, o problema já vinha de trás. Há cerca de uma década, o Governo PS (em 2010) fez alterações estruturais com enorme impacto no subsídio de desemprego: o cálculo do valor mínimo e máximo deixou de ter como referência o Salário Mínimo Nacional, além de se terem alterado os períodos de concessão. A Direita, a partir de 2012, acentuou este caminho. A consequência foi uma redução do tempo de proteção para os trabalhadores, particularmente aqueles com menores carreiras contributivas. O mesmo aconteceu com o subsídio social de desemprego, cujo acesso foi dificultado por uma condição de recursos que exclui a maioria.

Hoje mantém-se o triplo recuo ocorrido no tempo da troika: corte no valor da prestação, na duração do período de concessão e na condição de recursos do subsídio social. Nenhuma destas medidas foi revertida. O único corte que foi eliminado na anterior legislatura 2015-2019 foi o de 10% no valor da prestação ao fim de 180 dias, além de se ter posto fim, por proposta do Bloco, às humilhantes e inúteis “apresentações quinzenais”. Na legislatura 2019-2021, houve uma majoração do valor mínimo do subsídio de desemprego.

À debilidade do subsídio de desemprego soma-se uma degradação das prestações de combate à pobreza. O Rendimento Social de Inserção tem acolhido muito poucas vítimas desta crise: em 2020, aumentou apenas 1,3% o seu universo de beneficiários. Os desempregados e os jovens adultos, o grupo social mais vulnerável à pobreza em Portugal, não têm no RSI uma medida capaz de lhes responder. Além disso, os valores do RSI ficam muito aquém do limiar da pobreza: em 2021, a prestação média de RSI foi de 119,96 euros por beneficiário, por mês. Desde 2010, as alterações restritivas nas condições de acesso e na definição dos agregados familiares ditaram uma degradação da prestação. Os elementos diferenciadores da medida, assentes num compromisso do Estado com um plano de inclusão para cada pessoa, desvaneceram. A tudo, acresce o estigma social lançado sobre a medida.

Também os trabalhadores independentes são praticamente excluídos da proteção social quando ficam sem atividade. A dimensão do problema ficou clara quando mais de 200 mil trabalhadores requereram o apoio extraordinário para trabalhadores independentes durante a pandemia.

A transformação do sistema de proteção social não se resolve apenas com medidas temporárias, mas exige alterações de fundo na regulação e proteção do trabalho e no desenho das prestações de desemprego. Ninguém sem emprego ou sem atividade e que não tenha rendimentos deve ficar desprotegido. Nenhuma pessoa que trabalhou e descontou deve ter um apoio abaixo do limiar de pobreza. É preciso alterações profundas no RSI, é preciso alterar as prestações de desemprego, revertendo os cortes no valor e na duração, é preciso mudar o subsídio social de desemprego e criar novos patamares de proteção social que cubram todos os casos que não estão abrangidos pelas prestações de desemprego e pelo RSI, o que implica uma prestação social nova, de largo espectro, permanente, e com um fôlego diferente das que existem.

Pobreza: violação dos direitos humanos

Metade das pessoas em Portugal já viveram, em algum momento da sua vida, uma situação de pobreza. Portugal continua a ser um dos países da Europa com maior pobreza e com maiores níveis de desigualdade. A existência de 1,7 milhões de cidadãos e cidadãs (dos quais muitos são crianças e jovens) em situação de pobreza é um facto que ofende o país e que motiva a ação da esquerda. A UNICEF Portuguesa, no relatório “As crianças e a crise em Portugal” revela que 28,6% se encontravam, em 2011, em risco de pobreza e exclusão social. Em Portugal as estatísticas registam que ¼ da população se encontra num patamar de pobreza e, entre estes, predomina a população mais velha e reformada. Dentro desta realidade multiforme encontra-se também o fenómeno das pessoas em situação de sem-abrigo. De acordo com os dados disponíveis, Portugal tinha, em 2020, 8209 pessoas nessa situação, mais mil do que em 2019. A pandemia agravou a situação e apesar da existência de uma Estratégia Nacional que foi reativada depois de ter sido congelada pelo PSD e pelo CDS, há um enorme trabalho a fazer. A erradicação da pobreza tornou-se uma urgência social.

O combate à pobreza não é apenas uma questão de “apoio aos pobres” , às crianças ou aos idosos, nem tampouco de políticas sociais, mas sim uma questão de distribuição primária de rendimento, de políticas orçamentais, económicas, de políticas de emprego, de educação, de saúde ou de habitação. Uma estratégia de erradicação da pobreza tem por isso que incidir sobre todas as escolhas que fazemos a todos os níveis.

  • Reforço do Rendimento Social de Inserção, aumentando já em 2022 o valor de referência do RSI e diminuição da diferença da capitação entre os membros do agregado. O valor de referência deve caminhar para o IAS e reforçar a componente de integração através do acompanhamento e da ação social e integrando-o, a prazo, no Rendimento Social de Cidadania;

  • Reforço das prestações de desemprego, designadamente: i) retomando o salário mínimo nacional como referência do valor mínimo do subsídio de desemprego contributivo (e não o IAS, que ainda por cima é inferior ao limiar de pobreza); ii) aumentando os períodos de concessão, voltando às regras de 2009; iii) tornando o valor do IAS (438,83€) o valor mínimo de referência do subsídio social de desemprego (atualmente é 80% do IAS no caso do trabalhador considerado isoladamente); mudar a condição de recursos do subsídio social de desemprego, tomando o IAS (e não 80% do IAS) por elemento do agregado o valor de referência para acesso ao subsídio social de desemprego e mudar a capitação dos membros do agregado;

  • Criação uma nova prestação social que unifique os apoios não contributivos. Numa primeira fase, este “Rendimento Social de Cidadania” deve ser capaz de cobrir os casos que não estão abrangidos pelas prestações de desemprego e pelo RSI, nomeadamente os que foram cobertos por apoios extraordinários (trabalhadores independentes, informais, trabalhadores com prazos de garantia inferiores a meio ano). Numa segunda fase, o Rendimento Social de Cidadania absorveria o RSI e o Subsídio Social de Desemprego (duas prestações não contributivas, isto é, financiadas pelo Orçamento do Estado), fundindo assim estes apoios numa nova prestação, com um nome menos estigmatizado e com um novo impulso. Ela funcionaria como uma prestação diferencial capaz de garantir que ninguém fica abaixo do limiar de pobreza;

  • Subordinação das novas políticas públicas à prévia avaliação no Parlamento do seu previsível impacto, positivo ou negativo, sobre a pobreza e a exclusão social. É instrumentalmente crucial que, para além de atacarmos as consequências sejamos capazes de prevenir as causas e que, para isso, as políticas setoriais – particularmente aquelas que objetivamente terão um potencial impacto sobre a pobreza – sejam aprovadas após uma prévia avaliação dos seus impactos na produção, manutenção ou agravamento da pobreza e da exclusão social;

  • Reforço da Estratégia Nacional de Integração das Pessoas Sem-abrigo. Entre outras medidas, deve haver um investimento substancial num programa nacional de “Housing First” (ou Casas Primeiro), através do qual, em articulação com os municípios, se concedam habitações sem impor condições prévias, como primeiro passo para o processo de reintegração. Em quatro anos, este programa deve dar resposta ao conjunto de situações identificadas. Deve também ser garantida a contratação de profissionais com formação especializada que acompanhem as pessoas,  assegurando que o programa das “Casas Primeiro” tem capacidade de sucesso nos seus objetivos; 

  • Criação de uma estratégia nacional para a erradicação da pobreza e exclusão social, garantindo uma ampla participação em todas as fases do processo.

Uma mudança na política de cuidados: o Serviço Nacional de Cuidados

A pandemia expôs as várias dimensões da “crise de cuidados” que vivemos. A provisão de cuidados sociais continua a assentar, em grande medida, nas famílias e, dentro destas, a sobrecarregar as mulheres no cuidado de crianças, idosos e pessoas dependentes.

Portugal é um dos países mais envelhecidos do mundo. No ano de 2020, 23% da sua população tinha mais de 65 anos de idade, o que torna mais urgente a adoção de políticas públicas eficazes a enfrentar o combate ao isolamento e solidão, bem como a diminuir a taxa de risco de pobreza deste grupo geracional, sendo que as mulheres se encontram entre as mais atingidas por este flagelo.

O nosso país tem, além disso, uma escassa taxa de cuidados formais: menos de 13% dos idosos têm acesso a apoio de profissionais, seja apoio domiciliário, seja apoio institucional (centros de dia e lares). A rede de cuidados continuados não tem mais de 15 mil vagas, num país em que as necessidades ultrapassam muito a oferta. A despesa pública em cuidados de longa duração é irrisória: 0,4% do PIB, quando em países do norte da Europa, por exemplo, é dez vezes mais. 37% dos mais de 100 mil lugares em creche não têm comparticipação pública. Por outro lado, a escassez de cuidados formais não é sequer compensada com o reconhecimento do cuidado informal e com transferências sociais para as famílias: o estatuto do cuidador informal tem vindo a ser boicotado pelo Governo e não abrange mais do que 900 pessoas em todo o país, as prestações por dependência oscilam entre os 105 e os 190 euros mensais.

O modelo de cuidados que temos é injusto, promove a desigualdade e a divisão sexual do trabalho e assenta na externalização e na precariedade. As respostas para a infância, para a velhice e para a dependência são protagonizadas pelo setor social privado, financiado por acordos de cooperação com a Segurança Social (cerca de 1500 milhões de euros por ano)  e tem vindo a ser rejeitado que o Estado disponha de uma rede pública de creches, de respostas para a velhice e a dependência ou de uma bolsa pública de ajudantes familiares ou assistentes pessoais. Nos cuidados continuados, só 2% da oferta é pública. Em algumas tipologias, não há nenhuma resposta pública, mas sim uma parte comparticipada pelo Estado.

Entre as profissionais de cuidados e do serviço doméstico (em ambos os casos, cerca de 90% mulheres) a precariedade e os baixos salários são a norma. A área dos cuidados é das que mais tem criado emprego, mas num modelo precário. Ao mesmo tempo, grandes multinacionais têm vindo a organizar-se na Europa para criarem um mercado de cuidados, particularmente para idosos, aproveitando os vazios da política pública. Criar uma resposta a esta lacuna, garantindo a criação de dezenas de milhares de postos de trabalho com direitos, deve ser uma prioridade da esquerda. Os modelos de resposta que hoje prevalecem, assentes na institucionalização das pessoas, na estandardização  de procedimentos e na desvalorização da autonomia de cada um e cada uma geram sofrimento e têm de ser repensados.

É preciso uma mudança paradigmática. Essa transformação no modo de organizar os cuidados em Portugal tem várias dimensões: culturais, laborais e económicas. E deve ser feita a vários tempos.

O Bloco propõe que se responda no imediato às necessidades do envelhecimento e à dependência, reforçando as respostas sociais.

  • Investimento na rede de serviços de proximidade e de cuidados domiciliários, como suporte de continuidade das pessoas nas suas casas e na comunidade;
  • Reforço da comparticipação estatal nos acordos de cooperação com o setor social para valores que acompanhem a inflação, de forma a cobrirem as despesas das mais variadas respostas dadas atualmente pelas IPSS;

  • Reformulação dos acordos de cooperação com o setor social para permitir a adaptação das respostas sociais às necessidades da população, designadamente através de alargamento de horários de funcionamento;

  • Inspeção regular das Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (Lares) e dos Centros de Dia, tanto nas condições de segurança como na garantia da qualidade dos cuidados prestados e adequação de funções dos e das profissionais que lá trabalham;

  • Exigência de contrapartidas laborais nos acordos de cooperação com IPSS, designadamente a progressiva uniformização das tabelas salariais entre setor social e as mesmas categorias no setor público, a existência de contratos estáveis e o não recurso a falsos recibos verdes por parte das instituições com as quais o Estado celebra acordos de cooperação;

  • Exigência de que seja alargado a todo o território nacional e aplicado integralmente o Estatuto dos Cuidadores e Cuidadoras Informais, reconhecendo o seu trabalho na prestação de cuidados;

  • Prioridade ao policiamento de proximidade que, em articulação com as autarquias locais, USF ou Centros de Saúde, permitam a sinalização de séniores em risco, seja de violência, seja de solidão, seja de pobreza extrema;

  • Criação de um Sistema de Telecuidado público articulado com o SNS;

  • Garantia de médico de família para maiores de 65 anos e resposta adequada de cuidados paliativos;

  • Criação de unidades locais de reabilitação e suporte a pessoas com doenças degenerativas em todas as freguesias ou por uniões de freguesia.

O Bloco defende ainda que se repense profundamente a política pública de provisão de cuidados. Para isso, propõe a criação de um Serviço Nacional de Cuidados, que desenvolva em todo o território uma rede de respostas públicas na área da infância, da velhice, da dependência e da promoção da autonomia, de caráter universal e tendencialmente gratuito:

  • Este serviço deve começar pela criação de respostas públicas nas tipologias que a lei já prevê (creches, centros de dia, centros de noite, estruturas residenciais para pessoas idosas, apoio domiciliário, centros comunitários, centros de atividades ocupacionais, unidades de cuidados continuados, equipas de cuidados paliativos, entre outros), a partir da identificação das zonas com maior carência de resposta e da identificação de imóveis que sejam propriedade do Estado e que possam ser utilizados para o efeito;

  • O Serviço Nacional de Cuidados deve também promover a articulação entre os serviços de saúde e da segurança social, nomeadamente integrando o apoio domiciliário hoje apoiado pela Segurança Social com a intervenção domiciliária das equipas de cuidados na comunidade existentes na rede de cuidados primários de saúde. O Serviço Nacional de Cuidados deve promover também a articulação entre segurança social e educação, nomeadamente nas respostas à infância e na concretização da rede pública de creches;

  • O Serviço Nacional de Cuidados deve tutelar as respostas aos cuidadores e cuidadoras informais, concretizando todas as dimensões em falta no Estatuto dos Cuidadores Informais, designadamente o descanso ao cuidador, o apoio domiciliário, o acesso à rede de cuidados continuados e o acesso a licenças;

  • O Serviço Nacional de Cuidados deve promover um plano de desinstitucionalização que passe pela construção e pelo financiamento de novas respostas assentes na autonomia das pessoas e na sua associação cooperativa: modelos de co-habitação e novos formatos de habitação pública com infraestruturas de cuidados (centros de convívio, lavandarias públicas, espaços para crianças, cozinhas partilhadas), uma bolsa nacional de apoio domiciliário (incluindo cuidados sociais, de saúde, serviço doméstico e atividades culturais para pessoas dependentes) e uma bolsa nacional de assistentes pessoais (na linha do modelo da Vida Independente, que deve merecer um investimento robusto);

  • O Serviço Nacional de Cuidados deve prever a possibilidade de parcerias público-público, eliminando desde logo a impossibilidade legal de financiamento direto da Segurança Social a respostas sociais geridas pelos municípios e freguesias;

  • Numa segunda fase, o Serviço Nacional de Cuidados pode paulatinamente internalizar algumas das funções e dos equipamentos que fazem atualmente parte da rede de instituições do setor social, como se fez aquando da criação do Serviço Nacional de Saúde, dando coerência e planeamento a uma rede pública em todo o território.

O problema

Desde que as Nações Unidas reconheceram a existência de alterações climáticas, nos anos 70, as emissões mundiais praticamente duplicaram. Em 2015, o Acordo de Paris estabeleceu um compromisso: a contenção do aumento da temperatura global para que não ultrapasse 2.ºC até 2100, o que requer a redução para metade das emissões de gases poluentes até 2030. A ciência declara-o e a ONU confirma-o: o tempo das declarações de intenções acabou. Apesar disso, a 26ª cimeira global sobre o clima (COP26), que se seguiu ao relatório internacional que assume o aquecimento global como consequência da ação humana e em aceleração, foi incapaz de avanços efetivos. No momento de todas as decisões, os governos mundiais falham aos povos: os compromissos necessários para a descarbonização e para o apoio aos países mais pobres continuam subjugados ao lóbi das indústrias poluentes, à hipocrisia do “capitalismo verde” e ao egoísmo de quem não quer abdicar do seu privilégio.

O acordo para travar a desflorestação até 2030 celebrado na COP26  é o seu melhor retrato: não é vinculativo e vem substituir um outro que tinha 2020 como a data para o fim da desflorestação. A cimeira do clima mostra que o capitalismo é incapaz de encontrar soluções para a crise climática que criou.

A crise climática agravou-se enquanto os governos mais poderosos lutam pelas indústrias poluentes, protegiam a finança predatória e ignoravam os alertas dos cientistas. Essa irresponsabilidade voltou a impor-se: mesmo se cumpridos os objetivos definidos na COP26 (e não são imperativos) a subida da temperatura média poderá duplicar o objetivo limite de 1,5ºC.

A solução

Perante este cenário, Portugal não pode arrastar o passo ou ceder à tentação de imputar a quem já vive com dificuldades o custo de uma transformação que tem que ser sistémica e justa. Para a emergência climática, o Bloco de Esquerda reafirma o seu programa assente em políticas de investimento público e de justiça social. 

Portugal tem de cumprir a sua parte. Apresentamos os seguintes eixos fundamentais para uma transição energética que previna a catástrofe e defenda as pessoas: o desenvolvimento e eletrificação do transporte público, ferroviário e rodoviário; a adaptação territorial e produtiva às alterações climáticas, com uma nova política agrícola e florestal, a proteção dos recursos hídricos e o combate à produção de plásticos descartáveis e de uso único; a aceleração da transição para as energias renováveis, com foco na produção solar descentralizada.

Lei de bases do clima

Portugal juntou-se ao grupo de países com uma Lei de Bases do Clima, um compromisso do Bloco no seu último programa eleitoral.

A lei reconhece a situação de emergência climática e o país passa a ter metas de mitigação e data para a neutralidade climática inscritas na lei, assim como políticas para a mitigação e adaptação. A justiça climática é um dos principais objetivos da lei e dá centralidade à criação de emprego e ao combate à pobreza energética. A cooperação internacional e o reconhecimento do estatuto do refugiado climático são outros pontos importantes.

A exploração de gás e petróleo ficam interditas, uma grande vitória dos movimentos ambientalistas contra o que antes era um dos objetivos do governo. Também as centrais de produção de eletricidade a partir do carvão não regressarão.

A lei configura um avanço, embora pudesse ser ainda mais ambiciosa, como o Bloco propôs. Ainda assim, foi possível derrotar a ideia de que a lei não devia ter metas ou que deveria inscrever o princípio do poluidor-pagador. O Bloco mantém divergências com alguns dos conteúdos da lei, nomeadamente na manutenção da chamada fiscalidade verde e nos mercados de carbono, que não são solução e aumentam as desigualdades sociais.


Transportes públicos para toda a gente

A repartição modal das deslocações em Portugal é desequilibrada face à média da UE27. Segundo dados da Comissão Europeia (Statistical Pocket Book 2021), em 2019, 87% dos passageiros por Km utilizaram transporte rodoviário Individual, 7% recorreram ao transporte público rodoviário, 5% utilizaram o comboio e apenas 1% o Metro ou o Metro Ligeiro de Superfície. Em contrapartida, na UE27, a repartição modal dos passageiros por Km foi, respetivamente, 82% para o transporte individual, 9% para o transporte público rodoviário, 8% para a ferrovia e 2% para o Metro.

Esta repartição modal, como uma grande predominância do automóvel, tanto na UE como em Portugal, está associada uma relevância maior dos transportes e, nesses, do transporte rodoviário individual, no total das emissões de CO2. Em 2019, em Portugal, 41% das emissões de CO2 tiveram origem no setor dos transportes, 30% na indústria da produção de Energia, 21% na Indústria Transformadora, 3,1% no setor residencial e 4,3% serviços/agricultura. Na UE27, a repartição das emissões de CO2 por setor apontava para 32,6% nos transportes, 30,3% na Energia, 21,2% na Indústria Transformadora, 9,2% no Residencial e 6,4% nos serviços/agricultura.

A estratégia de favorecimento do automóvel individual é especialmente visível nas maiores áreas urbanas, de onde entram e saem milhares de veículos diariamente. Segundo os Censos de 2011, a população da Grande Lisboa gastava em média 52 minutos a deslocar-se entre casa e o local de trabalho ou estudo, sendo o valor correspondente para o Grande Porto de 42 minutos. Em Lisboa, 54% desta população usava o automóvel como o meio de transporte para estas deslocações, uma percentagem mais de 10 p.p. superior à registada nos Censos de 2001. Segundo um estudo da Câmara Municipal de Lisboa de 2018, cerca de 370 mil carros entravam todos os dias em Lisboa, além dos 160 mil que já estavam na cidade. As implicações em termos de emissões de CO2, poluição diversa e desperdício de tempo são muito consideráveis.

Mudar radicalmente o perfil da mobilidade, dar primazia à escolha e utilização do transporte coletivo, privilegiando o investimento no modo ferroviário é a proposta fundamental que o Bloco apresenta, nas áreas metropolitanas como em todo o país.

Nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto reside 44% da população do país, 2,6 milhões na AML e 1,6 milhões na AMP. Dos restantes 5,3 milhões de habitantes, cerca de 4 milhões vivem em cidades. Em todas estas, o direito efetivo à mobilidade só pode ser universal com base em transportes públicos coletivos. Sem essa transição para uma mobilidade mais coletiva e elétrica, nenhuma meta de descarbonização do país será cumprida.

São bem conhecidas as vantagens económicas, ambientais e sociais de um programa consistente de substituição do recurso ao transporte individual por transportes públicos de qualidade mas que só se concretizarão se o apoio tarifário for complementado por um plano consistente de investimento na abrangência e qualidade da oferta para:

  • Redução das emissões de CO2 e poluentes;

  • Redução do consumo de combustíveis, com efeitos positivos na balança comercial energética e no endividamento externo;

  • Redução do tempo perdido em engarrafamentos e deslocações;

  • Aumento dos níveis de conforto, sossego e qualidade de vida urbana, particularmente nas zonas dos centros das cidades objeto de exclusão do tráfego automóvel;

  • A maior integração funcional entre os centros e as periferias das áreas metropolitanas, contribuindo para compensar a pressão imobiliária sobre os centros e para assegurar o direito à cidade da generalidade da população residente;

  • Promoção do emprego, em particular nos setores dos transportes e da construção para estas funções.

Transformar a mobilidade nas áreas metropolitanas

O Inquérito à Mobilidade nas Áreas Metropolitanas de Lisboa (AML) e do Porto (AMP) de 2017 mostra que o automóvel privado foi utilizado em 68% e 59% das deslocações, respetivamente. Os transportes públicos e/ou coletivos representaram 16% das deslocações na AML e 11% na AMP. As restantes deslocações foram feitas a pé ou em modos suaves. Note-se que, no conjunto das duas áreas metropolitanas, há cerca de 2,9 milhões de deslocações/dia: não se pode tratar a gestão da mobilidade metropolitana desconsiderando as suas periferias territoriais.  

Em diversas partes do mundo, muitas cidades têm vindo a abraçar o objetivo de se tornarem “cidades sem carros”. Oslo, Copenhaga, Bruxelas e muitas outras cidades vão no sentido de proibir a circulação da grande maioria dos veículos em áreas centrais demarcadas. Estão comprovados os benefícios em termos de poluição sonora, qualidade do ar, redução de emissões de CO2 e aproveitamento do tempo.

Naturalmente, as zonas da “cidade sem carros” não são socialmente aceitáveis sem a prévia criação de alternativas rápidas, seguras e confortáveis. Em Portugal, esse é o complemento indispensável à introdução dos passes metropolitanos no âmbito do programa de redução tarifária em 2019. De acordo com o Relatório Global de Avaliação de Impacto do PART, verificou-se um significativo aumento da venda de passes: mais 25% na Área Metropolitana de Lisboa, mais 30% na Área Metropolitana do Porto e mais 29% em 9 Comunidades Intermunicipais. Também denota, por exemplo, que o impacto no trânsito foi importante, com menos 4,1% de tráfego na Ponte 25 de Abril ou 1,7% no IC19, e o resultado foi uma diminuição das emissões, nomeadamente o NO2 que desceu 20%. O aumento da procura proporcionado pela redução dos preços tem que ter correspondência no alargamento dos sistemas de transportes coletivos e das suas várias componentes rodoviária, ferroviária e fluvial nas regiões metropolitanas.

  • Descarbonização dos modos de transportes, com soluções ferroviárias ao nível dos transportes urbanos, suburbanos e sub-regionais;

  • Aprofundamento da integração modal, horária e tarifária de todos os modos de transporte existentes;

  • Redução do custo dos transportes públicos em direção à gratuitidade, começando pelos jovens até aos 18 anos, pessoas com 65 ou mais anos e pessoas com deficiência;

  • Redução do preço dos passes sociais no âmbito do PART;

  • Criação de zonas centrais de grande restrição à circulação automóvel nas grandes cidades, começando por Lisboa e Porto, abrangendo em quatro anos 100 hectares em Lisboa (Baixa, Chiado e Avenida da Liberdade) e 40 hectares no Porto (Ribeira, Sé e Aliados) com vista a posterior expansão;

  • Promoção de meios de mobilidade suave:

    • Construção de ciclovias e sistemas de bicicletas partilhadas, com a criação de equipas técnicas de apoio aos municípios para o seu planeamento, desenho e execução, bem como para a elaboração de um manual de boas práticas;
    • Alargamento da dedução do IVA no IRS às reparações de bicicletas;
    • Reforço de verbas do Fundo Ambiental para compra de bicicletas elétricas e convencionais;
  • Criação de um programa público de car sharing nas principais cidades portuguesas;

  • Requalificação das linhas ferroviárias de acesso a Lisboa e Porto:

    • Lisboa: linhas de Cascais, Sintra, Azambuja, Eixo Ferroviário N/S e Barreiro/Praias do Sado;
    • Porto: linhas de Aveiro, Minho, Braga, Guimarães e Douro (Caíde/Marco de Canaveses, Régua);
  • Expansão e qualificação das redes de metropolitano:

    • Lisboa: a rede de Metro deve chegar à zona ocidental a partir de duas linhas existentes e continuar a aumentar a sua cobertura territorial:
      • Extensão da linha amarela Rato-Estrela-Alcântara com interface de transportes com a Linha de Cascais, crucial para descongestionar o interface do Cais do Sodré;
      • Extensão da linha vermelha para Campolide – Amoreiras – C.Ourique – Alvito – Ajuda – Hosp.S.F.Xavier – Algés, construindo em redor da estação terminal um novo interface com a CP/Carris/Privados à entrada da cidade em sistema de park and ride;
      • Extensão da Linha Amarela entre Odivelas-Loures por 4,5km, contrariando o erro do fechamento da chamada Linha Circular;
      • Extensão da Linha Verde entre Telheiras – Av. Nações Unidas – Bairro Padre Cruz – Pontinha, num total de 3 km.
    • Porto: alargamento segundo as linhas previstas no plano de expansão de 2007: nova linha rosa para a zona ocidental do Porto/Matosinhos, expansão para Gondomar e Vila d’Este (esta última em curso).
  • Renovação e ampliação em 20% da frota de autocarros da Carris (Lisboa) e da STCP (Porto) numa legislatura, contrariando a opção pela aquisição de veículos a diesel e gás natural, com a aposta nos veículos elétricos. A opção por autocarros elétricos é vantajosa face ao diesel em cerca de 300 mil euros por unidade. Esta redução de custos pode ultrapassar os 50% com a incorporação dos fundos POSEUR;

  • Construção de novos silos de estacionamento (10 na Grande Lisboa e 7 no Grande Porto) nas zonas de confluência com os transportes suburbanos.

As áreas metropolitanas não são só as grandes cidades

O projeto de desenvolvimento do transporte público deve ultrapassar os grandes centros urbanos. Uma parte importante das deslocações para as cidades de Lisboa e Porto faz-se no âmbito das respetivas áreas metropolitanas.

  • Expansão do Metro Sul do Tejo às fases de desenvolvimento já previstas (Seixal, Barreiro, Moita) e posterior prolongamento a Montijo e Alcochete, num total de 40 km;

  • Três novas linhas semi-circulares na Margem norte para veículos ferroviários ligeiros de superfície, de modo a cobrir ligações transversais a norte da AML:

    • Circular Regional Exterior de Lisboa, ligando à superfície o corredor Algés/Est.CP – Carnaxide – Amadora – Odivelas – Loures – Sacavém – Gare do Oriente, num total de 30 km;
    • Linha de Metro Ligeiro de Superfície no traçado do antigo SATU em Oeiras ligando transversalmente as linhas de Cascais e de Sintra (Oeiras – Tagus Park – Lagoas Park – Cacém), num total de 17km;
    • Ligação das linhas de Cascais a Sintra ao longo do corredor da EN9 e com extensão posterior à Linha do Oeste na estação CP Mira Sintra/Meleças, num total de 25 km.
  • Criação de uma nova linha em modo tram-train na AMP na sub-região do Vale do Sousa ligando Valongo-Paredes-Paços de Ferreira-Lousada-Felgueiras, num total de 36 km;

  • Integração e reabilitação do antigo ramal ferroviário da Trofa.

Transformar a mobilidade em todo o território, sem exclusões

Um terço das deslocações pendulares nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto têm origem/destino fora dessas áreas. Essa realidade não foi abrangida pelo Plano de Apoio à Redução Tarifária (PART), que  continua a não incluir o transporte inter-regional rodoviário e ferroviário com as regiões metropolitanas ou entre Comunidades Inter-Municipais (CIM), preterindo quem se desloca em torno de cidades de média dimensão, do litoral ou do interior. O Bloco de Esquerda foi o único partido que apresentou propostas nesse sentido, rejeitadas pelo PS.

Não só o envelope distribuído às CIM (15% do total do PART) foi diminuto como os critérios de financiamento dos sistemas de transportes públicos não respeitaram a equidade entre territórios e populações.

No Orçamento do Estado para 2022, o Governo incluiu uma diminuição de verba a alocar ao PART, menos 60 milhões face a 2021 (198,5 milhões de euros em 2021 vs 138,6 milhões de euros previstos para 2022). Esta opção contraria o reforço do caminho de descarbonização da economia.


  • Reforço anual das verbas afetas ao PART todos os anos e correção das desigualdades nos critérios de financiamento;

  • Investimento em ligações por ferrovia ligeira em zonas com características metropolitanas:

    • O sistema de Mobilidade do Mondego, ligando os municípios de Lousã, Miranda do Corvo e Coimbra em metropolitano ligeiro de superfície, num total de 40 km;
    • O tram-train do Algarve, ligando Faro a Portimão, via aeroporto, e as diferentes cidades que se localizam junto à orla costeira algarvia, num total de 63km;
    • Estas medidas têm um custo de 650M€ em dez anos.

Um plano ferroviário nacional

O Plano Ferroviário Nacional (PFN) que o Bloco tem vindo a defender assenta num programa de investimentos públicos ao longo de duas décadas para:

  • requalificação integral da Rede Ferroviária Nacional;

  • reforço e extensão da Rede nos territórios deficitários de transporte ferroviário;

  • reequilíbrio da repartição modal entre os vários modos de transporte;

  • correção das assimetrias e reforço da coesão social e territorial.

Para além dos efeitos positivos na redução do esforço financeiro do país no comércio de licenças de emissão de CO2, o PFN contribuirá fortemente para a descarbonização da economia.

No final do período do Plano (até 2040):

  • Toda a rede deve estar eletrificada e gerida com recurso a sistemas automatizados de sinalização, controlo e gestão de tráfego;

  • Todas as capitais regionais ou distritais devem estar ligadas por via ferroviária de modo que permita a multimodalidade no transporte interno e internacional;

  • Devem estar asseguradas ligações funcionais entre os vários sistemas logísticos – portos, aeroportos, plataformas logísticas regionais e fronteiras – por onde circularão os serviços ferroviários;

  • Deve estar garantido aos cidadãos com mobilidade reduzida pleno acesso à rede ferroviária e às composições ferroviárias que nela circulem;

  • O peso da quota ferroviária no transporte terrestre de pessoas e mercadorias deverá ser 40% das toneladas-quilómetros transportadas e 40% dos passageiros-quilómetros transportados.

  • Construção de travessias ferroviárias em vários pontos do território, suprindo ligações em falta, começando pela travessia exclusivamente ferroviária do Tejo. Nesta deverão coexistir múltiplos serviços ferroviários de passageiros, assim como de mercadorias;

  • Reforço do domínio de atuação de uma empresa pública dedicada à ferrovia, recuperando as capacidades e recursos humanos qualificados indispensáveis ao desenvolvimento da indústria ferroviária em Portugal que existiram na ex-REFER, ex-EMEF e na CP, como condição para o planeamento, projeto e execução do Plano Ferroviário Nacional 2040;

  • Plano de Modernização e Renovação do Material Circulante da CP para renovar/modernizar 50% da frota nas próximas duas décadas: 150 novos veículos de tração, requalificação dos restantes e aquisição de novas composições para o serviço Alfa nacional e internacional (2500 M€), com recuperação de capacidade nacional de produção, manutenção e modernização de material ferroviário nas instalações oficinais da CP no Entroncamento, em Guifões/Matosinhos e no Barreiro, bem como nas outras oficinas da CP e instalações da ex-REFER com espaço disponível. O objetivo é a redução da dependência e do endividamento externo, mas também uma estratégia de reindustrialização no setor dos transportes assente na recuperação e aprofundamento de competências e capacidades.

Este programa inscrito no Plano Ferroviário Nacional envolve um investimento global (infraestrutura + material circulante) estimado em 9000 milhões de euros até 2040, cerca de 450 milhões de euros/ano, co-financiáveis por fundos comunitários. O custo orçamental nacional deste plano de investimentos será de cerca de  180 milhões de euros/ano. Como já referido, o acréscimo de custos de exploração pode representar cerca de 100 milhões de euros adicionais/ano. Metade desse valor é recuperável nas tarifas, sendo a outra metade suportada pelo Orçamento do Estado.

Um plano complementar de acessibilidade rodoviária

O Plano Rodoviário Nacional (PRN) está quase construído, mas permanece por fazer cerca de 15% do total da rede rodoviária nacional, equivalendo, na maior parte dos casos, à conclusão de alguns itinerários principais e complementares (ex: IP8, IP3, IC35, IC9, etc) à requalificação de estradas principais que constituem ligações internas em falta, ou à solução para estrangulamentos específicos, como o que se verifica na ponte da Chamusca que torna imperativo a construção do troço da A13, assim como a ponte que liga a Chamusca à Golegã.

Apenas a vertente rodoviária de fechamento de alguns troços está inscrita no PRR, na rubrica dos chamados “missing links”. No entanto, tal não corresponde, nem de perto, às necessidades existentes, em especial no interior do país.

É também indispensável aprovar uma nova estratégia de acessibilidade rodoviária e romper com o modelo de saque do erário público e do bolso dos portugueses para financiar as rendas milionárias das parcerias público-privadas. Em 2021, a UTAO registava um aumento dos encargos com PPP, sobretudo rodoviárias, tendo os encargos líquidos aumentado 86 milhões de euros (+13,8%) no 1º semestre de 2020, face ao período homólogo.


  • Antecipação do fim das PPP rodoviárias, começando pela eliminação das portagens para as auto-estradas de acesso às regiões do interior do país ou onde não existam alternativas rodoviárias efetivas (A22, A23, A24, A25);

  • Criação de um novo modelo de financiamento das infraestruturas rodoviárias que permita concluir as concessões rodoviárias em vigor com base numa revisão global dos contratos para níveis aceitáveis.

  • Conclusão da rede rodoviária nacional.

Democratizar a energia para responder às alterações climáticas e à pobreza energética

Portugal é um país marcado pela pobreza energética, fruto em grande parte dos elevados custos finais dos combustíveis e da eletricidade, e pela elevada dependência energética (cerca de 75% nos últimos 5 anos), o que resulta na elevada importação de produtos energéticos a preços especulativos, no aumento dos custos de produção industrial, agrícola e de serviços.

Ao ritmo atual, Portugal falhará as metas do PNEC 2030. Ainda dependemos em cerca de 70-75% dos combustíveis fósseis como fonte de energia primária, uma fatura de quase 3000 milhões de euros anuais.

É, pois, urgente redirecionar o modelo energético nacional rumo à neutralidade carbónica, antecipando de forma socialmente justa as metas do Roteiro 2050, sem comprometer os indicadores de independência energética.

O foco deve ser direcionado para as formas de produção de energia de fontes renováveis comprovadas (solar fotovoltaica, eólica em terra e no mar, ou energia das ondas), bem como a promoção de novas formas de armazenamento e produção de energia, incluindo na geoenergia, a par de mecanismos de captura de emissões de CO2 e da sua reutilização.

A transição energética tem de ser realizada promovendo a requalificação planeada dos trabalhadores.

Mais eletricidade renovável

Para fazer face às novas necessidades de eletricidade geradas pela descarbonização, o Bloco propõe um aumento de 50% da capacidade instalada até 2030, mediante procedimentos que reduzam custos para os consumidores: 6 gigawatts adicionais de produção solar centralizada, 2 gigawatts adicionais de produção solar em autoconsumo, 1 gigawatt adicional de produção eólica. A instalação e operação desta nova capacidade gerará mais de 18 mil empregos diretos. O desenvolvimento da produção solar em centrais deve excluir megacentrais solares com excessivos impactos ambientais e nas economias locais. O Bloco de Esquerda continuará ao lado das populações que se opõem a esse tipo de empreendimento.


  • O fim da produção termoelétrica a carvão, já consumado, deve ser acompanhado de medidas de industrialização nacional na área solar que apoiem a reconversão profissional dos trabalhadores das centrais encerradas. Igualmente, nos casos em que seja adequado, deve ser garantido acesso à reforma antecipada;

  • Reforço da produção eólica. Considerando a já elevada penetração desta componente no território, os leilões para nova capacidade devem ser de modesta dimensão. Quanto a futuros projetos de instalação de potência adicional em centrais eólicas já existentes, a sua remuneração deverá ser revista em forte baixa (60% da tarifa resultante do último leilão para novas centrais). No seu conjunto, esta nova potência não deverá ultrapassar 1 GW adicional;

  • Promoção de cooperativas comercializadoras de eletricidade, pela definição de garantias bancárias em função da energia que servem, impedindo que aquelas constituam uma barreira à entrada destes novos comercializadores;

  • Moratória à expansão da produção elétrica a partir de biomassa. É contestada internacionalmente a conversão de centrais a carvão em centrais a biomassa – hipótese já admitida pelo governo para reconversão da central do Pego. Longe de assentar principalmente em resíduos florestais, a grande produção a biomassa implica fortes perdas de coberto arbóreo. A potência a biomassa instalada em Portugal é já amplamente excedentária – só em 2016-17 foram licenciadas oito grandes centrais, somando 150 MW. As necessidades geradas por esta produção irão muito além do que a gestão de resíduos pode oferecer, potenciando a expansão de monoculturas arbóreas para fins energéticos (e até projetos hidroelétricos para sustentar a sua rega). Ao valorizar economicamente a madeira queimada, a procura de biomassa pode aumentar o risco de incêndios.

  • Limitação aos biocombustíveis. A incorporação obrigatória de biocombustíveis no gasóleo apresenta diversos efeitos nefastos. Os biocombustíveis são produzidos a partir de alimentos ou de vegetais que disputam terras aráveis para a produção de alimentos ou que são plantados em áreas de floresta tropical dizimada para o efeito. Este tipo de produção pode fazer aumentar o preço dos alimentos, deslocaliza populações e é responsável pela desflorestação. Do ponto de vista das emissões é uma solução menos eficiente.

  • Criação de um sistema efetivo de recolha de óleo alimentar usado nos espaços urbanos e nos postos de venda de combustível e grandes estabelecimentos de restauração. Posteriormente, o sistema de recolha de óleos alimentares deverá ser aplicado para a revalorização alternativa destes óleos;

  • Antecipar a proibição da incorporação de biocombustíveis produzidos a partir de óleo de palma para 1 de janeiro de 2022 (a meta europeia é 2030).

Produção solar descentralizada baseada no autoconsumo partilhado

A produção solar fotovoltaica descentralizada, nas coberturas dos edifícios, espelhos de água ou zonas desaproveitadas, reduz emissões e perdas na rede, aumentando a eficiência do sistema e reduzindo os custos energéticos do Estado. A prazo, permitirá realizar receitas públicas relevantes para os objetivos da transição energética.

  • Plano para produção de energia solar fotovoltaica para autoconsumo com o objetivo de aumentar a capacidade instalada em 2 GW até 2030 (metade dos quais até 2025), sob dois eixos:

    • Lançamento de concursos regionais para a instalação de sistemas fotovoltaicos em edifícios públicos, com o objetivo de atingir uma potência instalada de 500 MW. Este programa representa um investimento de aproximadamente 450M€ e uma redução nos consumos destes edifícios estimada em 80M€/ano (cerca de 25%).
    • Financiamento de sistemas de autoconsumo comunitários, sendo o investimento público amortizado num prazo de até oito anos pela absorção de parte das poupanças realizadas pelos utilizadores. Os utilizadores conseguem assim adoptar estes sistemas e obter imediatamente uma poupança líquida, sem a necessidade do investimento inicial. O objetivo será atingir uma potência instalada de 1500 MW, com um investimento de 1300M€ e taxas de rentabilidade para o Estado superiores a 5%.
    • Criação de gabinetes à escala municipal para facilitação da agregação de cidadãos interessados na formação de sistemas comunitários de autoconsumo.

Programa para a eficiência energética na habitação

Os instrumentos públicos de promoção de eficiência energética no parque habitacional são direcionados, ora à habitação social, ora à classe média e média alta através de mecanismos de comparticipação de investimentos ou incentivos fiscais. Os mecanismos de comparticipação requerem capacidade financeira para investimentos que as famílias com rendimentos abaixo dos 2000€ mensais não têm capacidade de fazer. Por outro lado, uma parte significativa destas famílias vive em regime de arrendamento, ficando dependente da disponibilidade do senhorio para fazer as obras.

A execução do Plano Nacional de Ação para a Eficiência Energética (PNAEE, 2013) é medíocre (60% em 2016 e 40% para 2020). Na agricultura, essa execução é de 0% e no Estado é de entre 10% e 20%. A recuperação do atraso no edificado público deverá ser acompanhada de um aumento da eficiência energética residencial, com redução de emissões, poupanças substanciais e melhores condições de habitação.

Uma boa medida

Em 2017, o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana anunciou a intervenção em 1600 fogos de 17 bairros sociais, incluindo “remodelação e isolamento das coberturas, revestimento das fachadas com materiais eficientes em termos energéticos, substituição de todas as janelas e respetivas caixilharias e reparação e beneficiação das áreas comuns dos edifícios, nomeadamente escadas e redes comuns de água e eletricidade”, num investimento total de 16,3 milhões de euros, 10 mil euros/fogo.

  • Um programa com vista a massificação da eficiência e conforto térmico no parque habitacional no valor de 150M€/ano. Este programa pretende abranger as famílias em risco de pobreza energética, isto é, que combinam uma fatura energética elevada com um rendimento mensal líquido abaixo dos 2000€/mês. As características deste programa são:

    • Os investimentos são pagos e contratados diretamente pelo Estado;
    • Os investimentos são sugeridos e avaliados pelo programa;
    • O programa define uma rede de pequenas e médias empresas instaladoras por todo o território nacional, observando condições laborais;
    • O programa terá um plano de formação contínua na área da eficiência energética tanto para avaliadores como para empresas construtoras;
  • O programa deve responder a famílias com casa própria: financiamento a 100% de intervenções com vista a melhorar o conforto térmico da habitação (Janelas A+, isolamento, sistemas de aquecimento/arrefecimento eficientes);

  • a famílias arrendatárias: financiamento a intervenções de senhorios em fogos com inquilinos em situação de pobreza energética. Neste regime, a percentagem de financiamento dependerá da duração do contrato;

Descer a fatura, eliminar rendas excessivas e erradicar a pobreza energética

A atribuição automática da tarifa social aos agregados elegíveis, fruto da intervenção do Bloco de Esquerda, permitiu que, de 100 mil agregados, se passasse a abranger 800 mil. Foi um passo importante, mas não suficiente. Portugal ainda é um dos países com maior taxa de mortalidade no inverno e 40% da população em risco de pobreza vive sem condições adequadas de conforto térmico. A pobreza energética convive com uma economia de privilégio no setor e com uma tributação injusta em IVA, uma herança da troika que o PS insiste em conservar.

Cortar os “lucros caídos do céu”

Portugal deve acompanhar a recente legislação espanhola com vista à recuperação dos ganhos excessivos resultantes de um modelo de mercado que reflete custos de carbono na remuneração de centrais não emissoras. Em particular, são beneficiadas as barragens já existentes à data de entrada em vigor do mercado de direitos de emissão, em 2005, e cujos investimentos não consideraram estes ganhos fruto de regulação posterior.

Novo modelo de mercado elétrico

Desenhado há duas décadas para rentabilizar o oligopólio saído da privatização do setor elétrico, quando predominava a produção a partir de fontes fósseis, o atual modelo europeu de mercado elétrico é conservado por Bruxelas, apesar dos efeitos catastróficos do seu desenho marginalista e dos apelos de vários Estados à sua modificação. Neste desenho, o preço pago pela eletricidade no mercado grossista não reflete os custos ambientais e de produção de cada megawatt-hora (seja este caro e poluente (como produzido a gás), seja tendencialmente mais barato e sustentável (como o produzido em barragens). Por esse motivo, na atual situação de alta dos preços do gás e do carbono emitido, a eletricidade de origem hídrica é paga em excesso. Este modelo é perverso e insustentável.

Formas de remuneração alternativas têm sido estudadas por organizações de consumidores e ambientalistas. O Bloco de Esquerda destaca o conceito de mercado grossista dual, que traduz uma divisão do mercado grossista em dois mercados complementares: o mercado elétrico renovável, assente em contratos de longo prazo, e o mercado de entrega flexível, que resolve desvios de produção no curto e curtíssimo prazo.

O mercado elétrico renovável oferece segurança aos investimentos, devendo fornecer um mix adequado de geração (centralizada e descentralizada) e de tecnologias (despacháveis e intermitentes). O mercado de entrega flexível é projetado para prover a necessidades momentâneas da segurança do fornecimento de energia a partir da produção a gás ou de fontes renováveis despacháveis (biomassa ou hídrica, por exemplo), mas também de serviços de sistema, armazenamento de energia, gestão de procura, veículos elétricos ligados à rede ou tecnologias de conversão de energia renováveis em combustíveis. Os atuais mercados de curto prazo, com preços variáveis, devem também ser modificados para permitir a participação de recursos de gestão de procura e armazenamento. Esta nova organização do mercado deve repercutir-se no cálculo das tarifas para os clientes finais, assegurando preços mais baixos e justos.

Eliminar as rendas excessivas

O Bloco de Esquerda continuará a defender a concretização de todas as medidas recomendadas pela Comissão de Inquérito às rendas excessivas pagas aos produtores de eletricidade. A aprovação desse pacote legislativo permite: 

  • Recuperação dos ganhos indevidos da EDP com CMEC (510 M€ identificados pela ERSE); 

  • Recuperação dos ganhos indevidos da EDP com a titularização de dívida tarifária: estes ganhos, passados e futuros, devem ser partilhados com os consumidores (100 M€);
  • Recuperação dos ganhos indevidos da EDP com a utilização da central de Sines entre 2017 e o seu encerramento em 2021 (cerca de 400M€);
  • Reposição do regime de remuneração dos produtores eólicos anterior a 2013 (perdas para os consumidores até 1000 M€ entre 2021 e 2032)

 

Descida do IVA da eletricidade e do gás para 6%

A redução da taxa de IVA sobre a eletricidade introduzida no final de 2020 pelo governo do PS ficou longe de reverter integralmente o aumento introduzido sob o memorando da troika. A energia é um bem de primeira necessidade. O Bloco de Esquerda defende a reposição da taxa de 6% que vigorou até 2011.

 

Consumo mínimo garantido nos três meses de inverno

O fornecimento gratuito de 5 KWh/dia às pessoas beneficiárias da tarifa social garante a proteção dos segmentos de população em situação agravada de pobreza, para quem o desconto da tarifa social não elimina a severa restrição do consumo. Esta medida tem um custo orçamental de 30 milhões de euros (incluindo a perda de IVA).

Além desta medida, o Bloco propõe outras medidas para robustecer o regime da tarifa social:

  • Isenção do pagamento da componente fixa da tarifa para famílias com muito baixa potência contratada. Mais de 100 mil famílias abrangidas pela tarifa social têm ligações à rede de 1.15 kVA. Significa isto que parte das suas necessidades energéticas básicas (água quente, aquecimento, cozinha) não são satisfeitas com recurso a eletricidade, não beneficiando, portanto, da tarifa social. Assim, sempre que não se trate de agregados consumidores de gás de botija e/ou biomassa, estaremos perante casos de extrema pobreza energética;

  • Uniformização dos critérios de elegibilidade para acesso à tarifa social do gás natural com a tarifa social de eletricidade;

  • Financiamento pelos comercializadores dos custos da extensão da tarifa social ao gás engarrafado.

 

Criação do comercializador municipal de energia

Em 2020, algumas autarquias iniciaram processos para se constituírem como comercializadoras de energia renovável (CER). Na maioria dos casos, foram as autarquias com mais recursos financeiros e mais meios técnicos e logísticos as que aproveitaram esta nova possibilidade aberta pela legislação

  • Programa de apoio às autarquias para a sua constituição como Comercializador de Energia. Este programa deve contemplar apoios financeiros que priorizem autarquias com menos recursos, mas também providenciar assistência técnica e económica no planeamento e lançamento das CER. Em contrapartida, o programa deve exigir critérios de participação dos cidadãos e de transparência na contratação da entidade gestora do autoconsumo coletivo.

 

Criação do Ministério da Ação Climática

Para responder aos objetivos deste Programa para a Emergência Climática, o Bloco propõe a criação do Ministério da Ação Climática que tutelará:  

  • A supervisão e transformação da economia e dos processos produtivos, articulando as pastas da Agricultura, Florestas, Ambiente, Indústria, Energia, Transportes e Ordenamento do Território no sentido da descarbonização e de adaptação aos vários cenários de alterações climáticas; 

  • A introdução de uma avaliação de impacto climático para todos os projetos industriais e infraestruturais, cujo parecer seja vinculativo;
  • A criação de um sistema de avaliação de emissões de gases com efeito de estufa ao longo do ciclo de vida de todos os produtos importados, de divulgação pública.

 

 

Adaptação da produção e do território às alterações climáticas

A anterior Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (2013) forneceu importante informação acerca de vulnerabilidades nacionais, enquanto as estratégias municipais e intermunicipais desenvolvidas nos últimos anos se tornaram exemplos interessantes de formulação de política pública participativa. 

A atual intensificação de fenómenos climáticos extremos, nomeadamente incêndios florestais, ondas de calor, secas, cheias, tempestades marítimas e terrestres, implica modificações importantes a nível de ordenamento do território, estruturas de defesa de linhas de costa, recargas com sedimentos para combate à erosão costeira e deslocação de populações habitantes em zonas vulneráveis. 

Esta urgência é mais evidente em áreas litorais de baixa cota, mais vulneráveis, para as quais são necessárias soluções adequadas que assegurem a estabilidade e os direitos das populações. O projeto snmportugal.pt estima em 60 mil o número de edifícios e em 146 mil pessoas vulneráveis à subida do nível médio do mar só até 2050. 

Na maior parte dos casos, impõem-se complexos processos sociais de deslocação de comunidades, que devem ser profundamente participados e mediados em conjunto com as populações, devendo citar-se o caso das demolições nas ilhas barreira do Algarve como exemplo do que não deve ser feito: falta de transparência, falta de diálogo e repressão social. 

Proteger a biodiversidade e a natureza

Portugal é na União Europeia o país com as áreas protegidas mais degradadas e é o quarto país com mais espécies ameaçadas. A esta realidade não são alheias as atividades económicas e agrícolas intensivas em áreas protegidas e a falta de investimento e de recursos humanos na proteção e gestão destas áreas. A proteção destas áreas garante sumidouros de carbono e a preservação da biodiversidade.

A solução do governo foi a delegação de competências nas autarquias num modelo de cogestão sem transferência de verbas. E, neste âmbito, as competências das autarquias estão reduzidas a aumentar a visitação, criar oferta turística e novos produtos. Não têm qualquer avaliação por critérios ambientais. É claro o propósito de desresponsabilizar o Estado central e de que as autarquias façam uma gestão dirigida a obter verbas, mesmo em situações contrárias ao objetivo de proteção da natureza.

O país comprometeu-se, ao abrigo da estratégia europeia para a biodiversidade 2030, a classificar como áreas protegidas 30% da sua área terrestre e marinha. Particularmente na vertente marinha, existe ainda uma grande distância para essa meta.

  • Revogar o modelo de cogestão das áreas protegidas;

  • Aumentar a área e o número de áreas protegidas terrestres e marinhas;

  • Rever, regulamentar ou interditar atividades económicas e agrícolas intensivas em áreas protegidas

  • Proibição de nova mineração em áreas protegidas;

  • Aumentar o financiamento e os recursos humanos dedicados às áreas protegidas;

  • Garantia de um orçamento próprio uma direção executiva e uma equipa técnica própria para cada área protegida;

  • Avaliação da gestão de áreas protegidas através de entidades independentes do planeamento e da gestão;

  • Aquisição pública de terrenos de áreas protegidas quando se destinam exclusivamente ao cumprimento dos objetivos de proteção;

  • Criação do “Estatuto da ativista ambiental”, com vista à sua proteção por mecanismos legais, nomeadamente de apoio judicial.

Reconversão industrial para redução de emissões

Os setores industriais com mais elevadas emissões – energia, celulose e cimentos – deverão passar a ser avaliados com frequência mensal, devendo, durante a próxima legislatura, reduzir para metade o conjunto das suas emissões – por eletrificação, aumento de eficiência ou outras opções técnicas. A fiscalização será feita com recurso a um corpo de especialistas e à inspeção pública. 

  • Criação da Inspeção-Geral das Emissões Industriais, responsável pela análise regular das principais unidades do país. Alcançado o objetivo de corte de emissões, a inspeção será integrada no IGAMAOT;

  • Reconversão da indústria cimenteira com integração de produtos mais ecológicos e sustentáveis, nomeadamente através da incorporação de resíduos de construção e demolição, reduzindo as emissões e a necessidade extrativa.

Transformar a agricultura e a floresta

Dado o estado atual da agricultura portuguesa, os seus constrangimentos socioeconómicos e, em especial, a urgência da sua transformação em resposta às alterações climáticas, o Bloco de Esquerda propõe um programa de transição ecológica agroflorestal. Pretende-se com este programa garantir a transição do atual modelo dominante, centrado na monocultura e no elevado consumo de água e fatores de produção poluentes, para novas agriculturas de menor incorporação desses fatores e mais abertas ao conhecimento técnico-científico, centradas em processos ecológicos, com maior proteção ambiental, mais segurança alimentar e melhor qualidade de vida para quem nelas trabalha. Os 10 mil milhões de euros em apoios públicos da Política Agrícola Comum, disponíveis até 2027, devem ser imediatamente colocados ao serviço desta transformação e de forma aberta a todos os agricultores, em vez de financiarem rendas históricas de grandes latifundiários do sul e modelos danosos para o ambiente que contrariam o interesse público.

 

Responder aos incêndios florestais

Os incêndios rurais são a face mais visível das alterações climáticas em Portugal. O ano trágico de 2017, com muitas vítimas humanas e animais a lamentar e centenas de milhares de hectares ardidos, não fez soar os alarmes certos. A maioria das propostas das Comissões Técnicas e do Observatório Técnico Independente ficaram por aplicar.

Os problemas de despovoamento, desertificação e aumento da área de eucaliptal mantêm-se, sendo agravados pela crise climática. Acresce que o Estado português detém apenas 3% da propriedade florestal, valor que compara mal com 58% de média da Europa, pelo que prescinde de instrumentos e de capacidade para intervenção no território florestal.

A experiência prática, o conhecimento técnico-científico, a tecnologia e os serviços de apoio à produção agroflorestal estão vocacionados para sistemas intensivos e de monocultura. É necessário criar condições de base para um processo de transição para preparar os sistemas agroflorestais para as alterações climáticas, fixação das populações e criação de emprego qualificado.

 

 

Responder aos incêndios florestais:

  • Conclusão do Cadastro da Propriedade Rústica;

  • Elaboração de diagnósticos participativos regionais para apoiar o delineamento e a gestão de medidas de apoio financiadas pela PAC e respetivo programa de transição ecológica agroflorestal, em função das distintas necessidades do território;

  • Fim dos apoios públicos a explorações agroflorestais e pecuárias cuja atividade contraria o interesse público ou que pela sua dimensão económica, não dependem desses apoios;

  • Redução da área de eucalipto no âmbito de um plano de reflorestação nacional, que recupere áreas ardidas e combata as plantas invasoras com espécies autóctones, para melhor adaptação às alterações climáticas e regulação do ciclo da água;

  • Capacitação dos pequenos proprietários florestais e das entidades gestoras de baldios para a diversificação e gestão coletiva da floresta em cenários de alterações climáticas, nomeadamente através do apoio às unidades de gestão florestal;

  • Reabilitação dos serviços públicos florestais e das matas nacionais e perímetros florestais, com expansão da floresta pública em áreas estratégicas para responder a desafios concretos das alterações climáticas;

  • Valorização da plantação de espécies autóctones e respetivos processos de transformação na proximidade, como forma de combater o despovoamento e garantir mais valor e sustentabilidade à produção florestal;

  • Reforço dos meios humanos e tecnológicos do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, das Direções de Regionais de Agricultura e Pescas e do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas;

  • Programa nacional de melhoramento de árvores e plantas adaptadas às alterações climáticas, direcionado para sistemas agroflorestais regionais;

  • Campos de ensaio públicos para a transição ecológica agroflorestal em todas as regiões agrárias e viveiros para preservação de espécies e variedades tradicionais e autóctones;

  • Criação de um Serviço Nacional de Apoio à Gestão de Ecossistemas com representação em todas as regiões agrárias;

  • Constituição de entidades independentes e qualificadas para aconselhamento ao Governo e à Assembleia da República, no acompanhamento, avaliação e análise de resultados da política pública agroflorestal, de desenvolvimento rural e de prevenção e combate a incêndios;

  • Revisão e harmonização dos instrumentos de planeamento agroflorestal em função dos cenários de alterações climáticas previstos e das especificidades de cada região;

  • Reforço de meios, remunerações justas, qualificações adequadas, carreiras e condições de trabalho em segurança para todos os agentes do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais.

 

Limitar a produção intensiva e superintensiva e reduzir os seus impactos:

  • Estabelecimento de áreas e infraestruturas-tampão que garantam a proteção entre as áreas de cultivo e os elementos a proteger (linhas de água, vias públicas, habitações);

  • Adoção de planos regionais de ordenamento e instalação estabelecendo áreas máximas para cada tipologia de cultura agrícola, promovendo uma paisagem agroalimentar heterogénea;

  • Regadios públicos: ajustamento do preço da água de rega aos custos reais nos regadios públicos;

  • Melhoria da monitorização da qualidade das águas subterrâneas nos principais aquíferos do país;

  • Criação de redes locais de infraestruturas ecológicas de qualidade, com estrutura e gestão adequadas para reduzir o consumo de pesticidas;

  • Promoção dos princípios da produção integrada garantindo a gestão racional dos recursos naturais, privilegiando a utilização dos mecanismos de regulação natural em substituição de fatores de produção;

  • Proibição da aplicação de produtos fitofarmacêuticos por via aérea e proibição da pulverização por jato transportado (turbinas) a menos de 250 metros de habitações, captações de água para consumo humano, culturas biológicas, linhas de água navegáveis ou flutuáveis, lagoas e áreas protegidas;

  • Proibição de colheitas mecanizadas noturnas;

  • Criação do licenciamento para áreas de produção intensivas com avaliação de impacto ambiental obrigatória a partir de determinada dimensão e acompanhamento técnico do respetivo plano de gestão ecológica e de rotações culturais;

  • Avaliação de risco obrigatória e certificação de coleta e/ou tratamento de resíduos poluentes de todas as unidades de produção animal e agroflorestais em que o risco o justifique;

  • Proibição da implantação de culturas sem solo, hidropónicas ou em substrato, em solos com elevado potencial agrícola, bem como de estufas para produção agrícola em áreas de Reserva Ecológica Nacional.

 

Promover a produção agroflorestal extensiva e multifuncional

  • Criação do Banco Público de Terras exclusivamente dedicado a culturas extensivas e à transição ecológica agroflorestal;

  • Criação de uma taxa sobre a produção florestal de crescimento rápido e a indústria da celulose com aplicação de receitas no financiamento de serviços de ecossistema florestais com espécies autóctones;

  • Criação de apoios públicos financiados pela PAC e destinados a serviços de ecossistema, prestados pela atividade agroflorestal com os objectivos  de prevenção de incêndios, preservação de biodiversidade, melhoria da fertilidade dos solos e proteção de recursos hídricos, com pagamento em função de resultados;

  • Identificação das áreas agrícolas de elevado valor para preservação de biodiversidade com dependência agrícola, limitando o uso do solo a sistemas de produção compatíveis;

  • Promoção da produção animal extensiva de forma complementar a outras atividades agroflorestais e de ordenamento do território, garantindo melhor qualidade de vida animal e menores impactos ambientais;

  • Apoio a instalação de pequenos sistemas de regadio de forma a preservar e expandir modelos agrosilvopastoris extensivos em agricultura de conservação localizados em territórios mais vulneráveis à seca.

 

 Promover políticas de territorialização da produção e do consumo em proximidade

  • Promoção da produção e do consumo de bens alimentares de proximidade e de agriculturas sustentáveis;

  • Rede nacional de hortas urbanas;

  • Melhoria de condições dos mercados e feiras municipais, com áreas sob prioridade à produção local e sustentável;

  • Promoção do acesso e democratização das organizações de produtores que auferem apoios públicos;

  • Criação da obrigatoriedade de indicação dos custos de produção nos contratos de abastecimento de produtos agroalimentares e do compromisso de que o preço de venda lhe é sempre superior;

  • Definição de margens máximas de intermediação dos produtos agroalimentares.

  

Promover o trabalho profissionalizado e com direitos

  • Reforço da atuação da Autoridade para as Condições do Trabalho no setor agroflorestal;

  • Criação de um programa de integração e regularização de trabalhadores e trabalhadoras imigrantes que operam no setor agroflorestal;

  • Inclusão do trabalho familiar e das condições de trabalho assalariado como fatores de ponderação na atribuição de apoios públicos, garantindo maior justiça e equidade social e territorial;

  • Criação de cursos profissionais em agroecologia, reconhecidos pelo Ministério da Agricultura, direcionados a pessoas com competências técnicas, produtoras e trabalhadoras agroflorestais;

  • Regulamentação da atividade das pessoas com formação em engenharia agrónoma e florestal que garantem apoio às diversas explorações agroflorestais e são responsáveis pelos respetivos planos de gestão;

 

 

Defender a água como recurso ecológico, económico e social

No quadro das alterações climáticas, a ocorrência de secas ou cheias tem cada vez menos caráter excecional e passa a ser cada vez mais frequente.

As grandes obras hidráulicas, ao longo do século passado, trouxeram valiosas oportunidades de desenvolvimento económico e de melhoria nas condições de vida das populações. Contudo, o uso múltiplo das albufeiras (abastecimento público, rega, lazer) tem ficado subordinado à produção energética ou à produção agrícola intensiva, com maiores impactos ambientais em sistemas reversíveis (flutuação de caudais, erosão, segurança das populações). Os atuais sistemas de gestão, encorajando o aumento da procura de água, vêm exaurindo os ecossistemas. Com o Plano de Recuperação e Resiliência parece ter voltado a vontade de grandes construções hidráulicas, nomeadamente uma vontade de artificialização sem precedentes do Rio Tejo.

Mau exemplo no rio Tejo

A autorização do governo aos estudos para a expansão em 300 mil hectares da área regada no Ribatejo, Oeste e Setúbal com recurso à construção de mais de uma dezena de barragens no Tejo e afluentes – um investimento de 4500 milhões de euros quando concluído – é um triste exemplo. Basta recordar a poluição deste rio em pleno mês de janeiro de 2018 e o aumento da cunha salina para montante, para termos ideia da enormidade ambiental deste projeto acarinhado pelos grandes agrários e pela CAP.

Acresce que a extinção do Instituto da Água e a integração dos seus serviços na Agência Portuguesa do Ambiente (APA) representou um retrocesso: menos autoridade, competência e meios, administrações de região hidrográfica quase paralisadas.

  • Devolução da autonomia financeira e de gestão às Administrações de Região Hidrográfica, acabando com a centralização na APA. Esta descentralização deve ser acompanhada da reintrodução de uma Autoridade Nacional da Água para assegurar o cumprimento das medidas dos Planos de Gestão de Região Hidrográfica, uma mais eficaz monitorização do estado das massas de água e aplicação das políticas de utilizador-pagador e poluidor-pagador;

  • Mitigação dos efeitos de secas e cheias, diminuindo os riscos de perda de solo e desertificação: Planos de Gestão dos Riscos de Inundações, na sequência da determinação das áreas de maior risco, com renaturalização fluvial e medidas para aumentar a infiltração, em articulação com os planos de ordenamento florestal e defesa contra incêndios; 

  • Promoção de culturas menos exigentes em água e apoio à reflorestação, tendo em conta as metas climáticas e a conservação dos recursos hídricos e da biodiversidade; cumprir a diretiva europeia sobre nitratos diminuindo a contaminação das águas e as emissões de metano e compostos de azoto, criando zonas-tampão e medidas de proteção das zonas vulneráveis (ex: intrusão salina na faixa litoral algarvia);

  • Diminuição da fragmentação dos cursos de água removendo barragens e açudes, mediante um Plano Nacional de Restauração Fluvial que tenha em conta a recuperação da qualidade da água, dos habitats e da biodiversidade, bem como objetivos socioeconómicos e de adaptação aos efeitos das alterações climáticas (combate à erosão costeira potenciada pela retenção de sedimentos nas barragens);

  • Revisão da Convenção de Albufeira para fixação de caudais mínimos diários procedentes de Espanha (e não apenas semanais, trimestrais ou anuais) e integração de parâmetros de qualidade da água. Funcionamento regular e transparente da Comissão para a Aplicação e Desenvolvimento da Convenção de Albufeira, entidade obscura no funcionamento e nos resultados.

  • Criação de um Plano de Gestão da Bacia Hidrográfica do Rio Tejo à escala ibérica, que estabeleça um calendário de cumprimento das medidas necessárias à melhoria e manutenção das massas de água para o estado “bom”, de montante para jusante, cumprindo assim a Diretiva Quadro da Água;

  • Garantia da componente financeira para a execução das medidas previstas no 3º ciclo do Plano de Gestão das Regiões Hidrográficas tendo em conta o cumprimento da DQA/LA.

  • Garantia, às autarquias, de uma linha de financiamento do Estado para resgate, pelos municípios, dos sistemas de água privatizados.

Redução do plástico e eliminação do uso único

A generalização do uso de plásticos em todas as esferas da produção e do consumo promoveu formas de uso único e descartável. Esse recurso a um material produzido a partir de matérias fósseis potenciou emissões de gases com efeito de estufa e a acumulação descontrolada de resíduos muito duradouros. Esse problema atinge o território global, mas também os oceanos, onde há mais de vinte anos flutuam gigantescas ilhas compostas de resíduos plásticos e que não param de crescer. Em Portugal, o plástico está fora de controlo: os resíduos de plástico reciclados triplicam as quantidades introduzidas na cadeia de forma regular. A cadeia não tem registo e a cobrança de taxas não ocorre. As metas de reciclagem ficam por cumprir mantendo-se muito relevante o depósito em aterro.

Faltam as medidas de início de linha e de responsabilização da cadeia de produção e distribuição. A produção deve obedecer a necessidades sociais e à sustentabilidade do planeta, pelo que deve existir a transição do plástico para materiais biodegradáveis e do descartável para o permanente/reutilizável.

A estratégia para enfrentar um modelo insustentável é a prioridade à redução, o pilar mais esquecido dos 3 R. O uso único deve ser absolutamente excecional e dar lugar à reutilização, o que implica ruturas com um modelo insustentável.

  • Redução de embalagens de bebidas. Até 2024, pelo menos metade do produto de bebidas deve ser colocado no mercado em embalagens reutilizáveis, mediante tara recuperável. Cabe aos operadores organizarem um sistema de recolha junto dos comercializadores e encaminhamento para reutilização (tara recuperável). O mesmo sistema deverá receber embalagens (ex: detergente, champô) compostas por materiais reutilizados. As grandes superfícies providenciarão estruturas para a devolução de embalagens pelos consumidores finais. Os operadores devem ainda garantir a recolha das embalagens junto dos locais de restauração que abastecem;

  • Abolição do plástico de uso único. Proibição da dupla embalagem (ex: copos de iogurte ou sacos de cereais embalados sob cartão) e do cruzamento de diferentes materiais recicláveis (ex: sacos de papel + plástico). Uso obrigatório de materiais não descartáveis nos grandes eventos;

  • Promoção da durabilidade dos produtos, em particular eletrónicos, por alargamento dos períodos de garantia seja absoluta, seja, em extensão de período, por comparticipação dos custos de reparação;

  • Rede de bebedouros urbanos com água potável para beber e encher cantis, reduzindo a procura de água engarrafada;

  • Investimento na recolha seletiva de lixo porta a porta, dado ser uma metodologia mais eficaz para a reciclagem que o modelo único de ecopontos;

  • Criação de novos fluxos de resíduos, nomeadamente a generalização da recolha de biorresíduos;

  • Proibição dos microplásticos, banindo em 2022 os cosméticos e produtos de higiene que os contenham;

  • Incentivos à venda a granel em supermercados e mercearias;

  • Proteção do mar com a substituição de flutuadores e bóias de plástico por materiais biodegradáveis, impedindo que embalagens de plástico usadas para este efeito poluam o meio aquático; impedir o descarte marítimo das redes de pesca através da promoção de novos produtos que as valorizem e que devem ser promovidos. Desenvolver alternativas viáveis aos materiais das atuais redes de pesca, e apoiando os pescadores nessa transição.

O problema

No início dos anos 1980, os 10% mais ricos em Portugal detinham 24% de todo o rendimento nacional, enquanto que os  50% mais pobres dividiam 25% do rendimento. Em 2018, os 50% mais pobres continuavam a dividir um quarto de todo o rendimento, mas os 10% mais ricos tinham passado a obter 30% do rendimento. E isto sem contabilizar ainda, por falta de dados, os efeitos da pandemia na distribuição dos rendimentos e na pobreza.  

O sistema de tributação contribuiu decisivamente para aumentar as desigualdades no país ao transferir para o trabalho e para o consumo de bens essenciais o peso da carga fiscal. Enquanto isso, os rendimentos de capital e os altos rendimentos foram protegidos, e até favorecidos, com benefícios fiscais e sucessivas reduções das taxas de tributação.

As sucessivas vagas de privatizações promoveram a concentração de riqueza e retiraram ao país o uso de bens comuns essenciais ao seu desenvolvimento económico e produtivo, como é o caso dos sistemas de energia ou de comunicações. Em vários casos identificados tardiamente pelas autoridades judiciais, evidências de corrupção ou de favorecimento mostraram o perigo das políticas destinadas a promover grupos económicos privados.

Por falta de políticas públicas adequadas, a habitação, em vez de um direito, tornou-se um luxo, com o valor das rendas e da compra de casa a disparar à medida da especulação imobiliária. A energia doméstica é uma das mais caras da Europa, e os combustíveis pesam na carteira de quem não tem alternativas de transporte público.

Por falta de investimentos estruturais, sacrificados em nome de uma abordagem curto-prazista às contas públicas, o país permanece refém de uma economia de baixos salários; excessivamente dependente de algumas atividades económicas, como o turismo ou o imobiliário, e com grandes disparidades no seu território.

A solução

O Programa Eleitoral do Bloco de Esquerda apresenta alternativas realizáveis e prioritárias para transformar o atual modelo económico desigual. Propomos uma verdadeira política pública de habitação, que inclui a oferta pública de habitação, o controle do valor das rendas e a proteção dos moradores face à especulação e os abusos dos grandes fundos financeiros. Defendemos propostas de equidade fiscal, como o englobamento, um novo regime de tributação das mais-valias imobiliárias, e a tributação de atividades especulativas até agora isentas. Apresentamos um plano para recuperar empresas estratégicas e lucrativas, a começar pelos CTT e pela REN, e medidas concretas para combater a corrupção, o crime económico e o abuso fiscal. Identificamos políticas para combater as desigualdades regionais e respeitar as regiões autónomas. Apontamos caminhos para uma gestão responsável das contas públicas, para que a dívida deixe de ser um risco.


Responder à emergência na habitação

O parque habitacional público

O parque habitacional público é constituído por apenas 120 mil alojamentos e representa nuns escassos 2% do total de habitações, quando a média europeia é de 15%. A administração central provê apenas 11 mil destes fogos, menos de metade do que oferece o município de Lisboa (cerca de 25 mil).

Agravada pela política liberalizadora de PSD e CDS, assistimos nos últimos anos a uma aguda crise no setor. Continua o estímulo à aquisição de casa própria – 75% do total – que atira o  arrendamento para níveis muito baixos (19%) quando comparado com outros países europeus. O parque habitacional destinado ao arrendamento encontra-se sob enorme pressão do turismo e da especulação imobiliária. Já a aquisição de casa através do crédito levou a inúmeros incumprimentos, um drama para muitas famílias, para quem as dívidas se mantêm mesmo após a entrega de casa ao banco.

Em 2017 o governo apresentou um documento diretriz intitulado “Nova Geração de Políticas de Habitação”, que visa, entre outros objetivos, “aumentar o peso da habitação com apoio público na globalidade do parque habitacional de 2% para 5%, o que representa um acréscimo de cerca de 170.000 fogos” no prazo de oito anos (até 2026). Com este enquadramento foram desenhados programas públicos que visarim responder a algumas destas necessidades, como o “Primeiro Direito” ou o “Programa de Arrendamento Acessível” e tem vindo a ser anunciada a construção de um parque público de habitação (bastante mais modesto que os valores inicialmente previstos). Estes programas encontram-se atrasados e fragmentados, baseados em levantamentos desfasados e sem financiamento para além do previstos no Plano de Recuperação e Resiliência. 

A aprovação da Lei de Bases da Habitação foi um passo importante, que resultou da negociação entre a esquerda e o PS, mas, passados dois anos, ainda pouco saiu do papel por  manifesta falta de vontade política. Por outro lado, o PS tem-se recusado a aprovar propostas que ainda há poucos anos defendia, como o regresso do prazo mínimo dos contrato de arrendamento a 5 anos (atualmente é de um ano) e a eliminação da lei dos contratos transitórios inferiores a 1 ano, indevidamente utilizados pelos senhorios.

A pandemia deu uma nova centralidade ao direito a uma casa condigna e a preços dignos. Os estudos comprovaram o que já se sabia: a qualidade da habitação foi um dos principais fatores para se evitar o contágio. Por outro lado, enquanto o rendimento do trabalho pôde ser cortado, as rendas e as prestações bancárias mantiveram-se inalteradas, apenas sujeitas a um adiamento cujos efeitos ainda desconhecemos.

No entanto, também aqui as limitações da intervenção do governo do PS foram evidentes. Ao manter inalterado o valor das rendas e das prestações bancárias, ao aprovar um pacote de apoios, através do IHRU, que em inúmeros casos nem sequer deu resposta aos contactos feitos pelas pessoas em desespero, ficou claro que não estávamos todas no mesmo barco. Estas limitações ficaram ainda mais expostas quando o próprio Tribunal de Contas concluiu que dos 63,5 milhões de euros previstos no PEES o governo apenas gastou 10 milhões.

O governo manteve, ainda, as ferramentas que têm agravado a especulação imobiliária e a intervenção financeirizada na habitação como as SIGI, os Vistos Gold ou ainda o Regime de Residentes Não Habituais.

Neste quadro o Bloco foi a garantia da existência de uma lei contra o assédio imobiliário que sai agora do papel e da dedicação de edificado do Estado (nomeadamente da Defesa) em cidades como Lisboa e Porto ou Aveiro para respostas habitacionais.

Concretizar a Lei de Bases da Habitação

  • Proteção contra os despejos, garantindo alternativa habitacional e que todos os processos de despejo são acompanhados de relatório social, havendo suspensão do despejo até estas duas condicionantes serem cumpridas;

  • Consagração da  “dação em cumprimento”, garantindo que a entrega da casa ao banco extingue a dívida associada; 

  • Consagração da impenhorabilidade de casa própria e permanente/morada de família, respondendo às pessoas que têm hoje a sua casa penhorada por dívidas infinitamente inferiores ao valor da casa;

  • Concretizar a função social da propriedade e diferenciar valor de propriedade de valor de uso, regulando o valor das rendas;

Construir um parque público de habitação:

  • Priorização da reabilitação urbana para habitação permanente ou arrendamento por tempo indeterminado, incluindo um programa que envolva a assunção pelo Estado dos custos da reabilitação dos alojamentos quando os proprietários não queiram ou não possam fazê-lo, seguida de colocação no mercado de arrendamento até o valor ser ressarcido;

  • Uso de instrumentos da política de solos – posse administrativa – para conversão de edifícios habitacionais abandonados em habitação pública;

  • Onde necessário, construção pública de novos alojamentos integrados na malha urbana e evitando a reprodução de guetos;

  • Uma Lei do Arrendamento Público que não permita edificado público devoluto e rendas especulativas ou alojamento local em edificado público;

  • Aquisição, a preço de auditoria com interesse público, de edificado público entretanto alienado e que tenha vocação habitacional.

Impedir o abandono do edificado:

  • Criação de estímulos adicionais à colocação dos alojamentos existentes no mercado de arrendamento a preços acessíveis;

  • Adequar a manutenção dos alojamentos em situação devoluta por motivos especulativos.    

  • Limitação do Alojamento Local, com imposição do licenciamento como empreendimento turístico a todos os fogos habitacionais dedicados exclusivamente a esta atividade; imposição de quotas máximas de alojamento local por zona urbana, impedindo novos licenciamentos em zonas sobrecarregadas ou limitando-os à substituição de licenciamentos anteriores.

100 mil novos fogos de habitação pública

Propomos um programa destinado à provisão para arrendamento de 100 mil alojamentos adicionais a preços acessíveis (entre 150 e 500 euros por mês, em função das características e necessidades dos agregados familiares). Este plano de investimento consolidará os programas e iniciativas existentes, privilegiando a solução do arrendamento de longa duração, adotando uma definição consistente do que são “preços acessíveis” e combinando reabilitação pública de alojamentos existentes, construção de novos alojamentos e, se necessário, subsídio ao arrendamento de alojamentos privados.

Ao incidir prioritariamente sobre a reabilitação urbana de prédios degradados do Estado ou de outras entidades públicas (através de protocolos com as Misericórdias ou outras associações) este programa proporciona uma renda baixa que torna possível o regresso de famílias com rendimentos baixos e de jovens aos centros das cidades, onde se concentram as reabilitações de habitação.

Contas certas 

Para estimar o custo deste programa, utilizamos como referência os custos estimados pelo IHRU para a provisão de soluções de realojamento para as 25.762 famílias identificadas no contexto do Levantamento Nacional das Necessidades de Realojamento Habitacional realizado em Fevereiro de 2018.

O universo abrangido pelo levantamento do IHRU (famílias em situação de carência habitacional grave em todo o país) é bastante mais restrito do que aquele que o programa que aqui propomos pretende servir, mas o custo médio por família do respetivo realojamento (cerca de 60 mil euros por família) constitui um valor de referência para o custo estimado de um programa que abranja 100 mil alojamentos e cuja provisão assente numa combinação semelhante de soluções (reabilitação de habitações existentes, construção de novas habitações, aquisição de novas habitações). Por simplificação, consideramos apenas os custos das soluções que não o arrendamento de habitações pelo Estado, os quais representam custos anuais recorrentes. Temos assim um custo total de 1,5 milhões de euros associado à provisão de soluções de alojamento para 25.762-1.075=24.687 famílias, o que representa o mesmo custo médio de cerca de 60 mil euros por alojamento.

Com base nos cálculos indicados acima, o custo estimado do programa que agora propomos é da ordem de 6 mil milhões de euros (100 mil alojamentos × 60.000 euros = 6 mil milhões de euros). Dividido pelos quatro anos da próxima legislatura, o custo de um tal programa terá assim um impacto orçamental estimado de 1500 milhões de euros anuais × 4 anos, aumentando muito significativamente a provisão pública de habitação e mitigando consideravelmente as atuais dinâmicas de exclusão do acesso à habitação. Se a negociação europeia permitir uma comparticipação razoável, este custo direto pode ser substancialmente reduzido. Para além disto, existe a necessidade de revisão dos impostos sobre o património e respetivos benefícios fiscais que têm vindo a promover a especulação ou atividades especulativas e que são tremendamente valorizadas pela transformação de uso dos solos. É disto exemplo o Imposto Municipal sobre Transmissão Onerosa de Imóveis, que tem vindo a crescer em cerca de 20 pontos percentuais nos últimos 5 anos. Estes valores poderão apoiar a política municipal de habitação se não forem isentados, bem como poderão refrear os ímpetos especulativos das transações.

Por outro lado, assumindo uma renda mensal média de 350 euros por alojamento, uma vez em pleno funcionamento o programa gerará receitas próprias estimadas no montante de 350 € x 12 meses x 100 mil alojamentos = 420 milhões de euros por ano.

O custo orçamental líquido poderá ser de cerca de 500 M€ durante cada um dos quatro anos, com uma comparticipação de fundos de coesão ou PRR a metade, havendo um encaixe líquido de 420 M€ a partir de então, uma vez realizada a despesa infraestrutural. Ou seja, o Estado terá recuperado todo o seu investimento a partir do quinto ano do programa (ou um pouco depois, consoante os juros considerados).

O programa incluirá ainda a possibilidade de o Estado se substituir a proprietários que não tenham recursos e cujas casas sejam recuperadas pelo fundo público, sendo depois alugadas até à recuperação do investimento. Desse modo, os proprietários modestos ficarão protegidos da pressão das agências financeiras e imobiliárias para uma venda precipitada e recuperarão a sua propriedade modernizada.

Recuperar e construir 50 mil fogos para habitação com renda condicionada/apoiada

Com escassas exceções, a provisão direta pelo Estado (em geral definida e aplicada ao nível das autarquias) tem-se limitado principalmente ao segmento da habitação social de mais baixo custo e mais baixa qualidade (de construção, arquitetónica e urbanística), levada a cabo no contexto de programas como o Programa Especial de Realojamento lançado em 1993, que levou ao realojamento de cerca de 45 mil famílias. Este Programa nunca chegou a estar concluído e manteve lógicas de gueto com as quais lidamos ainda hoje. Em 2017, quase 26 mil famílias viviam em condições precárias ou indignas. Estes programas devem responder às carências da população mais desprotegida e promover a inclusão urbana, reforçando assim as condições sociais para a escolarização das crianças, para a promoção da segurança de quem neles habita e para a qualidade de vida de toda a comunidade.

Fechar a porta aos fundos imobiliários

Os fundos imobiliários são veículos de aplicações financeiras muito ativos em Portugal nos últimos anos, comprando prédios e adquirindo posições. Todos os efeitos desta atividade são nocivos: aumenta o preço das casas, criando uma procura inflacionada, impede ou dificulta o exercício dos direitos dos inquilinos, cria um stock de prédios desocupados e que só servem como reserva de valor. O Bloco propõe a extinção dos benefícios fiscais criados para estes fundos e a punição fiscal destas propriedades não colocadas no mercado. Tal como sucede em outros países, deve ser imposto um limite à quantidade de fogos detidos por fundos, agências e bancos.

Como a Fidelidade tramou os inquilinos e as inquilinas

Em 2014, o governo Passos Coelho vendeu a Fidelidade à chinesa Fosun, que depois revendeu 271 dos seus prédios ao fundo americano Apollo. Desde essa data, os moradores destes prédios viram-se envolvidos num carrossel de offshores. Os senhorios nominais são uma de quatro empresas portuguesas (Meritpanorama, Fragrantstrategy, Notablefrequency e Neptunecategory) que pertencem a outras empresas sediadas no Luxemburgo, que por sua vez pertencem a outras sediadas nas ilhas Caimão. A cadeia termina num edifício neste paraíso fiscal, a Ugland House, sede de mais de 20 mil empresas, que ganhou notoriedade quando Barack Obama o considerou o maior esquema de evasão fiscal do mundo, e que continua a funcionar.

Estas empresas começaram a enviar cartas de não-renovação dos contratos, sobretudo aos inquilinos não abrangidos pelo regime transitório que protege de despejo pessoas idosas ou com deficiência. Ao mesmo tempo, foram impedidos de exercer direito de preferência para a compra das suas habitações, quando a Fosun as vendeu ao grupo Apollo.

Eliminar a Lei Cristas: uma nova lei do arrendamento

Em 2012, a chamada “Lei Cristas” aumentou exponencialmente os despejos e, acompanhada de legislação e benefícios fiscais de incentivo à especulação imobiliária – liberalização do alojamento local, vistos gold, regime fiscal para residentes não habituais, criou a tempestade perfeita para milhares de famílias. Mas não ficou por aqui. Sem qualquer investimento público, o governo do PSD-CDS agravou as rendas sociais e incentivou a prática de assédio no arrendamento privado, colocou o direito à habitação em causa e incentivou a especulação imobiliária. Em muitas cidades, com especial incidência em Lisboa e no Porto, o preço das casas subiu vertiginosamente tornando-se proibitivo. O governo do PSD e CDS, não só não investiu em habitação pública, como desprotegeu a maioria da população que vive do seu trabalho.

O quarto pilar da política do Bloco para a habitação é por isso a retirada do quadro legal imposto pela Lei Cristas, que facilitou e promoveu os despejos e a insegurança dos inquilinos e das inquilinas. Essa lei deve ser substituída por uma nova lei que promova contratos de longa duração e evite a escalada dos preços. A estabilidade dos contratos de arrendamento traz segurança à vida das pessoas. 

  • Retorno aos 5 anos como prazo mínimo dos contratos de arrendamento;

  • Criação de um mecanismo rápido e eficaz de reconhecimentos dos contratos orais arrendamento;

  • Proteção no despejo às pessoas idosas;

  • Limitação imediata do aumento das rendas na renovação ou celebração de novos contratos de arrendamento e criação de tetos máximo de renda, determinados pelo Conselho Nacional de Habitação, acima dos quais uma renda passa a ser considerada usurária;

  • Reforço do IHRU e criação do Serviço Nacional de Habitação, com orçamento e programação plurianual consequente, para aumentar a provisão de habitação pública.

Medidas fiscais para combater abusos e promover a igualdade

Um sistema fiscal justo e eficaz no combate à fraude e à evasão fiscal é essencial para dotar o Estado dos recursos necessários ao investimento nos serviços públicos e na criação de emprego. Mas é também um poderoso instrumento de política económica e redistributiva que pode inverter o atual processo de concentração de riqueza, aliviando a carga fiscal sobre o trabalho, combatendo o privilégio fiscal das grandes empresas, das atividades especulativas e das grandes fortunas. 

Portugal precisa de uma reforma fiscal que cumpra simultaneamente estes objetivos. As propostas apresentadas pelo Bloco dividem-se em três grupos:

i) justiça e progressividade fiscal, com vista ao desagravamento dos impostos sobre o trabalho e bens essenciais, por contrapartida a formas mais eficazes de taxação das grandes fortunas;

ii) tributação das grandes empresas e atividades especulativas, de forma a reverter o desagravamento fiscal  histórico sobre os rendimentos de capital e penalizar as atividades puramente especulativas, em particular as que afetam o direito habitação;

iii) combate à evasão fiscal e à despesa fiscal injustificada, com a revisão de benefícios e regras fiscais abusivas.

Justiça e progressividade fiscal

Em abril de 2018 a OCDE publicou um estudo sobre tributação de riqueza. O relatório apontava a crescente concentração de riqueza nas últimas décadas, que supera até a desigualdade de distribuição de rendimentos, sublinhando o poder de multiplicação da acumulação de riqueza. Para lidar com estes problemas, a OCDE apontava duas formas para aumentar a justiça fiscal:

1) uma combinação entre impostos sobre sucessões e doações e impostos progressivos sobre rendimentos de capitais; ou

2) um imposto sobre a riqueza global.

Em maio de 2021, num novo relatório, a OCDE destacava o alto grau de concentração de riqueza, bem como a distribuição desigual das transferências de riqueza, o que reforça ainda mais a desigualdade. Segundo este relatório, em média, as heranças e doações relatados pelas famílias mais ricas (os 20% mais ricos) são quase 50 vezes maiores do que os relatados pelas famílias mais pobres (os 20% mais pobres). A OCDE considerava assim que os impostos sobre herança, propriedade e doações podem desempenhar um papel mais importante na abordagem da desigualdade e na melhoria das finanças públicas. 


  • Introdução do englobamento obrigatório dos rendimentos em IRS, acabando com a dualidade em que só os rendimentos do trabalho e pensões são taxados de forma progressiva, ficando os restantes sujeitos a taxas planas que no caso dos rendimentos prediais e de capitais são de 28%. Desta forma, também estes rendimentos passariam a ser tributados progressivamente, de acordo com o nível de rendimentos do sujeito passivo. Esta medida permite desagravar os contribuintes situados nos primeiros três escalões de rendimento e financiar outras opções fiscais mais justas, como a redução das taxas de IVA, nomeadamente sobre a eletricidade;

  • Introdução de dois novos escalões da tabela de IRS de forma a aumentar a progressividade e aliviar a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho;

  • Criação de um imposto sobre doações e heranças, incluindo património mobiliário ou outras formas de ativos líquidos, com valor superior a 1 milhão de euros. A taxa a aplicar deverá ser de 25% para heranças acima de 2 milhões de euros, e de 16% entre 1 e 2 milhões de euros;

  • Criação do imposto de solidariedade sobre as grandes fortunas, que incide sobre o património global dos sujeitos passivos cuja fortuna seja superior a 2000 salários mínimos nacionais. O imposto estrutura-se da seguinte forma:

    • Valor patrimonial entre 2000 e 2500 salários mínimos nacionais, 0,6%;
    • Entre 2500 e 4000 salários mínimos nacionais, 0,8%;
    • Entre 4000 e 8000 salários mínimos nacionais, 1%;
    • Mais de 8000 salários mínimos nacionais, 1,2%.


Tributação das grandes empresas e atividades especulativas

Consolidou-se, ao longo das últimas décadas, um desequilíbrio estrutural nos sistemas de tributação, em benefício do capital e das grandes fortunas e em prejuízo do trabalho e dos consumos básicos. Para além de contribuir diretamente para o agravamento das desigualdades económicas, este enviesamento priva o Estado de recursos essenciais para financiar serviços públicos abrangentes e de qualidade.

Apesar da retórica que justifica manter os mecanismos de planeamento fiscal agressivo, não existe evidência de uma relação inversa entre a tributação sobre os lucros e o investimento e o crescimento económico, pelo contrário.

Justifica-se assim que, sem prejuízo das medidas de carácter internacional para combater a erosão das bases fiscais e a transferência de lucros, se corrijam aspetos do sistema fiscal português que promovem o planeamento fiscal agressivo e agravam a injustiça fiscal. 

O imposto de selo que a EDP não pagou

Em 2019 a EDP anunciou a venda à Engie de seis barragens por um valor de 2200 M€. Perante o negócio, o Parlamento aprovou uma norma no Orçamento do Estado para 2021 que garantia que a verba do respectivo imposto de Selo sobre o valor do trespasse da concessão (110M€) fosse entregue aos municípios afetados pelas barragens. A disposição legal ficou sem efeito, não só porque o negócio foi antecipado para antes da entrada em vigor da lei do Orçamento, mas também porque a EDP nunca liquidou o imposto de selo. 

Para evitar o pagamento, entre outras manobras de planeamento fiscal, a EDP montou uma falsa reestruturação: cindiu as barragens para uma nova empresa dentro do grupo EDP e depois vendeu as participações sociais dessa nova empresa a uma outra, a ser fundida na Engie. A empresa alegará que esta é uma reestruturação fiscalmente neutra, embora seja claro que o objetivo da operação foi apenas a obtenção de vantagem fiscal, o que viola o princípio da neutralidade. 

Embora tivesse em sua posse todos os elementos do negócio, e tendo mesmo sido alertado para o risco de planeamento fiscal agressivo, o Governo autorizou a venda das concessões sem colocar como condição o cumprimento das respetivas obrigações fiscais. Para além do imposto de selo, que será agora disputado pela Autoridade Tributária, persistem dúvidas relativamente ao IRC efetivamente suportado pela EDP sobre as mais-valias da venda. Finalmente, a operação foi ainda isenta de IMT, uma vez que a EDP disputou em tribunal arbitral a anterior decisão da Autoridade Tributária de cobrar IMI e, logo, IMT, sobre as construções afectas às barragens. Esta matéria, em particular, deve ser clarificada do ponto de vista legal. 

  • Criação de um novo escalão da derrama estadual para empresas com lucros entre 20 milhões e 35 milhões com a taxa de 7%. Este novo escalão permite um pequeno aumento do IRC das empresas com maiores lucros, que pode ser canalizado para o financiamento dos serviços públicos e da segurança social;

  • Criação de um imposto sobre a prestação de determinados serviços digitais onde a participação dos utilizadores e das utilizadoras cria valor para as empresas prestadoras do serviço. O imposto aplica-se a: publicidade dirigida a utilizadores e utilizadoras de determinada interface ou plataforma digital (serviço de publicidade online); a disponibilização de interfaces ou plataformas digitais que permitam a quem utiliza localizar outras pessoas e interagir com elas, facilitando entrega de bens ou prestação de serviços subjacentes diretamente a esses utilizadores (serviço de intermediação online); a transmissão, incluindo a venda ou cessação, dos dados recolhidos gerados por atividades realizadas nas interfaces ou plataformas digitais (serviços de transmissão de dados). A taxa de imposto proposta é de 3% e as condições que obrigam ao pagamento do imposto são: que o volume de negócios no ano anterior tenha superado os 750 milhões de euros; que o montante total das suas receitas provenientes de serviços digitais sujeitas ao imposto, uma vez aplicadas as regras para a definição da base tributável e território nacional, supere 1,5 milhões de euros. Calcula-se que a receita assim obtida seja de 60 milhões de euros;

  • Criação de um imposto específico sobre o consumo de bens e serviços de luxo, como são exemplo algumas jóias, automóveis ou barcos, ou utilização de campos de golfe. A introdução deste imposto permite uma maior progressividade fiscal;

  • Novo regime de tributação das mais-valias imobiliárias para aumentar a progressividade e a justiça fiscal;

  • Eliminação da isenção de IMT para fundos imobiliários;

  • Sujeição das barragens a IMI, quando o seu usufruto e titularidade pertençam a uma entidade privada;

  • Enquadramento fiscal das operações com criptomoedas, nomeadamente ao nível das mais-valias em sede de IRS.

Combate à evasão e à despesa fiscal injustificada

A multiplicação de benefícios fiscais contribui para um sistema opaco e injusto. Não apenas porque na maior parte dos casos a lei privilegia rendimentos mais elevados ou de capitais, mas também porque a sua utilização requer conhecimento especializado. Finalmente, nem sempre é assegurada uma justa ponderação entre a despesa fiscal associada a um benefício fiscal e os seus propósitos sociais e/ou económicos. Dois exemplos disto mesmo são o SIFIDE, em IRC, e o regime dos residentes não habituais, em IRS. Em conjunto, estes benefícios foram responsáveis por uma despesa fiscal em 2020 entre 995 e 1217 M€, consoante as fontes. 

Regime dos residentes não habituais

Considerado internacionalmente como um exemplo de competição fiscal agressiva, o regime do residente não habitual isentava as pensões de reforma e outros rendimentos e tributava a 20% os rendimentos provenientes de “atividades de valor acrescentado”. Face às pressões internacionais para acabar com a competição fiscal desleal, em 2020 as pensões passaram a estar sujeitas a uma tributação autónoma de 10% mantendo-se, no entanto, a isenção para quem se tenha tornado residente até 31 de março de 2020. Mesmo depois desta alteração, este regime continua a constituir-se como um fator intolerável de injustiça fiscal em Portugal: a pensão anual de um residente português de 15 mil euros tem uma taxa de tributação efetiva de IRS de cerca de 11,3%, enquanto uma pensão de 48 mil euros de um residente não habitual tem uma taxa de 10%. Para além do custo fiscal, que se prevê que atinja os 850 M€ em 2021, este regime contribui para a pressão sobre os preços da habitação nos centros urbanos.

  • Revisão de todo o sistema de benefícios fiscais, eliminando e adaptando-os ao efeito pretendido, em ponderação com outros instrumentos de política económica e social;

  • Fim do regime do residente não habitual;

  • Eliminação da isenção de IMI aos imóveis detidos por partidos políticos;

  • Eliminação da isenção de IMI aos imóveis detidos por Misericórdias que não estejam afetos à realização dos seus fins estatutários;

  • Eliminação de taxas reduzidas sobre rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário ou sociedades de investimento mobiliário;

  • Revisão os acordos de dupla tributação com países que isentam o rendimento de tributação, e.g., Mónaco, alguns cantões da Suíça, Luxemburgo ou outras zonas fiscalmente privilegiadas para as SPGS, tendo em perspetiva a sua modificação por via negocial, ou se tal não for possível, a denúncia de tais acordos de dupla tributação;

  • Revisão das regras de tributação aplicáveis aos grupos económicos e, em particular, às transferências de rendimentos para jurisdições com regimes fiscais mais favoráveis ao planeamento fiscal com vista à erosão da base tributável;  

  • Criação de taxas desagravadas de imposto sobre os lucros de fundações e associações sem fins lucrativos a partir de 15 mil euros de matéria coletável;

  • Revisão do regime aplicável ao Centro Internacional de Negócios da Madeira, limitando e adaptando a atribuição de benefícios fiscais à efetiva criação de emprego e atividade económica, com a aplicação de novos critérios de verificação e transparência;

  • Eliminação do SIFIDE.

Recuperar o controle de setores lucrativos e estratégicos

A transformação de um modelo económico que alia a financeirização às desigualdades e à destruição ambiental requer o controlo democrático do sistema financeiro. Para isso, a propriedade pública é condição essencial, mas não suficiente. Ao controlo acionista dos bancos devem corresponder uma estratégia económica clara para o desenvolvimento do país e uma gestão profissional, limpa e transparente.

A fragilidade do atual modelo ficou exposta com a crise e a derrocada de todos os grandes negócios alavancados em dívida no pressuposto de uma eterna valorização dos ativos financeiros. Para além da destruição de tecido empresarial das PME, muito dependente da procura interna atacada pela austeridade, os bancos foram obrigados a registar nos seus balanços milhares de milhões de euros de perdas associadas a créditos especulativos. As imparidades foram, em parte, pagas com fundos públicos. Depois de várias transferências a fundo perdido no BPN, BPP e no Banif, o sistema bancário foi financiado pelo Fundo de Resolução que, por sua vez, foi financiado pelo Estado, direta e indiretamente (além do contributo da CGD, as contribuições obrigatórias das outras instituições bancárias são receitas do Estado).

Desde 2008, o Estado colocou-se assim numa situação de financiador de última instância do capital dos bancos, tendo, no entanto, abdicado dos seus direitos de gestão e propriedade. Estas opções desastrosas resultaram também, em larga medida, de pressões europeias, como foi visível na decisão de venda do Novo Banco ao fundo norte-americano Lone Star: o Estado ficou com 25% do capital, e 75% da responsabilidade sobre as perdas futuras e tendo ainda abdicado de participar na administração.


O erro da privatização do Novo Banco

Em 2017, o governo do PS vendeu 75% do Novo Banco ao fundo Lone Star, abdicando de ter uma posição na gestão do banco. No âmbito desse contrato de venda foi criada uma garantia de 3900 milhões de euros, que seria acionada pela combinação de dois mecanismos: as perdas associadas a uma carteira de ativos “tóxicos” e as necessidades de capital do banco. Nos seus atos de gestão corrente, a administração do Novo Banco (ao serviço da Lone Star) interfere em ambas as dimensões, pelo que a venda criou uma situação de conflito de interesses. Ainda que existam alguns mecanismos de verificação, no caso da gestão da carteira de ativos diretamente coberta pela garantia, o mesmo não se verifica para os restantes atos de gestão do banco. Assim, uma vez registadas as perdas associadas aquela carteira (4.367 M€ em termos acumulados em 2020), a injeção no Novo Banco pelo Fundo de Resolução foi determinada pelas necessidades de capital do banco, que podem ser manipuladas pelas mais variadas escolhas de gestão. 

O potencial de abuso criado por este contrato é confirmado pelos litígios entre o Fundo de Resolução e o Novo Banco relativamente a verbas indevidamente imputadas à garantia pública. Aos escândalos da alienação de carteiras de imóveis por valores simbólicos ou da incapacidade de cobrança a grandes devedores, soma-se agora a certeza de que o Estado não garantiu os mecanismos para defender os seus interesses no caso do Novo Banco. Depois de praticamente esgotada a garantia pública, o banco volta agora aos lucros, antecipando-se a sua venda a um outro fundo internacional.

A privatização do Novo Banco foi um erro que o Bloco de Esquerda procurou evitar desde o primeiro momento, ao defender que a utilização de recursos públicos deveria ser acompanhada da propriedade do banco. Essa posição permanece válida e justifica a intervenção para recuperar o controle público do banco, tal como proposto neste programa. 

Não foi apenas no Novo Banco. Os casos recentes do Banif e mesmo da Caixa Geral de Depósitos deixam claro que as instituições europeias têm promovido ativamente um quadro legal que retira soberania aos Estados nacionais com o objetivo de promover a privatização e concentração das instituições bancárias a nível internacional.  

As novas regras europeias de resolução bancária, conjugadas com o regime das ajudas de Estado, transferiram para o BCE e para a Direção de Concorrência da Comissão Europeia as decisões estratégicas sobre a banca nacional: o momento da intervenção, a sua forma (liquidação ou resolução) e o destino privado do banco de transição. Além disso, em Portugal, da aplicação destas regras resultou, não apenas a entrega do sistema bancários aos interesses de curto prazo dos seus acionistas, mas também o controlo de 61% da banca nacional por acionistas estrangeiros, em particular por fundos de investimento, cuja submissão à lei nacional é mais difícil. No caso do setor segurador, depois da venda da Fidelidade e da Tranquilidade, 86% do capital é estrangeiro.  

Esta opção é errada. Por um lado, já ficou claro que a banca é um bem público e um setor estratégico demasiado importante para ser gerido de acordo com os interesses financeiros dos acionistas privados. Uma política industrial orientada para o emprego e para a conversão energética precisa de instrumentos financeiros democraticamente controlados e geridos. Esta conclusão é ainda mais grave se a banca for dominada por fundos de investimento estrangeiros sem ligação ao tecido empresarial português, nem vocação para uma gestão de longo-prazo e muito expostos aos riscos dos mercados internacionais.

A propriedade pública é, assim, uma condição essencial para a transformação do sistema bancário num fator de desenvolvimento da economia e não de acumulação de desequilíbrios macroeconómicos. É por esta razão que o Bloco de Esquerda defende o controlo público do sistema bancário e a sua recuperação como serviço público. Para prevenir formas de instrumentalização da banca pública por interesses particulares, é necessário garantir objetivos estratégicos claros e democraticamente discutidos, padrões de excelência a nível comportamental e prudencial e regras firmes de fiscalização e transparência.

Para além da questão principal do controlo público da banca, o país depara-se também agora com a fatura da crise, agravada por anos de gestão ruinosa dos bancos. De acordo com o Banco de Portugal, no pais e entre 2007 e 2018 foram disponibilizados aos bancos portugueses 23.800 M€ milhões em fundos públicos. Esta soma contabiliza valores entretanto devolvidos, bem como uma parte das dívidas dos bancos ao Estado através do Fundo de Resolução, que entretanto atingiu o valor de 4682 M€, mas exclui outras formas de apoio. Entre elas estão garantias públicas e, em particular, os ativos por impostos diferidos, criados ao abrigo do regime especial de 2014, que constituem verdadeiras ajudas de Estado à banca.

 

As contas do Fundo de Resolução

Para além do financiamento a fundo perdido ao BPN, no valor de 4915 M€, vendido ao BIC por 40 M€, e do BANIF, no valor de 2866 M€, vendido ao Santander por 150 M€, os bancos do sistema devem ainda ao Estado, por via do Fundo de Resolução, 6383 M€ por conta das resoluções do BES e do Banif e da venda do Novo Banco.

 

Independentemente do acordo de pagamentos entre o Fundo de Resolução e o Estado, o Fundo de Resolução é financiado através de:

  1. contribuição periódica criada em 2013, com uma receita de 72 M€ em 2020
  2. contribuição extraordinária sobre o setor bancário, com uma receita de 178 M€ em 2020.

Ambas as contribuições, suportadas pelas instituições financeiras em Portugal, constituem receita do Estado. Em particular, a contribuição extraordinária sobre o setor bancário tem natureza de receita tributária, apesar de ser depois direcionada para o Fundo de Resolução. Por outro lado, uma vez que o Fundo de Resolução integra o perímetro das administrações públicas, as operações de injeção de capital nos bancos pelo Fundo de Resolução entram para o cálculo do défice.

Em suma, o Fundo de Resolução constituiu-se como um mecanismo indireto de intervenção do Estado na banca. As suas necessidades de financiamento são, na realidade, necessidades de financiamento do Estado. Para credibilizar a narrativa de que a banca um dia pagará este empréstimo, a contribuição sobre o setor bancário – que é receita geral do Estado – é desviada para o Fundo de Resolução. Sem esta, o capital em dívida nunca seria pago dentro do prazo estabelecido.


A imaginação criativa para cobrar aos contribuintes a conta dos bancos

Aos gastos associados ao Fundo de Resolução acresce a dimensão dos Ativos por Impostos Diferidos (AID). Os AID são ativos que surgem pelo facto de existirem regras diferentes para a admissão de perdas por imparidade na contabilidade e na fiscalidade, sendo mais estritas nesta última. Em teoria, a diferença entre estes dois registos leva ao pagamento de um IRC superior no ano em que a perda se verifica, constituindo-se um AID que posteriormente poderá ser deduzido no ano da aceitação fiscal do registo da imparidade (ou nos 5 anos seguintes, em caso de prejuízo fiscal). Com a crise financeira, o registo de imparidades disparou levando a um crescimento explosivo do stock de AID, que se tornou uma parte substancial dos ativos e que foi registado como capital dos bancos em Portugal. 

Em 2014, a regulação bancária constatou que, dado o enorme valor de AID existente nalguns bancos e a perspetiva negativa de lucros no médio prazo, não seria viável “escoar” o stock de AID e, por conseguinte, aqueles valores poderiam não ser recuperados pelos bancos. Assim, os AID deixariam de contar para os rácios de capital dos bancos, colocando vários deles em situação de insuficiência de capital. 

Para resolver o problema, o governo PSD/CDS conferiu a estes AID direitos especiais que os aproximam, de facto, de capital garantido pelo Estado. Daí o nome de AID elegíveis.

Os AID elegíveis  podem: a) ser descontados perpetuamente: só deduzem ao apuramento do lucro fiscal se este for positivo, de outra forma transitam para o ano seguinte, por oposição à obrigatoriedade dos AID anteriores de entrar para o apuramento do lucro (ou prejuízo) fiscal no ano em que são reconhecidos fiscalmente; b) ser “reclamados” ao Estado: em caso de prejuízo, a instituição pode pedir ao Estado a devolução de AID, num montante equivalente à relação entre o resultado desse ano e os capitais próprios; c) ser “reclamados” ao Estado num processo de liquidação do banco.

Em 2016 este regime foi revogado mas até então os bancos já tinham registado milhares de milhões de imparidades. Não pagaram IRC porque apresentaram prejuízo, mas mesmo assim guardaram o direito de deduzir essas perdas nos seus impostos futuros – para sempre. Em 2018, mantinham-se no balanço dos bancos cerca de 3800 M€ de AID elegíveis. Em 2020, os seis maiores bancos do sistema reportavam 3000 M€ que serão utilizados para pedir reembolsos ao Estado ou para deduzir a impostos sobre lucros futuros. São, na verdade, ajudas do Estado ao capital destas instituições.

Os bancos que mantiveram prejuízos ao longo destes anos puderam pedir esse dinheiro ao Estado, ficando este com direitos de conversão no seu capital, que pode exercer ou vender depois ao próprio banco. Até 30 de junho de 2020 foram apresentados 19 pedidos de conversão por impostos diferidos em créditos tributários, no montante total de 1.131 M€ por seis bancos: CGD, Novo Banco, Efisa, Haitong Bank, Banif Banco de Investimentos (Bison Banco de Investimentos) e Banif (SA).

 

O Estado como acionista do Novo banco

O Novo Banco recebeu do Estado 253 M€ em injeções de capital por conta de ativos por impostos diferidos referentes ao período entre 2015 e 2017, tendo pedidos pendentes relativos aos anos subsequentes. O Fundo de Resolução, como acionista do Novo Banco, dispõe de três anos para se pronunciar quanto ao direito de adquirir estes direitos de conversão atribuídos ao Estado. Este prazo termina em 2022 (para os direitos com referência aos períodos de 2015 e 2016) e em 2023 (para os direitos com referência a 2017). Caso não o faça, o Estado ficará com uma participação de 5,69% no Novo Banco que, no entanto, apenas diluirá a posição do Fundo de Resolução no banco, mas não a do acionista Lone Star. Esta disposição, altamente lesiva dos interesses do Estado, foi aceite pelo governo no processo de privatização do Novo Banco. Apesar disso, uma vez realizadas as injeções de capital com recursos públicos, o governo deve exercer o seu direito de conversão, tornando-se acionista do banco e titular de uma parte dos lucros garantidos pela limpeza do balanço com recurso a uma garantia, também ela, pública. 



  • Criação de instrumentos de reforço da propriedade e intervenção públicas no sistema bancário, através de:

    • Conversão dos AID elegíveis em capital e conversão das dívidas ao Fundo de Resolução em instrumentos convertíveis em capital, de forma a dotar o Estado de direitos de propriedade e gestão executiva na proporção dos montantes e riscos assumidos com o financiamento do sistema bancário;
    • Revisão das leis de resolução bancária, retomando o Estado poderes soberanos sobre decisões relativas à intervenção de bancos em situação financeira insustentável. Para além das hipóteses de liquidação e resolução, deve ser previsto o controlo público correspondente ao capital financiado pelo Estado, direta ou indiretamente (através do Fundo de Resolução);
    • Elaboração de um programa estratégico, a debater no Parlamento, com as principais linhas orientadoras da atuação da banca pública. Este programa deve ter em conta a prioridade do país, que é a sua reconversão produtiva, de um modelo financeirizado e dependente para o investimento em mobilidade, eficiência energética, e indústria ambientalmente sustentável.
  • Reforço e alargamento da base da contribuição das instituições financeiras.

  • Proteger os clientes da banca

    As sucessivas alterações de taxas, de regras de acesso e de padrões contratuais têm vindo a prejudicar os depositantes e clientes dos bancos. Para o Bloco, é essencial preservar as regras dos serviços mínimos universais, do direito a usar uma conta bancária, a receber informação fidedigna e compreensível. Pela mesma razão, é fundamental proteger os clientes de todos os abusos e, no caso dos lesados do BES e do Banif, garantir que são ressarcidos dos valores a que têm legalmente direito, nomeadamente com a agilização dos processos burocráticos junto das instituições de supervisão e do apoio às situações económicas e sociais mais dramáticas. 

Um programa de desprivatizações para a legislatura

ANA

A ANA constitui um dos ativos estratégicos mais valiosos do país, sendo a entidade responsável por todas as infraestruturas aeroportuárias nacionais. Até 2012 foi uma empresa pública lucrativa que constituía um monopólio natural em regime de exclusividade conferido por lei. No final desse ano, foi comprada pelo grupo francês Vinci a troco de 3080 M€, dos quais 1200 M€ correspondem à concessão dos aeroportos por cinquenta anos e 700 M€ corresponderam a dívida assumida. O valor da compra da ANA foi assim de 1880 milhões, dos quais 700 M€ de passivo e 1180 M€ de ativos, incluindo os dez principais aeroportos do continente e regiões autónomas. Nestes termos, esta venda deve ser classificada como uma operação de delapidação do património público e do Tesouro Nacional, tomada pelo último governo PSD/CDS.

Em apenas oito anos (2013-2020), o valor dos dividendos pagos equivale a 40,2% do valor da aquisição da ANA. Assim, a manter-se o mesmo nível de recuperação do investimento, no final desta década esse valor estará totalmente recuperado. Depois disso, a Vinci apenas terá de pagar uma renda anual de 24 milhões de euros por dez aeroportos, transformando o negócio da ANA no mais lucrativo de todos os negócios do grupo francês.

O erro do aeroporto do Montijo

A direita promoveu o contrato ruinoso da privatização da ANA. Frente à necessidade de construção de um novo aeroporto, o governo do PS apoia a solução da Vinci – aeroporto no Montijo -, a solução mais barata e que não envolve qualquer investimento dos acionistas, pois está desenhada para ser paga apenas com as receitas aeroportuárias do aeroporto de Lisboa. A suposta “solução” tem graves impactos ambientais na fauna e na flora da zona de reserva internacional do Tejo e identificam-se impactes negativos ao nível do ruído em zonas densamente povoadas no Arco Ribeirinho Sul, especialmente as que se situam por baixo do corredor aéreo de aproximação.

A solução Montijo carece de estudo de impacte ambiental, e no final de 2020 o Governo optou por deixar caducar a Declaração de Impacte Ambiental de Alcochete, única opção verdadeiramente estudada no século XXI.  O governo continua a ceder aos interesses da Vinci, como ficou patente no Memorando financeiro assinado no início de 2019 e como ficou patente na insistência numa opção claramente má para o futuro do setor aeroportuário, do ambiente e das populações. 

O Governo lançou já em outubro de 2021 um concurso público internacional para a realização da avaliação ambiental estratégica da futura solução aeroportuária de Lisboa, com previsão de entrega em 2023. É o momento de olhar novamente para a opção Alcochete, cujos dados já nos indicam que seria a opção mais viável, caso venha a ser necessário no contexto de uma política adequada de transportes e transição climática.

O outro risco com a opção de Montijo seria o acesso apenas rodoviário. Como serão feitos quase em exclusivo pela ponte Vasco da Gama, (gerida em regime de PPP pela Lusoponte, cujo acionista principal é a Vinci), o governo oferece assim de mão beijada mais uma vantagem à multinacional francesa, não cuidando sequer de garantir uma acessibilidade ferroviária ao aeroporto, facto único na Europa.

A questão de um novo aeroporto de Lisboa cuja necessidade está inscrita no próprio contrato de concessão da ANA à Vinci configura-se como uma das razões substantivas para corrigir o grave erro estratégico de privatizar a ANA. A nacionalização da ANA é não apenas condição para resolver a questão de um novo aeroporto, como também para responder às insuficiências que diversos aeroportos já apresentam.   

 CTT

Os CTT foram, até 2012, uma empresa pública prestadora do serviço público universal de comunicações em todo o território nacional, com apreciáveis níveis de qualidade e de rentabilidade. Entre, 2005 e 2012, os Correios realizaram mais de 500 milhões de euros de lucro para o Estado, integrando o ranking dos 5 melhores serviços postais da Europa.

Em 2013-14, o governo do PSD/CDS vendeu a empresa a privados por 920 milhões de euros e a partir daí começaram os problemas para o país. Portugal tornou-se o quarto país da União Europeia em que o serviço postal universal é totalmente privado, depois da Holanda, Malta e Reino Unido.

Em cinco anos, o serviço postal piorou radicalmente. Até novembro de 2018, encerraram 69 estações de Correio e, segundo a ANACOM (10/01/2019), “subiu para 33 os concelhos em Portugal que já não têm estações de correios”. Em novembro de 2021 reabrirá a última das estações de correios encerradas em 2018, mas continua a haver um défice de postos de correio, que tantas vezes funcionam a expensas do Estado. 

Com a privatização, o total de reclamações aumentou 122%, originadas por atrasos, extravios, falhas de distribuição e mau atendimento. Tudo violações grosseiras do Contrato de Concessão que já foi prorrogado por ajuste direto, sem existirem garantias de melhoramento do serviço prestado. 

Em paralelo foi-se erguendo um novo banco comercial privado, que funciona em instalações dos correios, com trabalhadores dos correios, com custos de funcionamento pagos pelos CTT, num inaudito processo de vampirização empresarial que governo, Banco de Portugal, Autoridade da Concorrência e ACT toleram.

Entretanto o processo de descapitalização e de assalto aos CTT pelos privados continua. Para garantir a remuneração dos acionistas privados, o anterior  presidente da administração entregou dividendos acima dos resultados líquidos anuais, num total de 338 milhões de euros, conseguidos à custa da venda do património e da descapitalização da empresa. Como recompensa pelos serviços prestados, o anterior presidente da administração, Francisco Lacerda, tinha, em 2017, uma remuneração anual superior a 900 mil euros em salários, mas anunciava ao mesmo tempo a redução de mil efetivos em nome da “sustentabilidade futura da empresa”. Já o seguinte presidente da administração dos CTT, João Bento, não tem tido uma melhor atuação, tendo decidido distribuir dividendos em plena crise pandémica. Foi só depois da pressão das ORT e com o apoio do Bloco de Esquerda que a decisão foi revertida. Além do mais, as pressões sobre os trabalhadores dos CTT continuam, sem aumentos salariais e recurso a trabalho precário, ao mesmo tempo que se continuam a incumprir índices de qualidade. 

A solução da direita é manter tudo como está. Nos programas eleitorais de 2009 e 2011, bem como no Memorando que assinou com a Troika o PS propunha a privatização dos CTT. Em consequência, tem rejeitado várias iniciativas legislativas do Bloco que visaram travar o desmantelamento e a descapitalização dos CTT e recuperar a empresa pelo controlo público. O governo tardou, inexplicavelmente, em tomar decisões sobre a renegociação da concessão do serviço público universal aos CTT a partir de 2021. Por isso, optou por prorrogar o contrato por mais um ano, em regime de ajuste direto, tendo retirado competências da ANACOM no que toca aos indicadores de qualidade do serviço postal universal. Um favor à administração privada dos CTT, que desde 2016, pelo menos, tem falhado praticamente todos estes indicadores. 

  • Nacionalização das ações representativas do capital social dos CTT e a realização de uma auditoria independente que quantifique todas as ações lesivas do serviço e do erário público tomadas pela gestão privada dos CTT, bem como as tomadas pelo XII Governo constitucional (PSD/CDS).

REN

A Redes Energéticas Nacionais, S.A. (REN) é a empresa responsável pela gestão global do Sistema Elétrico Nacional e do Sistema Nacional de Gás Natural e pela gestão das respetivas Redes Nacionais de Transporte. Hoje é uma sociedade anónima de capitais inteiramente privados, cujos principais acionistas são a multinacional chinesa State Grid of China (25%), a Pontegadea (12%) e Lazard Asset Management (7%). O valor da capitalização bolsista ronda atualmente 1670 milhões.   

A relevância estratégica desta empresa define-se pelo facto de deter a exclusividade do transporte em alta das redes de energias no país. A resposta aos desafios da penetração da renovável descentralizada, do planeamento de rede e da segurança de abastecimento estão hoje em mãos da REN, controlada pelo Estado chinês, que assim detém o monopólio do transporte de eletricidade e gás natural. É um erro político e um atentado contra a soberania e segurança energética deixar este monopólio nacional nas mãos de multinacionais, Estados estrangeiros, fundos de investimento e de capital de risco. É desejável que tal risco desapareça e por isso é do interesse estratégico do país assumir o controlo pleno da operação da REN.

  • desprivatização da REN deve iniciar-se pela recuperação dos ativos de planeamento e gestão global do sistema elétrico e de gás natural, os quais devem ser reunidos num operador de sistema independente sob a forma de empresa pública, tal como a legislação europeia admite. O valor deste conjunto de ativos a nacionalizar de imediato rondará os 50 milhões de euros.

Desprivatização da EDP e da GALP, objetivos de soberania económica

Perante a urgência climática, a direita e o PS defendem que as prioridades e o ritmo da transição energética continuem subordinados aos interesses privados da administração e acionistas da EDP e da Galp, grandes beneficiárias do atual modelo energético e de mobilidade. 

A EDP é uma empresa disputada entre os interesses de longo prazo da China (posição estratégica no mercado europeu) e os interesses de curto prazo de acionistas e administrações (aumentar ainda mais os dividendos através da liquidação de ativos em Portugal). 

O Estado chinês já encaixou em dividendos ilíquidos da EDP e da REN o equivalente a 70% do que investiram em 2012. Estes riscos devem conduzir à intervenção do Estado, com vista a impedir o desmantelamento de mais uma grande empresa nacional em nome do aumento dos dividendos a pagar aos e às acionistas. 

A recuperação da EDP e da Galp pelo Estado será definida pelo programa nacional de desprivatizações.

Participação democrática dos trabalhadores nas empresas

A Constituição portuguesa estabelece o direito dos trabalhadores das empresas públicas a elegerem diretamente um representante para integrar os conselhos de administração daquelas empresas. O Bloco propõe:

  • Intervenção do governo para o cumprimento pelas empresas públicas do preceito constitucional em vigor;

  • Alargamento a todas as médias, grandes e muito grandes empresas do direito à eleição direta pelos trabalhadores de um vogal não-executivo para o Conselho de Administração.

Investir na coesão territorial

Durante décadas o país litoralizou-se e dividiu-se (AML e AMP 60% da população) ao mesmo tempo que todo o Sul (Alentejo e Algarve interior) era despovoado.

A dimensão urbana do nosso país é totalmente assimétrica: o intervalo de variação entre concelhos vai de 7700 a 3,7 hab/Kme em que 85% das cidades têm menos de 50 mil habitantes.

O movimento de migração da população do interior e a sua concentração no litoral foi acompanhado por uma concentração de serviços públicos, retirando capacidade às zonas de mais baixa densidade populacional e concentrando também no litoral o emprego público (e qualificado). O interior, envelhecido e desabitado, é também o interior empobrecido e esquecido.

Encerramento de serviços públicos no interior

No século XXI, Portugal viu encerrar mais de 6500 serviços públicos: 4492 escolas, 1168 juntas de freguesia, 411 estações de correio, 249 extensões de saúde, entre muitos outros serviços encerrados entre 2001 e 2014, de acordo com o levantamento feito pela Agência Lusa. Acrescem outros encerramentos em 2014 e 2015: mais de 150 repartições de finanças, tribunais (tendo sido reabertos em parte nesta legislatura) e postos de correios. Os encerramentos concentraram-se no interior e norte do país.

Estes encerramentos sucedem-se a um período de corte de transportes coletivos que serviam o interior e que se iniciou nos anos 90 do século passado com a privatização da Rodoviária Nacional e com o encerramento 30% das linhas férreas do país.

O PS e a direita têm defendido a inevitabilidade do encerramento de serviços públicos no interior face à perda de população. Em vez de utilizarem os serviços públicos como promotores de coesão, aceleram os processos de despovoamento. A promoção da criação de emprego no interior tem-se limitado a propostas de benefícios fiscais que se revelam inconsequentes. Têm promovido ainda formas de exploração e financeirização do território que atacam comunidades locais e meio ambiente (veja-se o exemplo das culturas superintensivas no Alentejo, os novos projetos de exploração mineira ou o contínuo eucaliptal). Finalmente, iniciaram um processo de descentralização de competências para as autarquias e comunidades intermunicipais que, muito embora se diga promover a proximidade das populações à decisão, sem mecanismos de compensação ou legitimação democrática agrava as desigualdades. Delegar responsabilidades que devem ser nacionais e solidárias em municípios sem escala, recursos humanos com densidade técnica e/ou recursos financeiros, é condenar a população do interior a serviços públicos (da saúde à educação) ainda mais frágeis.

O processo de “descentralização para os municípios” iniciado na anterior legislatura, não passou de um processo de municipalização de algumas tarefas do Estado, feito sem os correspondentes meios financeiros e mesmo humanos, sem que daí saiam medidas efetivas de descentralização das políticas públicas.

Não basta falar de “coesão territorial”, é preciso construir essa coesão com a organização administrativa que lhe dê sustentação. A solução não passa por medidas pontuais como a criação de Ministérios ou secretarias de estado que se ocupam do interior do país, é preciso um pensamento estrutural e estruturado.

  • Uma estratégia de valorização do território e das comunidades rurais assente na transformação agrícola e florestal, do plano ferroviário nacional e da garantia de acessibilidades nas situações de isolamento das comunidades e dos aglomerados populacionais;

  • Programa de reabertura gradual de serviços públicos nos territórios de baixa densidade, acompanhado de incentivos à fixação de trabalhadores e trabalhadoras do Estado nesses territórios. O programa deve ser estruturado em colaboração com os municípios e de acordo com a avaliação do seu efeito no povoamento do território;

  • Criação de um modelo de análise espacial em Sistema de Informação Geográfica (SIG) à escala local e regional mas simultaneamente inserido numa visão nacional, que permita determinar a localização mais adequada à criação/construção de qualquer infraestrutura através de uma ajustada combinação de fatores intervenientes, capaz de conjugar todas as ferramentas como forma de potencializar os instrumentos de produção de informação que permitam melhores e mais organizadas tomadas de decisão;

  • Autonomia e responsabilização dos serviços públicos na execução dos seus orçamentos, nomeadamente despesas correntes e preenchimento dos seus quadros de pessoal. Dos tribunais aos museus, passando pelas escolas, transportes e centros de saúde, a necessidade de autorização do Ministério das Finanças para todas as despesas e contratações, incluindo substituição de trabalhadores ou trabalhadoras, provoca estrangulamentos insustentáveis e uma degradação dos serviços, que é particularmente penalizadora nos territórios mais vulneráveis;

  • Garantia de cobertura de rede móvel, internet e TDT em todo o território nacional, com monitorização permanente pela ANACOM em colaboração com as autarquias e imposição de perda de licença para os operadores que não cumpram essa obrigação;

  • Reversão da fusão de freguesias nos casos em que a população o deseje através da aplicação da Lei n.º 39/2021 de 24 de junho, particularmente o Artigo 25.º (Procedimento especial, simplificado e transitório);

  • Cumprimento integral da Lei das Finanças Locais e revisão do montante total das verbas a transferir para os municípios e freguesias (com o reforço do FFF – Fundo de Financiamento das Freguesias);

  • Um processo participado, aberto e democrático com vista à regionalização. Os serviços públicos devem estar adstritos ao nível do Estado mais ajustado ao seu cumprimento e escrutínio e, em muitos casos, essa escala é regional. Assim, é necessário dotar as estruturas intermédias do Estado de legitimidade democrática. Os cidadãos e as cidadãs têm o direito de eleger os órgãos e participar na definição das políticas da sua região. A constituição de regiões serve a promoção de políticas de coesão territorial e o escrutínio popular do investimento público e de políticas económicas com vista a suprir as desigualdades entre territórios. 

Regiões Autónomas: solidariedade e democracia

Os custos da insularidade colocam desafios especiais à coesão social e territorial. Segundo os dados do INE, a população das regiões autónomas é a mais exposta ao risco de pobreza.

As respostas devem obedecer a uma dupla responsabilidade: a solidariedade nacional e o respeito pela autonomia. Mas com demasiada frequência, assiste-se a uma total desresponsabilização com um jogo de passa culpas entre a República e os governos regionais.

Tem faltado a solidariedade orçamental da República para responder às necessidades da condição ultraperiférica das regiões autónomas e falta compromisso para os investimentos estratégicos. O aprofundamento das autonomias está ainda refém de mecanismos institucionais que as menorizam e que lhes retiram capacidade de decisão em matérias fundamentais ao seu desenvolvimento.


  • Garantia de audição das regiões sobre acordos e tratados internacionais e obrigação de parecer vinculativo regional nas matérias que respeitam diretamente à região autónoma; 

  • Substituição da figura do representante da República por um órgão autónomo com os mesmos poderes;

  • Revisão da Lei das Finanças Regionais, retirando os constrangimentos impostos no período da troika, garantindo estabilidade e adaptando-a às atuais necessidades, estabelecendo ainda em sede estatutária condicionantes à revisão da Lei de Finanças Regionais protegendo assim a sua estabilidade de maiorias conjunturais;

  • Apresentação pelo governo da República, no prazo máximo de seis meses após a tomada de posse, do seu programa de investimento nas regiões autónomas;

  • Garantia de controlo, gestão e investimento públicos nos cabos submarinos que ligam as regiões autónomas ao continente;

  • Nova política para o mar, incluindo alteração do regime jurídico e investimento na investigação, como já descrito;

  • celebração de contratos-programa entre a República e as regiões, no quadro dos projetos de interesse comum e que visem, entre outras áreas, reconversão e eficiência energética, tratamento e reutilização de águas residuais, reciclagem de resíduos;

  • Garantia do direito à mobilidade dos residentes nas regiões autónomas, com a concretização do fim do pagamento total e antecipado das tarifas no acesso ao subsídio de mobilidade;

  • Garantia da compensação financeira por parte da República nas ligações aéreas, com obrigações de serviço público entre o continente e a região autónoma dos Açores, e o direito equitativo à mobilidade entre todas as ilhas e o continente;

  • Aplicação de obrigações de serviço público no transporte aéreo de mercadorias e garantia de distribuição atempada de correio;

  • Reforço da RTP nas regiões, garantindo autonomia financeira, financiamento adequado à realidade de cada região e capacidade de produção própria, bem como de preservação e promoção dos arquivos, com orçamentos que respondam às obrigações de programação no contexto dos arquipélagos, incluindo mais delegações, profissionalização dos correspondentes nas ilhas sem delegação, substituição de equipamento obsoleto e vinculação dos e das profissionais em situação precária.

Para a Região Autónoma dos Açores, o Bloco propõe ainda:

  • Fim da presença norte-americana na Base das Lajes, com exigência de indemnização para reparação de danos sociais e ambientais e obrigação de cumprimento da legislação laboral nacional no período de transição;

  • Aprofundamento, sistematização, controlo e divulgação de forma transparente do processo de requalificação ambiental dos terrenos na Ilha Terceira;

  • Garantia de duas tripulações dos helicópteros da Força Aérea estacionados nas Lajes que permitam assegurar evacuações médicas de emergência a todo o tempo;

  • No quadro de uma nova política para o mar, constituição no Faial de um laboratório do Estado com estatuto de Instituto Público Nacional e no quadro dos projetos de interesse comum;

  • Reforço do apoio à Universidade dos Açores, tendo em conta a sua insularidade e tripolaridade e concretizar o acordo já firmado entre esta e o governo da república;

  • Garantia de que a ANA prolonga a pista do aeroporto da Horta com vista à melhoria das condições de operacionalidade;

  • Instalação no imediato do radar meteorológico da Terceira e, no espaço de um ano, dos radares das Flores e de São Miguel;

  • Construção do estabelecimento prisional de Ponta Delgada em local adequado, requalificação do estabelecimento prisional da Horta e reforço dos meios humanos e materiais das forças de segurança;

  • Pagamento da remuneração complementar a todos os trabalhadores da administração pública central, à semelhança dos trabalhadores da administração local e regional;

  • Cumprimento das obrigações de serviço público de transporte de carga aérea previstas na lei e sem aplicação desde 2015;

  • Cumprimento das obrigações do Estado ao nível das condições físicas dos serviços do estado na região, nomeadamente daqueles com maior défice ao nível das instalações e meios humanos como a justiça e forças de segurança;

  • Garantia dos meios necessários com a fiscalização da ZEE;

  • Cumprimento do compromisso do governo da república em financiar em 85% os prejuízos causados pelo Furacão Lorenzo.

Para a Região Autónoma da Madeira, o Bloco propõe ainda:

  • Renegociação da dívida da Região ao Estado, permitindo redução de encargos anuais e dos juros totais;

  • Programa para a melhoria da operacionalidade do Aeroporto da Madeira, incluindo investimento em meios tecnológicos e estudo dos ventos;

  • Reposição da ligação marítima regular de passageiros entre a Região e o continente;

  • Concretização da obrigação de financiamento de 50% do Novo Hospital Central da Madeira;

  • Programa de recuperação dos serviços públicos da responsabilidade da República;

  • Garantia em permanência de helicóptero da Força Aérea para missões de resgate e salvamento e para combate a fogos florestais.

  • Reforço do apoio financeiro à Universidade da Madeira, em virtude da insularidade e ultraperiferia da RAM;<

  • Promoção da gratuitidade dos transportes públicos e reforço dos apoios às energias verdes, para empresas e particulares, com o objectivo de acelerar a transição energética e a descarbonização;

  • Reforço do apoio à construção de habitação social e a preços controlados, atendendo à grave situação habitacional de milhares de famílias da Região;

  • Garantia do cumprimento do princípio da continuidade territorial, através da concretização do subsídio de mobilidade que permita aos madeirenses e porto-santenses pagarem apenas os 86€ para residentes e 65€ para estudantes.

Garantir a sustentabilidade das contas públicas

O Bloco tem como objetivo repor o nível de investimento público de 5% do PIB, ou de cerca de 11 mil milhões, aproximadamente o dobro do previsto, mesmo contando o PRR. Demonstramos nesta secção como a gestão da dívida pública pode ajudar a financiar esse montante, bem como o reforço das políticas públicas na saúde, no contexto de uma política orçamental exigente que responda às necessidades fundamentais.

A dívida externa é excessiva e um risco para o país. Medida pela posição de investimento internacional líquido de Portugal, a sua dependência financeira externa era de -208 mil M€, ou -99,5% do PIB, no segundo trimestre de 2021.

Ao mesmo tempo, o juro da dívida pública pesa excessivamente: mesmo com substanciais reduções das taxas de juro das novas emissões, em função da política do Banco Central Europeu, Portugal ainda gastará, em 2022, 5108 milhões de euros em juros da dívida soberana, cerca de 2,6% do PIB. É necessário reduzir essa vulnerabilidade e essa despesa. No fim do terceiro trimestre de 2021, a dívida pública atingia 131,%, ou 272 mil milhões: se o valor for considerado líquido de depósitos das administrações públicas, esse total será de 249 mil milhões. Trata-se de uma ligeira redução desde 2020 (135% do PIB). Entretanto, o défice orçamental de 2021 poderá ficar abaixo de 4,3% do PIB, previstos pelo governo na proposta de Orçamento do Estado para 2022.

Mesmo que se mantenham os obstáculos institucionais a uma reestruturação de dívida pública negociada a nível europeu, o objetivo da política de gestão da dívida pública deverá ser reduzir a taxa de juro implícita da dívida pública para próximo de 1%, contribuindo para a melhoria das contas externas e da própria sustentabilidade das dívidas externa e pública. Uma vez atingido esse referencial, deve aumentar-se a maturidade de parte do stock da dívida pública, para assim melhorar a sua sustentabilidade.

A margem orçamental libertada através da redução da despesa com juros deve ser utilizada não para gerar saldos orçamentais primários crescentes, mas para o desenvolvimento sustentado do país, nomeadamente na política de transição ambiental, no investimento, na resposta à crise demográfica, nomeadamente na política de habitação, e na redução da dívida externa, aproveitando a possibilidade de emissão de dívida soberana a taxas de juro reais negativas para substituir stock de dívida cara.

Por outro lado, se a redução do peso da dívida pública beneficiará do aumento do crescimento nominal da economia portuguesa, esse objetivo só é possível através de uma política orçamental não restritiva.

A solução do PS e da direita

A solução que nos propõem é limitar a ação do Estado português a ajustamentos ocasionais por via de operações de troca de títulos, ao mesmo tempo que têm vindo a recomendar a aceitação das exigências do FMI e da Comissão Europeia no sentido de alongar o prazo médio de maturidades da dívida pública, para assim dar garantias suplementares aos credores e agências financeiras. A maturidade residual média da dívida pública portuguesa é das maiores da zona euro. Temos, portanto, uma dupla vulnerabilidade ao poder dos credores: uma forte componente de dívida de longo prazo, que foi cara até há pouco tempo e poderá voltar a sê-lo, e um stock de dívida elevado em percentagem do PIB.

As medidas que o Bloco apresenta já foram discutidas durante a vigência do acordo PS-Bloco e houve então um compromisso. Em abril de 2017, o Bloco de Esquerda assinou com o Grupo Parlamentar do PS as recomendações do relatório do Grupo de Trabalho da Dívida Pública. O Bloco manteve a sua palavra e propôs em 2019, na sequência desse relatório, as seguintes políticas, que constituíram um plano que deve continuar a ser a agenda de uma reestruturação da dívida:

  • Medidas de gestão de dívida:

    • Redução da dimensão da almofada financeira das administrações públicas, concentrando fundos no Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP). Utilizar disponibilidades da almofada financeira para reduzir o nível de dívida pública em cerca de 10 p.p. do PIB;
    • Aumento do nível de emissões de Bilhetes do Tesouro para reduzir a maturidade residual média da dívida pública portuguesa para menos de 6 anos;
    • Eliminação do conceito de provisões para riscos gerais do Banco de Portugal, através da alteração do seu plano de contas do Banco de Portugal;
    • Compra permanente no mercado de dívida do próprio Estado a preços mais baixos, manipulando o preço da dívida e assim influenciando a taxa de juro;
    • Manutenção da política adotada entretanto pelo Banco de Portugal no sentido de reduzir as suas provisões e entregar ao acionista (Estado), sob a forma de dividendos, os lucros obtidos com a dívida pública portuguesa e redistribuídos pelo BCE.
  • Regras estruturais para a operação do IGCP:

    • Obrigatoriedade de apresentação de cenários alternativos ou decisões alternativas e apresentação dos cálculos do valor atual líquido das operações de gestão de dívida, recorrendo a taxa de desconto adequadas;
    • Impedimento à realização de emissões de dívida em moeda estrangeira;
    • Obrigação de depósito dos fundos do IGCP no Banco de Portugal ou no Bank of International Settlements;
    • Definição de um plano de contingência para situações de instabilidade e pânico no mercado de dívida pública português. Em situação de crise financeira, deve vender ativos estrangeiros (e.g., títulos de dívida pública de países da zona euro ou dívida dos EUA) e utilizar os fundos para recomprar dívida pública a desconto.
  • Um programa ousado de amortização e troca de títulos de dívida:

    • O Banco de Portugal tem cerca de 3 500 milhões de euros de provisões acumuladas. Parte significativa deste valor, que é excessivo face aos riscos cobertos, deve ser distribuída ao acionista na forma de dividendos e usada para amortizar dívida pública.
  • Reestruturação global da dívida: o Bloco mantém o objetivo de restruturação de dívida, através de uma redução permanente das taxas de juro, da substituição de títulos anteriores por novas emissões com juro inferior ou com maturidades diferentes que sejam afetadas a longo prazo pela inflação, ou de outras formas, nomeadamente:

    • Tal como apresentada pelo Grupo de Trabalho da Dívida Pública: redução da taxa de juro para 1% e um prazo de 60 anos da dívida detida por instituições oficiais, com um efeito de abatimento do valor atualizado do stock da dívida em cerca de 52 mil milhões de euros e uma redução da despesa em juros em cerca de 700 M€/ano. Conjugada com as restantes medidas atrás enunciadas, estas propostas melhorariam a balança de rendimentos em 2 228 M€ em cada ano.
    • Negociação mais ambiciosa, que leve em conta a recente redução nos juros de dívida pública nos mercados internacionais: por exemplo para se alcançar uma redução de 37,5 pontos percentuais do rácio da dívida pública, para 84% do PIB, com uma taxa de juro de referência de 0,5% e um prazo alargado a 90 anos. O nível da dívida externa líquida reduzir-se-ia desse modo para 71,6% do PIB.

A dívida detida pelo BCE

O BCE e o Banco de Portugal são detentores de um stock importante de dívida pública e privada portuguesa, obtida sobretudo no âmbito do programa de compra de ativos durante o período do programa de expansão monetária do BCE (2015-2018). Até setembro de 2021, em termos líquidos, esse stock detido pelo BdP e pelo BCE alcança quase 80 mil milhões de euros de dívida pública portuguesa, i.e., correspondente a aproximadamente 37% do PIB.

Apesar de não ter sido anunciada uma estratégia de longo prazo para a gestão desta dívida, o BCE tem tomado medidas para que o stock seja reposto com novas compras à medida que alguns dos títulos chegam à sua maturidade. Essa deveria ser a regra estável dos procedimentos futuros, mesmo depois do fim do programa compras de títulos, de modo a não reduzir o stock de dívida soberana nos bancos centrais, por via de venda de títulos, mantendo-se a reciclagem do stock. Essa política suscita forte oposição por parte das autoridades da Alemanha e de outros governos que pretendem a reinstauração das regras da austeridade.

A não renovação automática deste stock teria efeitos perigosos nos juros a pagar por novas emissões de dívida pública. Por isso mesmo, o Estado português deve proteger a sua posição e obter um compromisso de longo prazo de compras pelo BCE para, pelo menos, alcançar a substituição de títulos entretanto chegados à maturidade.

A negociação das regras europeias para o défice

Embora um número significativo de decisores europeus defenda um simples regresso às regras orçamentais europeias (que estão em vigor, mas foram suspensas entre 2020 e 2022 devido à pandemia covid-19), continua a discussão sobre se essas regras serão alteradas porque, a aplicarem-se, seriam provavelmente violadas pelo menos pela França, Itália e Espanha.

Das propostas em discussão, destaca-se a sugestão do Mecanismo de Estabilidade e Crescimento, de um limiar máximo da dívida de 100% do PIB e de uma regra de crescimento da despesa pública nominal idêntica à tendência de crescimento nominal da economia. Seria uma adaptação face às atuais regras, que definem seis restrições distintas, três das quais conferem à Comissão Europeia uma grande discricionariedade para fixar objetivos distintos para cada Estado-membro.

Esta alternativa é insuficiente e problemática. Pelo contrário, os Estados devem poder gerir a sua política orçamental de modo a cumprirem os objetivos fundamentais da democracia: responder perante os seus cidadãos no combate ao desemprego, na promoção de investimento que organize a transição climática, a reconversão da indústria e transportes, ou os serviços públicos em saúde e habitação, entre outros.

Em todo o caso, mesmo que face a uma decisão continuada para não reestruturar as dívidas externa e pública de vários estados-membros, se o limiar da dívida vier a ser fixado em 100% do PIB, nunca seria aceitável que a regra da despesa pública pudesse obrigar os estados-membros a medidas recessivas, como por exemplo reduzir a taxa de crescimento da despesa nominal abaixo de +1% por ano, como não será aceitável que estratégia de crescimento nominal da economia seja determinada pela autoridade estatística, que está subordinada ao Eurostat. Os governos portugueses, fossem de direita ou do PS, nunca questionaram estas regras, que têm sido destrutivas para a economia e a sociedade, impondo, em particular, um predomínio dos interesses do capital alemão.

Também é imperativo, por razões de responsabilidade democrática, que termine o regime de pré-avaliação pela Comissão Europeia das propostas de Orçamento do Estado dos Estados-membros antes da respetiva apreciação parlamentar, no âmbito do designado Semestre-Europeu.

Estimular a poupança interna

À medida que se desenvolve este programa económico, assente no aumento dos salários e pensões e do investimento, e com a criação de emprego que implica, será possível aumentar a poupança interna. Para responder a essa procura, o Estado deve lançar uma nova série de Certificados de Aforro e do Tesouro com condições melhores do que os depósitos a prazo e produtos concorrentes, para assim financiar investimentos estratégicos, ao mesmo tempo que vai reduzindo a procura de poupança externa.

A democracia contra a corrupção e o crime económico

O Bloco de Esquerda é certeza de combate eficaz contra a corrupção. As portas giratórias entre o público e o privado devem ser travadas. Cada euro que a corrupção leva das contas públicas é um euro cortado ao Estado Social. É um abuso sobre cada um dos seus cidadãos e cidadãs.

Um partido com contas certas

O Bloco de Esquerda tem apresentado as suas contas anuais e das campanhas eleitorais à Entidade das Contas, do Tribunal Constitucional, como é dever de todos os partidos. Tem sido o partido das contas certas e muitas vezes o único partido com assento parlamentar sem multas em várias contas anuais e eleitorais. Em 2017 (último ano sobre o qual a Entidade já concluiu a apreciação) foi um dos poucos partidos sem irregularidades registadas.

O mesmo aconteceu quanto às contas das eleições autárquicas de Lisboa em 2007, das eleições europeias de 2009, 2014 e 2019, das eleições legislativas de 2009, 2011 e 2019 e quanto a todas as contas anuais dos partidos de 2015 a 2017, os últimos a serem concluídos pela Entidade das Contas. O Bloco foi dos poucos partidos (e várias vezes o único) cujas contas foram aprovadas sem registo de qualquer irregularidade.

Demasiadas vezes o interesse público tem ficado refém de interesses privados. Privatizações de empresas estratégicas, parcerias público-privado, concursos feitos à medida de um determinado privado, os poderes ocultos dos “donos disto tudo” num sistema financeiro sempre salvo com dinheiros públicos, são exemplos que têm saído caros ao país. Apesar de algumas alterações na legislação de combate à corrupção, há muito que ficou por fazer.

O PS e a direita uniram-se contra as mudanças de fundo de que o país precisava, impedindo o alargamento do período de nojo para ex-governantes ou a exclusividade dos deputados e deputadas, rejeitando um regime mais apertado de impedimentos e incompatibilidades, travando exigências de maior transparência e publicidade de património e rendimentos de políticos.

O PS e a direita uniram-se também para impedir a eliminação dos Vistos Gold, proposta pelo Bloco. Assim se mostraram complacentes com a manutenção de uma figura que, para além de alimentar a mais intensa especulação imobiliária, está associada a práticas de corrupção e branqueamento de capitais, o que tem sido repetidamente denunciado por instituições internacionais credíveis. A Comissão Europeia e o Parlamento Europeu recomendaram que esta medida fosse afastada da ordem jurídica dos Estados membros da União Europeia. Para além do mais, os Vistos Gold representam uma política de duplicidade inaceitável em matéria de imigração, estendendo uma passadeira vermelha às pessoas imigrantes ricas enquanto os e as imigrantes pobres são condenadas a um limbo jurídico e a um calvário burocrático de meses ou anos. 

O Bloco de Esquerda considera o combate à corrupção uma prioridade. A corrupção mina as bases da confiança num Estado de Direito. A transparência é a defesa que qualifica e protege a democracia. A exclusividade no mandato dos deputados é a certeza da verdadeira separação entre interesses públicos e privados no poder legislativo.

  • Criminalização do enriquecimento injustificado, com confisco dos bens obtidos por esse meio. A riqueza sem origem clara e acumulada abusivamente deve ser taxada a 100%;

  • Fiscalização do património e dos rendimentos dos titulares de cargos políticos e dos altos cargos do Estado por uma Entidade para a Transparência, com os recursos necessários para a sua tarefa e que tem urgentemente de entrar em funcionamento. Se há património não declarado, é crime. Se há enriquecimento desproporcionado, é comunicado ao Ministério Público para investigação;

  • Reforço significativo dos meios humanos, financeiros e logísticos ao dispor da Entidade de Contas e Financiamento Políticos, para evitar a prescrição dos processos de apreciação das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais;

  • Reforço dos meios e pessoal da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Polícia Judiciária afetos ao combate à evasão fiscal e à criminalidade económico-financeira.

  • Total transparência de quem é eleito e dos altos cargos do Estado, alargando a lista de responsáveis públicos com a obrigação de declarar o seu património, desde membros do Governo, consultores e consultoras ou peritos e peritas do Estado, deputados e deputadas e responsáveis de gabinetes ministeriais. Quem decide no país tem que declarar o seu património. Quem não deve, não teme: essas declarações devem estar acessíveis à população;

  • Alargamento para seis anos do período em que os e as ex-governantes não podem ser contratados por empresas do setor que tutelaram, assegurando um período de nojo que proteja os interesses públicos;

  • Recuperação dos direitos sobre mais-valias urbanísticas criadas por ação do Estado, designadamente pela classificação administrativa de terrenos rurais, com a subsequente autorização para edificar;

  • Reforço dos meios ao dispor da polícia de investigação criminal. O reforço da capacidade da investigação é tão importante quanto a existência das ferramentas legais para barrar o caminho ao capitalismo criminal;

  • Eliminação dos vistos gold da ordem jurídica portuguesa;

  • Criação de uma entidade inspetiva para as autarquias locais para a promoção da transparência e o combate à corrupção.

Tolerância zero aos offshores

Depois de muitos outras revelações mediáticas, como a suscitada pela investigação jornalística aos Panamá Papers, os Pandora Leaks voltaram a revelar como os offshores estão no centro do crime financeiro.  Com base em milhões de documentos associados a 14 empresas especializadas em offshores, a investigação revela como líderes mundiais, celebridades e criminosos utilizam estes serviços para ocultar a origem das as suas fortunas, para fugirem aos impostos, para evitarem perguntas incómodas ou até mesmo escaparem à justiça.

Ainda que estejam associadas a ilhas paradisíacas, metade do mercado offshore é detido por apenas quatro países europeus – Holanda, Suíça, Luxemburgo e Reino Unido – a que se juntam a Irlanda, os EUA (Delaware e Nevada), Hong Kong ou Singapura, e também o Panamá e as conhecidas ilhas Caimão, Jersey, Virgens Britânicas ou Bahamas. Cada um destes países ou regiões cumpre uma função específica, especializando-se em diferentes serviços oferecidos pela rede offshore, que funciona por centros geográficos. Se a Suíça, por exemplo, é exímia na proteção do segredo bancário, o Luxemburgo facilita a criação de veículos financeiros, e a Holanda oferece vantagens fiscais às empresas europeias. Hong Kong serve o capital chinês, e as Bahamas ou o Belize são tipicamente utilizados por criminosos internacionais.

Nenhuma razão é boa para justificar a existência destas jurisdições, que promovem uma corrida para o fundo em impostos e impedem padrões mínimos de decência financeira. Ao invés de promover o investimento ou o emprego, como às vezes é sugerido, os offshores criam uma economia de opacidade e desigualdade. Às grandes empresas e detentores de fortunas individuais é assim concedido o privilégio de escaparem às normas e leis que, por questões de justiça ou de segurança, se aplicam a todas as restantes pessoas. O resultado é a facilitação de atividades ilegais ou abusivas, a descredibilização dos sistema de justiça, o agravamento das desigualdades e a perda de importantes recursos financeiros que financiam os serviços públicos e o desenvolvimento económico.

Os líderes mundiais utilizam offshores

A recente fuga de informação associada com o caso Pandora Papers mostra ainda como a elite política está ligada ao crime económico, contornando as respectivas autoridades fiscais ao mesmo tempo que acumula riqueza em paraísos offshore. O rei da Jordânia deterá 70 milhões de libras em propriedade imobiliária luxuosa no Reino Unido e Estados Unidos, adquiridas através de veículos offshore enquanto aplica um programa autoritário de austeridade no seu país que recebeu 650 milhões de libras em ajuda humanitária nos últimos cinco anos. O primeiro-ministro da Républica Checa, eleito com uma propaganda populista anti-corrupção e crime económico, será dono de propriedades luxuosas na Riviera Francesa no valor de 22 milhões de euros, adquiridas através de offshores. Tony Blair, antigo primeiro-ministro do Reino Unido –  que enquanto concorria à liderança do Partido Trabalhista denunciava o sistema offshore – terá adquirido um edifício em Londres a uma companhia offshore de um ministro do Bahrain por 7,6 milhões de euros, evitando o pagamento dos impostos devidos. Em Portugal, a utilização de offshores surgiu associada a todos os grandes escândalos financeiros: no desvio de fundos do BPN, na operação para valorizar artificialmente as ações do BCP, nos crimes do BES e na fuga à justiça de João Rendeiro.

O preço dos offshores

Segundo o Relatório “Estado Atual da Justiça Fiscal” para o ano de 2021, foi estimada uma perda fiscal em todo o mundo de 427 mil milhões, entre ocultação de ativos e fluxos de renda em paraísos fiscais e a evasão fiscal por parte de empresas multinacionais, que utilizam as redes transnacionais para contornar as legislações nacionais a que estariam sujeitas. No caso português, as perdas anuais foram estimadas em 880M€.

Os países em desenvolvimento perdem entre 70 a 120 mil milhões de euros em receitas fiscais anuais transferidas por multinacionais para offshores. Embora sejam os países mais ricos que perdem mais receita de impostos para offshores – cerca de 245 mil milhões – os países em desenvolvimento sofrem impactos desproporcionais com a evasão fiscal, onde a receita tributária é urgentemente necessária. No contexto atual da grave crise pandémica e reduzido acesso à vacinação da Covid-19 por países em desenvolvimento, o relatório estima que por cada segundo que passa, os mais ricos privam em impostos o equivalente para vacinar completamente um milhar de pessoas. É que ao mesmo tempo que os paraísos fiscais arrecadam um euro em receita, estima-se que os governos por todo o mundo percam mais de seis.

Até agora, as principais medidas de combate à utilização de offshores dizem respeito à sua utilização para efeitos fiscais. A OCDE, que integra os principais centros offshore do mundo, centrou-se em duas grandes medidas que, sendo importantes, estão muito longe de resolver o problema. O CRS –  Common Reporting Standards visa criar mecanismos de troca de informações entre países, mas apresenta falhas importantes na celeridade e qualidade da informação trocada. O BEPS – Base Erosion and Profit Shifting, que visa combater a erosão das bases tributárias das grandes empresas, embora tenha trazido alguma transparência, não foi eficaz no combate ao planeamento fiscal agressivo. Embora importante, a proposta da OCDE para uma taxa mínima de 15% para as multinacionais confirma uma estratégia de mínimos que acabará por ter uma aplicação muito diferente dos objetivos declarados.

As recomendações da ONU

A ONU recomenda a criação de uma taxa tributária mínima global e a realização de uma Convenção da ONU sobre Tributação, estabelecendo uma alternativa às regras tributárias da OCDE – que à data têm promovido os interesses das grandes elites e o crescimento do sistema financeiro sombra.

Ainda que nenhum país possa declarar de forma unilateral o fim dos offshores, Portugal pode adotar um quadro legal de tolerância mínima ao recurso a estas jurisdições.

  • Revisão da lista de offshores para que esta reflita a verdadeira natureza destas jurisdições e possa servir de referência a políticas de combate à corrupção, ao crime económico e ao abuso fiscal;

  • Criminalização do recurso a serviços prestados por entidades situadas em territórios offshore;

  • Exclusão do acesso aos apoios públicos e contratação com o Estado a empresas que sejam direta ou indiretamente participadas, detenham participações diretas ou indiretas ou sejam beneficiárias últimas de entidades offshore;

  • Obrigatoriedade de publicação do organograma completo e detalhado das entidades coletivas que se enquadrem no âmbito de ação da Unidade dos Grandes Contribuintes. Este organograma deve incluir a estrutura acionista, bem como todas as participações detidas, indicando todas relações diretas ou indiretas com entidades offshore;

  • Defesa da criação de um registo internacional dos beneficiários efetivos das sociedades offshore.

O problema

Faltam funcionários públicos em quase todos os serviços que garantem o funcionamento do país e a qualidade da nossa democracia. Durante mais uma década, governos do PSD/CDS, mas também os do PS, impuseram uma regra de não substituição dos trabalhadores que saiam dos quadros do Estado. Simultaneamente, os salários da função pública foram congelados, mantendo-se uma política de baixos salários nos primeiros escalões da tabela, entretanto ultrapassados pelo aumento dos salários mínimos. O resultado desta política deliberada de desinvestimento é a escassez de trabalhadores e trabalhadoras, com a perda de capacidade do Estado para atrair profissionais qualificados e para responder em áreas chave.

A solução

Um Estado justo e eficiente requer a contratação de funcionários públicos que garantam a resposta do Estado em todas as áreas e a valorização dos seus salários e carreiras. Robustecer e ampliar os serviços públicos é a prioridade do Bloco de Esquerda: uma escola com a melhor educação para todas as crianças e jovens, sem exceções ou propinas que são mecanismos de promoção das desigualdades; um serviço nacional de justiça que seja acessível e que garanta a segurança mais básica de toda a população; uma cultura que multiplique a acessibilidade, a criação e a fruição em todas as suas atividades, um investimento sério na ciência e no Ensino Superior. São estas as condições estratégicas para uma sociedade mais justa e uma economia mais sustentável.  


Valorizar os serviços públicos

Há dois défices nos serviços públicos essenciais: a falta de pessoal qualificado e a falta de investimento para melhorar a sua capacidade.

Só para manter os atuais quadros de pessoal, é preciso compensar todos os anos a saída de 20 mil efetivos, que são muitas vezes as pessoas mais experientes e qualificadas na função pública, considerando as restrições que imperaram ao longo do período da troika e mesmo antes dele. No passado, os governos impuseram a regra de uma entrada por duas saídas e, além disso, promoveram a emigração em algumas profissões (enfermagem, por exemplo). A degradação dos serviços foi acelerada.  

Se são precisas mais pessoas na enfermagem, para as técnicas de diagnóstico, para a medicina, para a segurança nas escolas e para a educação pré-primária ou outros níveis, são precisos mais funcionários públicos. Só a demagogia mais básica permite pedir melhores serviços e promover ao mesmo tempo o discurso contra quem trabalha na função pública.

  • Contratação de 20 mil pessoas para a função pública por ano durante a próxima legislatura para compensar quem, entretanto, sai por reforma ou outra razão;

  • Reforço dos serviços essenciais com mais 10 mil contratos por ano.

    Garante-se assim a estabilidade dos quadros de pessoal e acrescentam-se dez mil jovens qualificados para responder às necessidades dos serviços públicos estratégicos, em particular na saúde, educação e reconversão energética. Desses, 18 mil são necessários no Serviço Nacional de Saúde, na enfermagem, técnicas de diagnóstico e terapêutica, especialidades médicas, auxiliares e pessoal administrativo. Salvar o SNS implica pessoal e investimento à altura da sua obrigação.

Valorizar os trabalhadores e trabalhadoras da Administração Pública

Apesar do descongelamento de carreiras e do aumento do salário de entrada na carreira de assistente operacional para 705 euros em 2022, quem trabalha na função pública não recuperou o seu poder de compra. À exceção dos rendimentos mais baixos, que tiveram um aumento de 1% em 2020, a função pública foi aumentada apenas para compensar a inflação dos anos de 2019 e 2021. Mantém-se assim a perda de poder de compra acumulada ao longo de uma década de congelamento. Em 2020, os salários da função pública eram, em regra, 10% inferiores aos de 2010. 

Para além das questões salariais, a valorização dos funcionários públicos exige que se revisite a organização das suas carreiras. Um técnico superior da Administração Pública pode demorar mais de cem anos a chegar ao topo da carreira; um assistente operacional pode ter décadas de serviço e ganhar o mesmo do que um recém contratado; e um assistente técnico já pouca diferença vê na valorização da sua formação. Esta desvalorização das carreiras da Função Pública, agravada pelo desaparecimento de muitas carreiras especiais, é um dos maiores fatores de desmotivação e dificuldade de atração dos melhores profissionais para o serviço público.

A par dessa desvalorização, a falta de trabalhadores e de trabalhadoras em muitos setores da Administração Pública sobrecarrega os e as restantes e pressiona a qualidade dos serviços públicos.

Para cumprir direitos fundamentais como a proteção social, a saúde e a educação são necessários serviços públicos de qualidade com trabalhadores valorizados e qualificados. 

  • Revisão da especialidade e diferenciação funcional das carreiras bem como da tabela remuneratória da Administração Pública para recuperar proporcionalidade e justiça;

  • Aumento salarial anual mínimo ajustado à inflação e aumentos reais no quadro da valorização da Administração e serviços públicos e nas condições enunciadas anteriormente;

  • Revogação do SIADAP e o seu sistema de quotas e promoção da sua substituição por um verdadeiro sistema de avaliação que permita a justa progressão na carreira.

Escola pública, pilar de igualdade

A pandemia revelou um substrato de desigualdade no sistema educativo português. Com a suspensão do ensino presencial, associada  a longos períodos de confinamento, a falta de recursos e de preparação para o ensino remoto de emergência marcaram quase dois anos de perdas de aprendizagens, perturbações sócio emocionais e uma limitação do desenvolvimento das capacidades sociais. 

À falta de computadores, de uma cobertura nacional de internet rápida e de orientações pedagógicas uniformes somaram-se as dificuldades de um corpo docente envelhecido e cansado e de contexto sócio-familiares desfavorecidos. Foram tempos eficazes para mostrar como as condições de origem, a literacia das famílias, a qualidade da habitação, e tantos outros fatores sócio-económicos determinam o sucesso escolar. A pandemia arrasou a tese neoliberal da meritocracia aplicada à educação.   

O Estudo do CNE “Efeitos da pandemia COVID-19 na educação: Desigualdades e medidas de equidade” refere que há “unanimidade nos diversos estudos e documentos consultados, nacionais e internacionais” sobre o “agravamento das desigualdades que, por sua, vez, se tornaram mais visíveis e atingiram mais alunos e famílias”.

Incluindo a recuperação de aprendizagens mas ultrapassando-a, o combate às desigualdades é a principal tarefa da Escola Pública nos próximos anos. O maior risco na prossecução desse objetivo é o desinvestimento em políticas de educação. O recente “Relatório Panorâmico sobre Demografia e Educação” do Tribunal de Contas dá o risco como certo e mostra como a tendência tem sido de redução das despesas que passaram de 4,8% do PIB, em 2000, para 3,9%, em 2020, e estima-se que decresçam para 3,8% em 2030. A UNESCO e a OCDE recomendam que o valor seja de 6%. Em Portugal já chegou aos 4% no início do século XXI e, neste momento, está em valores semelhantes aos da década de oitenta do século XX.

O aumento exponencial do investimento em educação tem de ser acompanhado de mudanças profundas nas políticas públicas de educação. O sistema educativo em Portugal tornou-se numa manta de retalhos, avulsa e incoerente, marcado pela agenda neoliberal e pela escassez de recursos. 

Concluída a reversão de algumas medidas da direita, o governo do PS resistiu às mudanças necessárias, tanto de política educativa como de investimento, como a vinculação extraordinária de mais de 7000 professores e professoras, a diminuição do número de alunos e alunas por turma ou a gratuitidade dos manuais escolares.

Ficaram por tomar, por recusa do PS, medidas tão importantes como a democratização do modelo de gestão, a reversão dos mega-agrupamentos e atribuição de autonomia às escolas, a revisão dos programas e do modelo de avaliação ou a revisão do regime de recrutamento e mobilidade dos docentes. O novo decreto de inclusão veio também evidenciar a necessidade reforçar as escolas com mais pessoal técnico, nomeadamente profissionais da psicologia, terapeutas, mediadores e mediadoras, animadores e animadoras culturais, tutores e tutoras, entre outras pessoas, para trabalharem em conjunto com todas as comunidades e com todos os alunos e alunas, tendo ou não diversidade funcional.

Gestão Democrática das Escolas

A escola tem que adotar modelos de gestão e funcionamento democráticos, revogando a legislação antidemocrática que subsiste no tempo de Maria de Lurdes Rodrigues e Nuno Crato. A revogação da legislação sobre gestão escolar e estatuto do aluno, entre outras, é uma prioridade do Bloco de Esquerda. Defendemos um modelo com maior participação de alunos, professores e funcionários, e onde não sejam esquecidos os encarregados de educação e toda a comunidade em que a escola se insere. 

Mesmo perante as exigências da pandemia, os investimentos foram sendo feitos a conta gotas e dependentes de financiamentos europeus, como os 400 milhões de euros de fundos europeus para recursos digitais. Ainda assim, os computadores, tal como a contratação de assistentes operacionais, chegou tarde e insuficiente. Por outro lado, o anunciado reforço de docentes não chega para as necessidades de uma Escola Pública com escassez crónica de professores, sobretudo em algumas disciplinas.

Pede-se hoje à Escola quase tudo e não se pode exigir menos: que seja espaço de aprendizagem para a cidadania, para a liberdade, para os conhecimentos técnicos e científicos atuais, para a cultura, a arte e o desporto e que garanta condições de igualdade. Não há escola inclusiva sem uma política educativa que trabalhe esse objetivo. 

Uma verdadeira educação inclusiva passa, entre outros aspetos, por uma educação antirracista, uma educação sexual sem preconceitos, uma educação laica, aberta à diversidade cultural e de capacidades, e que promova o sucesso e a participação de todas as crianças e jovens.

Isso será impossível sem a participação de docentes e não docentes na organização da escola, sem um processo de reforma curricular participado por toda a comunidade educativa, sem a valorização de todo pessoal que trabalha na Escola e o respeito pelos e pelas estudantes. Até as tentativas de implementar práticas pedagógicas inovadoras, como o programa de autonomia e flexibilidade curricular e a introdução de aprendizagens essenciais, esbarram na continuidade de programas extensos e obsoletos, metas curriculares inalcançáveis, um modelo de avaliação obcecado por exames e na desarticulação entre os novos modelos desejados e a ausência de alterações significativas na formação de professores.

É necessário ainda abrir o debate sobre a organização por ciclos. Portugal tem o primeiro ciclo mais curto da Europa, decorrente de lógicas anacrónicas e desatualizadas. No primeiro ciclo observamos uma das médias mais altas da Europa de horas passadas em contexto de sala de aula dos alunos. A este debate tem de ser associado o debate sobre a formação contínua específica de docentes deste ciclo de ensino.

A escola que prepara para o futuro não é compatível com modelos pedagógicos antiquados, expositivos, decorrentes do elevado número de alunos por turma e da necessidade de formar e treinar para exames anacrónicos. Há ainda um longo caminho pela frente até a escola pública conseguir eliminar o abandono escolar, baixar as taxas de retenção e assegurar a possibilidade de terminar a escolaridade obrigatória garantindo igualdade de oportunidades e frequência para que a sua conclusão seja uma realidade em toda a sociedade. Se os manuais escolares gratuitos foram um primeiro passo, é necessário, agora, reforçar a ação social escolar e dotar as escolas e todos os alunos e alunas com as melhores condições de aprendizagem possíveis. É imprescindível acabar com os exames em todos os ciclos de ensino e separar a conclusão do secundário do acesso à universidade.


Por fim, não pode haver educação inclusiva que não responda à persistência do analfabetismo e das baixas taxas de escolarização em Portugal. Há ainda 500 mil pessoas analfabetas no país, sobretudo nos meios rurais e entre as mulheres. Do mesmo modo, no quadro da Educação Permanente e do direito à escolaridade, é fundamental assegurar que os adultos que abandonaram a escola precocemente tenham a possibilidade de completar os 12 anos de escolaridade.  


  • Abertura de um processo de reforma curricular e revisão de programas, com a participação de professores e professoras, estudantes, academia e organizações da sociedade civil mais relevantes em cada área, envolvendo o ensino superior para assegurar a necessária reforma na formação de docentes;

  • Revisão da organização dos ciclos e do calendário escolar;

  • Revisão do estatuto do aluno e da aluna para valorizar participação e direitos;

  • Inclusão da desmaterialização dos manuais escolares no processo de transição digital;

  • Gratuitidade de equipamentos informáticos e de acesso a rede de internet;

  • Reforço da ação social escolar e materiais pedagógicos adaptados e diferenciados para alunos e alunas com necessidades educativas especiais;

  • Valorização do ensino profissional com garantia de ensino unificado até 9º ano;

  • Alargamento do ensino articulado e das respostas públicas de ensino artístico;

  • Reforço das respostas de educação inclusiva nas escolas, com contratação direta de terapeutas e técnicos e técnicas especializados e alargamento da rede de unidades de ensino estruturado e multideficiência;

  • Revisão do modelo de Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC), Componentes de Apoio à Família (CAF) e Atividades de Animação de Apoio à Família (AAF) de modo a valorizar as atividades lúdicas, combatendo a sua excessiva curricularização e a precariedade dos vínculos dos profissionais;

  • Gestão pública das cantinas escolares com produção local e circuitos curtos de abastecimento;

  • Revisão da portaria de rácios, recuperação da especificidade funcional do pessoal não docente, revisão da tabela salarial das carreiras de assistente operacional e assistente técnico;

  • Reversão da municipalização e novo modelo de descentralização com base na autonomia das escolas;

  • Recuperação de um modelo de gestão democrático e fim dos mega-agrupamentos; 

  • Criação, na escola pública, de cursos pós-laborais dirigidos aos adultos que pretendam melhorar a sua escolaridade;

  • Adoção de uma estratégia descentralizada de erradicação do analfabetismo, com especial foco na população mais distante da rede escolar pública.


Uma proposta para a sustentabilidade da escola pública

Todos os anos a falta de professores na escola pública faz-se sentir com mais força e mais cedo. Este é um problema com causas identificadas: a combinação do envelhecimento, da precariedade e da desvalorização da carreira docente. No ano letivo 2021/22, passado o primeiro mês de aulas já faltavam 691 professores nas escolas de todo o país e Alemão e Latim eram as únicas disciplinas em que não havia alunos sem docente. 

A percentagem de docentes do 3º ciclo do ensino básico e ensino secundário com menos de 30 anos? É de 1,2%. O alerta parte da OCDE, que afirma que a classe docente portuguesa é uma das mais velhas de todos os países integrantes desta organização internacional.
Quase metade do universo docente tem mais de 50 anos. Altos níveis de envelhecimento já significam um custo acrescido para o sistema educativo. A idade é o principal fator de afastamento de docentes das salas de aula por motivo de doença. Em Portugal, já são cerca de 12 mil.

A curto prazo, este problema será o maior desafio para a organização do nosso sistema educativo. Em 2020, reformaram-se cerca de dois mil docentes, o número mais elevado desde 2013. Até 2030, podem sair quase 60%. À desvalorização sistemática da carreira docente corresponde a diminuição do número de estudantes interessados nos cursos que formam para o ensino. De acordo com a OCDE, Portugal é dos países em que menos jovens dizem querer vir a ser professores e professoras.

A desvalorização da carreira docente dá-se de muitas formas, sobretudo na contagem do tempo de serviço e nos entraves às progressões na carreira. Na sequência das apreciações parlamentares apresentadas por vários partidos, a direita recuou e o bloco central impediu a recuperação da carreira dos professores e das professoras. 

Uma das formas mais graves de desvalorizar a carreira docente é condenar os jovens professores acabados de chegar às escolas a uma vida de precariedade e baixos salários. Sem qualquer apoio para deslocações, muitos dos horários que agora ficam por preencher nas escolas obrigariam estes docentes a “pagar para trabalhar”

Portugal é alvo de um procedimento de infração por parte da Comissão Europeia por incumprimento da diretiva UE relativa à não discriminação na contratação a termo de professores nas escolas públicas. De acordo com a Comissão, a lei portuguesa prevê condições de emprego menos favoráveis para os professores contratados a termo que trabalham nas escolas públicas portuguesas do que para os professores permanentes, nomeadamente em termos de salário e antiguidade.


O envelhecimento da classe docente representa um risco para a sustentabilidade da Escola Pública e é um fator negativo para o desenvolvimento económico do país.  A única forma de o evitar é combinar uma aposta na formação inicial e no regresso de professores e professoras precários que abandonaram o sistema com o acesso à aposentação antecipada. Assim, o Bloco propõe um Programa Especial de Rejuvenescimento do Corpo Docente, que permitirá a substituição voluntária de docentes com mais longas carreiras contributivas por jovens no início da carreira, com benefícios para um sistema educativo mais inovador.

Valorizar a carreira docente

Anos de promessas do PS sobre estudos e planos não deram em nada. É necessária uma negociação séria com os representantes dos docentes para encontrar novas medidas de valorização da carreira. Estas são cinco das mais urgentes:

  1. Programa de vinculação extraordinária de docentes precários e alteração da norma travão;
  2. Respeito pela graduação profissional e pelo direito à progressão na carreira, com eliminação das vagas de acesso aos 5º e 7º escalões;
  3. Alteração dos intervalos horários e mais direitos para os horários incompletos;
  4. Redução geográfica dos Quadros de Zona Pedagógica;
  5. Criação de um regime de compensação a docentes deslocados.

 


  • Regime temporário de antecipação da aposentação das professoras e professores com idade próxima da reforma (medida de adesão voluntária e que deve incluir a possibilidade de reconversão de tempo de serviço ainda não contabilizado em antecipação da reforma); 

  • Incentivo à contratação e vinculação dos docentes contratados e contratadas. Desta forma é possível preparar a renovação geracional a uma década, evitando a saída abrupta de quase metade do corpo docente e acautelando a entrada atempada de novos professores e professoras.

Um programa de requalificação das escolas públicas

O parque escolar português coloca em causa a qualidade da educação. Cerca de um terço das escolas secundárias públicas (173 de um total de 526) foram renovadas, mas a falta de recursos financeiros deu origem ao atraso ou à suspensão do investimento previsto nas restantes. Muitas das escolas secundárias e a maioria das escolas básicas não tiveram as intervenções necessárias ao longo dos anos (um terço do total, segundo a Comissão Europeia). O congelamento de todas as obras durante o último governo só agravou a situação. Frio e calor, chuva dentro das salas de aulas, falta de condições ou ausência de refeitórios e pavilhões desportivos, coberturas de fibrocimento e degradação geral dos espaços, tudo isso perturba o normal funcionamento de uma escola. Estão em causa a higiene, a segurança, as condições de trabalho e o conforto de centenas de milhares de alunos e alunas, docentes e trabalhadores e trabalhadoras, assim como a qualidade da educação em Portugal.

As despesas de capital correspondem a menos de 2% do orçamento total da educação, o que deixa muito pouco para as obras necessárias. É necessário um plano de investimento a quatro anos, com calendário e prioridades definidas. Sem projetos de luxo, a cada escola deve ser dada autonomia para identificar as suas necessidades de requalificação e manutenção dos edifícios escolares.

  • Adoção de um programa de requalificação dos edifícios escolares

Uma rede pública de creches

A Carta Social de 2019, salienta “uma insatisfatória cobertura média das respostas e equipamentos sociais para a 1ª infância, o que no caso das creches não abrange metade das necessidades (48,4%). Esta é uma das razões para ser tão caro inscrever uma criança na creche, às vezes mais do que numa universidade privada. Mesmo quando se trata de creches com acordos com a Segurança Social, o valor das mensalidades pode representar metade do salário médio. Este quadro limita o acesso das famílias à resposta e ignora que a criança é um sujeito de direitos desde que nasce. O custo das creches relaciona-se com duas opções erradas: não incluir as creches no sistema educativo, mas no campo da ação social, pelo que a oferta está nas mãos do setor privado e no setor social (IPSS) financiado através de acordos de cooperação com a Segurança Social; e percepcionar as creches como assistência às famílias e não no quadro dos direitos da infância, o que contribui para desresponsabilizar o Estado. A Recomendação nº 3/2011 do CNE sobre “A educação dos 0 aos 3 anos” considera que a concretização do direito das crianças à creche é “um fator de igualdade de oportunidades, de inclusão e coesão social”. O mesmo documento sustenta que a frequência da creche deve “ser universal, de modo a que as famílias disponham de serviços de alta qualidade a quem entregar os seus filhos, serviços esses que devem estar geograficamente próximos da respetiva residência ou local de trabalho” (2ª recomendação). E, no mesmo sentido, defende que “o Ministério da Educação deve assumir progressivamente uma responsabilização pela tutela da educação da faixa etária dos 0-3” (3ª recomendação).

  • Inclusão das creches no sistema educativo;

  • Criação de uma rede nacional de creches públicas com cobertura universal a integrar no Serviço Nacional de Cuidados;

  • Contabilização do tempo de serviço dos Educadores de Infância afetos às creches para todos os efeitos do Estatuto da Carreira Docente.

Um Serviço Nacional de Justiça

Uma política de acesso ao Direito de muito reduzida ambição torna a Justiça num bem de acesso reservado a quem tem meios para custear advogados ou advogadas e diligências processuais.

Os seis anos de governação do PS na área da Justiça mostraram uma inequívoca falta de vontade política para romper com este estado de coisas. Sobrou em fascínio pela digitalização o que faltou em determinação política para corrigir um sistema de Justiça que dificulta a defesa dos direitos das pessoas com mais baixos rendimentos.   

Em vez de adotar o acesso universal como prioridade absoluta, a direita e o PS têm privilegiado a tese de que o espaço para um serviço público de Justiça é residual e que a Justiça é, por definição, cara e que, por isso, deve ser paga. A degradação de infraestruturas, o desrespeito pela dignidade profissional de quem trabalha nos tribunais, com destaque para os/as oficiais de justiça e os/as trabalhadores/as dos registos e notariado e, em geral, a uma inaceitável seletividade material da Justiça são um legado crítico da governação do PS.

Esta degradação estende-se às condições do sistema penitenciário. Confrontado com uma taxa de encarceramento e uma duração média das penas de prisão muito acima das médias europeias, o governo nada fez para qualificar o parque prisional e para conferir centralidade à reinserção social, deixando na gaveta o relatório por si mesmo elaborado com uma programação de intervenções e de reforço dos quadros de profissionais para a década 2017-2027.

É preciso traduzir também na Justiça a centralidade dos serviços públicos de que se faz o nosso modelo constitucional de democracia.

  • Elaboração de uma Lei de Bases da Justiça que consagre um Serviço Nacional de Justiça assente nos princípios da gratuitidade no acesso, da proximidade dos serviços de justiça, orientação do sistema de execução de penas pelo primado dos direitos humanos e da ressocialização, e dignificação das carreiras dos/as profissionais do sistema de Justiça;

  • Redução generalizada das taxas e custas processuais, nomeadamente, isenção de custas em ações por acidente de trabalho, fim das custas de parte em processos de trabalho,  alargamento da capacidade jurídica das comissões de trabalhadores em empresas com mais de 250 trabalhadores, incluindo isenção de custas para defesa dos interesses individuais e coletivos dos trabalhadores;

  • Criação de um programa nacional de formação para advogados inscritos na área do acesso ao Direito e aos tribunais, permitindo que os serviços prestados aos cidadãos e às cidadãs tenham uma melhor qualidade e assegurem uma melhor defesa dos seus interesses;

  • Revisão da tabela de honorários dos/as profissionais afetos/as ao sistema de acesso ao direito e aos tribunais. Depois de um congelamento que durou 17 anos, a atualização operada em 2020 de acordo com os critérios da lei concretizou-se num aumento do valor da unidade de referência usada para o cálculo das remunerações em oito cêntimos. Este aumento é uma verdadeira afronta ao trabalho destes/as profissionais na defesa dos direitos das pessoas mais vulneráveis. O Bloco de Esquerda bater-se-á pela urgente adoção de uma nova tabela de honorários dos/as advogados/as pelos serviços prestados no âmbito do sistema de acesso ao Direito e aos tribunais, sustentada numa nova base de cálculo e alterando os montantes devidos pelos diferentes atos processuais praticados nesse contexto;

  • Integração da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores na Segurança Social. A advocacia obteve uma vitória histórica no referendo que abriu a porta à possibilidade de os advogados descontarem para a Segurança Social, em vez de serem forçados a manter-se numa CPAS que não lhes garante a devida proteção social e perpetua um sistema injusto. Essa vitória deu força à proposta do Bloco de Esquerda de integrar a CPAS na Segurança Social. A rejeição da proposta do Bloco pelos votos contrários de PS, PSD, CDS e IL clarifica quem defende o quê. O Bloco de Esquerda continuará a bater-se para que a CPAS seja integrada na Segurança Social, com a garantia de que quem descontou durante toda uma vida para a CPAS não é prejudicado; 

  • Recusa das restrições impostas pela Ordem dos Advogados no acesso à profissão. A decisão da ordem de fazer depender o acesso à profissão de advogado do grau de mestre revela uma orientação restritiva que, sendo errada em si mesma, é agravada pela evidente carga de discriminação socioeconómica que envolve. O Bloco de Esquerda continuará a opor-se, como já o fez, a esta medida;

  • Dignificação do sistema de execução de penas, criando condições para que a reinserção social deixe de ser desvalorizada e retomando a dinâmica interrompida de aplicação de penas alternativas à de prisão para a pequena criminalidade; requalificando o parque penitenciário e procedendo à contratação dos profissionais necessários, nos termos assumidos no Relatório “Olhar o futuro para guiar a ação presente – 2017-2027”; pondo fim ao entendimento das prisões como offshores de legalidade, fazendo cumprir direitos tão básicos como o apoio jurídico aos reclusos, a instalação em celas individuais dignas ou a saúde em todas as suas valências;

  • Respeito dos direitos dos oficiais de justiça, através da inclusão do suplemento de recuperação processual nos 14 meses de vencimento, com efeitos a 1 de janeiro de 2021; da abertura de concursos para acesso a todas as categorias; do preenchimento integral dos lugares vagos e da regulamentação do acesso ao regime de pré-aposentação;

  • Dotação do Instituto de Registos e Notariado dos meios humanos indispensáveis para a garantia de um serviço público de qualidade. A inexistência de concursos externos há mais de 20 anos e o aumento progressivo de responsabilidades ao longo dos anos degradaram a capacidade de responder adequadamente aos cidadãos e aos requisitos de segurança jurídica na área dos registos e notariado. O Bloco de Esquerda bater-se-á pela urgente abertura de recrutamento externo, pela revisão do sistema remuneratório, pela regulamentação em falta da adaptação do SIADAP e dos prémios de desempenho e produtividade e pela atualização urgente dos meios técnicos afetos a este serviço;

  • Na jurisdição de família e menores:

    • Criação de um corpo de peritos (pediatras, psicólogos, psiquiatras, técnicos de serviço social) nos quadros permanentes dos tribunais de família;
    • Formação específica dos magistrados;
    • Revisão dos trâmites dos processos penais que envolvam menores, no sentido de evitar repetição de atos em sede cível (que penalizam duplamente as vítimas obrigadas a reviver as situações);
    • Criação de secções da família e da criança nos tribunais superiores.
  • Criação de um julgado de paz por município, ou por agrupamento de municípios, cuja população seja igual ou superior a 50 mil habitantes.

O direito à cultura, às artes e ao património

A cultura foi um dos setores mais afetados pela pandemia, com as medidas sanitárias a impedirem ou condicionarem fortemente atividades ao longo do tempo. Com a paragem – e num ambiente crónico de desregulação laboral e fragilidade das políticas públicas – milhares de trabalhadores ficaram sem trabalho e , em tantos casos sem acesso ao subsídio de desemprego ou mesmo aos apoios extraordinários criados neste período. A quebra de receitas das instituições culturais – das artes ao património – pôs em causa tarefas básicas de manutenção e ditou mesmo encerramentos definitivos. Os programas lançados pelo governo durante a pandemia, e em resposta à força reivindicativa sem precedentes de um sector em desespero, revelaram-se desadequados e insuficientes e as redes de solidariedade entre trabalhadores foram (e são) essenciais.

O Estatuto dos Profissionais da Cultura, aprovado pelo governo sem debate parlamentar e com um simulacro de diálogo com as organizações do setor, não dá garantias de uma mudança significativa. Faltam mecanismos de imposição do cumprimento da legislação laboral, de promoção do contrato de trabalho e combate aos falsos recibos verdes, e um regime de proteção no desemprego abrangente e adequado às especificidades do setor. 

A desregulação laboral e a desproteção social dos trabalhadores é um dos problemas estruturais do setor cultural, mas não o único. Nos últimos vinte anos, as políticas públicas para a Cultura sofreram uma estagnação, tanto orçamental como teórica, com as suas atividades nucleares – património, arqueologia e artes  – convertidas em adereço promocional da iniciativa turística e imobiliária. Faltaram políticas públicas de democratização ao acesso à cultura, do património à criação artística, e agravou-se a mercantilização e concentração da produção, edição e distribuição (controlo do mercado livreiro pelas grandes editoras, salas de cinema sob monopólio da NOS, ausência de salas públicas com dimensão e características técnicas para concertos). O extenso património português classificado pela UNESCO como Património Cultural Mundial, seja material ou imaterial, está sem a devida monitorização e o Ministério da Cultura não desenvolveu planos específicos para a sua preservação. No Programa Revive, o Ministério da Cultura assumiu-se como sucursal do Ministério da Economia para a política turística, fazendo letra morta da Lei de Bases do Património Cultural, abdicando de garantias de acesso ao património classificado agora concessionado. A exceção foi o lançamento do Museu Nacional Resistência e Liberdade, no Forte de Peniche, salvo pela indignação pública com o projeto de transformação em unidade hoteleira. A atualização de sistemas de inventário e arquivo, a promoção da investigação ou o trabalho em rede dos equipamentos culturais foram pura e simplesmente esquecidos. 


Os acordos do PS com os partidos de esquerda em 2015 criaram enorme expectativa no setor cultural quanto a um projeto de recuperação, muito necessário, e a um salto qualitativo e quantitativo nas políticas públicas, perfeitamente possível mas que não se concretizou. É significativo que, nos últimos seis anos, os únicos avanços na democratização cultural do país tenham sido alcançados no período 2015-2019 e por proposta do Bloco de Esquerda: aumento da oferta em sinal aberto da Televisão Digital Terrestre, redução do IVA para espetáculos e criação da Rede de Teatros e Cineteatros. Esta rede, uma proposta em que o Bloco de Esquerda insistiu durante mais de uma década, começa agora a fazer caminho.


O Estatuto dos Profissionais da Cultura

A proteção social que o governo definiu no Estatuto dos Profissionais da Cultura fica muito aquém das expectativas e das necessidades. Ao contrário do prometido, o novo apoio no desemprego exclui uma parte importante dos trabalhadores e não responde à condição intermitente. 

A reabertura de espaços ou o fim das limitações que foram impostas a atividades culturais, por si só, não resolvem os problemas que a pandemia tornou mais visíveis. A desregulação laboral e a desvalorização das profissões do setor mantêm-se e a fragilidade económica das instituições agravou-se. Estamos, assim, perante uma dupla responsabilidade nas políticas públicas para a cultura: recuperar da crise pandémica e responder pelos problemas estruturais. 

1% para a Cultura!

Portugal investe em Cultura metade da média europeia e a pandemia expôs com violência os efeitos do subfinanciamento da Cultura: trabalhadores com salários de miséria e condenados à mais absoluta precariedade. A exigência de 1% para a Cultura não impõe um valor absoluto de investimento, mas a escolha sobre a distribuição da riqueza do país.

O Ministério da Cultura limitou-se à gestão corrente de recursos mínimos, cujas cativações impediram que as pequenas melhorias aprovadas em sucessivos orçamentos vissem a luz do dia. Esta ausência de resposta e de estratégia produziu mobilizações que saíram às ruas. O Bloco de Esquerda dialoga com essas mobilizações e avança um programa que lhes responde.



  • Alteração do Estatuto dos Profissionais da Cultura, com medidas concretas para a promoção de contratos dos trabalho e combate à precariedade – em especial ao falso trabalho autónomo – , mais apoio à reconversão nas profissões de desgaste rápido e universalização do acesso à proteção social na intermitência; 

  • Programa de combate ao trabalho informal, com responsabilização das entidades patronais e possibilidade de reconstituição de carreiras contributivas;

  • Vinculação dos trabalhadores precários dos organismos públicos e autonomia de contratação das instituições públicas para preenchimento dos lugares de quadro vazios;

  • Garantia do cumprimento da legislação laboral, nomeadamente a celebração de contratos de trabalho, nos protocolos e programas de financiamento público a instituições e projetos culturais;

  • Criação de uma plataforma online com recursos e materiais úteis aos trabalhadores da cultura, como legislação laboral, informação sobre proteção social e fiscalidade, minutas de contratos, documentos de boas práticas e contactos úteis;

  • Programa excepcional de recuperação do tecido cultural com apoio à retoma de atividade de micro e pequenas empresas e de associações, agentes e produtores, salas de espetáculos e outros espaços culturais de pequena dimensão, incluindo apoio à regularização de contratos de trabalho e à recontratação de trabalhadores da cultura que se viram forçados a procurar outra atividade desde o início da pandemia;

  • Inscrição no Orçamento do Estado a dotação de 1% do PIB para a Cultura;

  • Criação de uma Lei de Bases da Cultura que redefina o papel do Estado na democratização e universalização dos serviços públicos de Cultura, reorganizando legislação e reativando e redes existentes, como a Lei Quadro dos Museus Portugueses, a Lei de Bases do Património Cultural, a Rede Nacional de Bibliotecas e a Rede de Teatros e Cineteatros;

  • Reativação do Observatório das Atividades Culturais como organismo do Ministério da Cultura e redefinição do Conselho Nacional de Cultura como local de pensamento estratégico das políticas públicas de cultura, nomeadamente garantindo a autonomia da secção de património e extinguindo a secção de tauromaquia;

  • Financiamento plurianual dos equipamentos públicos (museus, teatros nacionais, bibliotecas e arquivos nacionais), das orquestras regionais e das entidades privadas que contratualizam serviço público com o Estado; concursos, protocolos e financiamento em prazos compatíveis com a programação; transparência e simplificação dos respetivos procedimentos;

  • Revisão da tutela dos museus, património classificado e património arqueológico, combatendo o gigantismo da DGPC, e efetivar a aplicação da Lei da Autonomia e Monumentos;

  • Recuperação dos laboratórios de conservação e restauro, dotando-os dos meios necessários e salvaguardando o saber acumulado durante décadas nesta área;

  • Definição de estratégias diferenciadas para os usos de interesse público do Património;

  • Promoção dos Arquivos Nacionais, com garantias de autonomia, meios adequados e política de novas incorporações para a Torre do Tombo e para o Arquivo Nacional das Imagens em Movimento e com a concretização do Arquivo do Som;

  • Programa de salvamento e valorização de arquivos e inventários do Património Cultural Português material e imaterial;

  • Criação de um Observatório de Monitorização do património português classificado como Cultural da Humanidade, composta maioritariamente por entidades não governamentais;

  • Identificação, classificação e promoção dos sítios representativos do Património Cultural Imaterial da Humanidade, incluindo linhas de apoio a artesãos, casas de fado, sedes da prática coletiva do cante alentejano e outras coletividades que mantêm vivo o património imaterial classificado;

  • Reforço dos meios da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas, da Rede Nacional de Bibliotecas Escolares e das bibliotecas de investigação (Biblioteca Nacional, Biblioteca da Ajuda, Biblioteca da Academia das Ciências, entre outras), garantindo quadros de pessoal e políticas de aquisições e sensibilização de públicos adequados à sua missão;

  • Revisão da Lei do Preço Fixo do Livro, combatendo a concentração do mercado livreiro e promovendo mecanismos de apoio a livrarias e editoras independentes;

  • Definição da missão do Fundo de Fomento Cultural e estabelecimento de mecanismo de transparência nos protocolos com as fundações financiadas (Serralves, Casa da Música, Museu Berardo, entre outras);

  • Aumento significativo e diversificação do financiamento à criação artística e aos projetos de difusão da criação artística, considerando redes de programação e áreas que têm sido marginalizadas nos programas de financiamento (literatura, música e artes plásticas, entre outras); novas linhas de financiamento (artistas jovens, projetos artísticos nas escolas, entre outras); mecanismos de coesão territorial na distribuição do financiamento;

  • Aumento progressivo da linha de financiamento à programação dos equipamentos da Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses e criação de outras linhas de financiamento associadas à RTCP, para formação profissional, aquisição de equipamentos, medidas de sustentabilidade energética, entre outras.

  • No cinema e audiovisual, a par com o reforço do financiamento, combate ao monopólio na distribuição, criando uma entidade pública de distribuição que permita estruturar o acesso de cineteatros públicos e cineclubes à produção cinematográfica nacional e internacional;

  • Criação de novas obrigações para operadoras e distribuidoras cujo modelo de negócio assenta nos conteúdos culturais, incluindo quotas para a produção musical e audiovisual portuguesa independente, fim da taxa da cópia privada, promoção da organização coletiva dos direitos dos autores, artistas e intérpretes, sem prejuízo da decisão individual sobre a disponibilização das suas obras;

  • Imposição de mecanismos de justa retribuição aos autores, artistas e intérpretes na transposição das directivas relativas a direitos de autor e direitos conexos em streaming e no Mercado Único Digital;

  • Assunção da RTP como parceiro privilegiado da cultura, com reforço dos meios e obrigações da rádio e televisão públicas na produção e difusão culturais. Articulação entre o Arquivo da RTP e a Cinemateca/ANIM para o acesso dos criadores aos arquivos e para a criação de um arquivo de som e imagem da produção artística;


  • Promoção da presença das artes na vida pública e na Escola, defesa do ensino e práticas artísticas, promoção da literacia da leitura e outras, incluindo a literacia para a imagem e novos media, reforço de políticas culturais de proximidade através de contratos locais de parceria entre equipamentos culturais, sociais, escolas e outros;

  • Promoção da produção e fruição da cultura: presença de produção nacional na web, com disponibilização gratuita de todas as obras nacionais em domínio público, descriminalização da partilha não comercial, programa estratégico para arquivos, definição de critérios de coleção, preservação, documentação, digitalização e acesso público;

  • Criação de um plano de visibilização, fomento e mediação dirigido a manifestações culturais de comunidades minoritárias;

  • Garantia do acesso pleno a pessoas com diversidade funcional a equipamentos culturais, apoio à interpretação em língua gestual portuguesa nos espetáculos ao vivo e à produção de versões em braille ou em áudio dos materiais impressos;

  • Política de preços que garanta o direito de acesso aos equipamentos culturais: programas de acesso livre para estudantes, desempregados e reformados, bilhetes de família a preços acessíveis e dias de acesso gratuito.



Ensino superior e investigação científica

A produção de conhecimento através da ciência, a sua disseminação e partilha são instrumentos essenciais para a luta contra o obscurantismo e a ignorância em geral, que põem em causa não só a compreensão e resolução das presentes emergências ambientais, sanitárias e sociais, mas também a maneira como perspetivamos e lidamos com potenciais desafios e crises futuras.

Assiste-se atualmente  a uma rápida e preocupante erosão da confiança do público na evidência científica e a uma degradação sistémica da governança da ciência, frequentemente sem estratégias informadas e de difícil aplicação, sustentadas por um investimento público anémico e manifestamente insuficiente, optando frequentemente por preterir ciência fundamental por ciência aplicada de duvidosa qualidade centrada numa visão utilitarista da ciência como mero instrumento económico e assente na ideia simplista e redutora de que crescimento económico é sinónimo de qualidade de vida.

São assim urgentes políticas que revertam esta situação e que garantam a execução de objetivos definidos após reflexão profunda e discussão alargada, e que  viabilizem e consolidem infraestruturas de investigação científica e a formação e manutenção  de trabalhadores qualificados que dentro do sistema científico nacional promovam efetivamente a criação de conhecimento e inovação, a defesa dos valores imateriais da ciência e da cultura científica e, direta e indiretamente o aumento da  prosperidade, saúde, segurança e bem estar de todos os cidadãos.



Na última década, as instituições de Ensino Superior e todo o setor sofreram uma quebra de cerca de um terço no seu financiamento, conduzindo-as a uma política de gestão de curto prazo e de sobrevivência, baseada na procura de receitas próprias – propinas, contratos com empresas privadas, taxas e emolumentos. A despesa em Portugal com o Ensino Superior é de tal forma limitada que não atinge 1,5 do PIB. A pressão para as instituições de Ensino Superior procurarem financiamento próprio implica uma transformação brutal na natureza da sua gestão e do próprio fim do Ensino Superior Público enquanto serviço público. Os objetivos traçados pelo atual ministro não são animadores. Nos seus cálculos, Portugal deverá alcançar a meta dos 3% do PIB em Ciência, mas dois terços desse valor dependem de investimento privado e são incertos. Esta inversão do papel do Estado na garantia de investimento público num setor tão fundamental é justamente aquilo que o Bloco se propõe alterar.


Democratizar as Instituições de Ensino Superior, combater a mercantilização e reverter a precariedade

O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) introduziu uma lógica mercantil no funcionamento do sistema, patente na entrada para os Conselhos Gerais dos representantes dos principais grupos económicos, ao mesmo tempo que remeteu para um nível quase simbólico a democracia na gestão da academia. O RJIES estabeleceu ainda uma hierarquia inaceitável entre universidades do mesmo sistema, introduzindo incentivos financeiros em função das escolhas de modelo de gestão e condicionando, por essa via, a autonomia das instituições.

A empresarialização da gestão académica, combinada com o défice democrático, transformou o Ensino Superior numa fábrica de gente precária: falsos bolseiros e bolseiras, docentes contratados e contratadas de semestre em semestre para assegurar tarefas permanentes, uso e abuso da figura de “docente convidado ou convidada” para evitar a abertura de concursos para lugar de carreira são apenas alguns exemplos do estado de degradação que o setor atingiu. A abertura do Processo de Regularização Extraordinária de Vínculos Laborais Precários na Administração Pública (PREVPAP) trouxe luzes sobre a dimensão da precariedade na investigação e no ensino superior. No entanto, quer o PREVPAP quer a Lei 57/2017 têm tido uma aplicação muito limitada, tendo esbarrado na oposição de muitos reitores e na inação do governo.

Durante a pandemia, o aumento do assédio laboral e a maior concentração de poder nos reitores e presidentes dos politécnicos tornaram ainda mais desigual esta relação que, na verdade, deveria pautar-se por um respeito profissional e académico entre pares.

Por um novo modelo de acesso ao ensino superior

Desde meados da década de 90, com a introdução dos Exames Nacionais do Ensino Secundário e a extinção das provas de ingresso, foi atribuída ao ensino secundário uma responsabilidade que, à partida, não deveria ser sua: a seleção dos alunos que entram no ensino superior. A competição desenfreada pelos melhores lugares nos rankings, medidos apenas pelo desempenho nos exames nacionais, fez com que as escolas privadas tenham transformado o ensino secundário numa mera preparação para estas provas, desvalorizando outros aspectos, como a educação para a cidadania, a educação para a saúde e o trabalho de projeto. É necessário lançar os alicerces para um debate alargado que promova um novo modelo de acesso, o fim dos exames nacionais e novos instrumentos de aferição de conhecimentos e competências.

O Programa de Estímulo ao Emprego Científico, a decorrer nos últimos dois períodos legislativos, falhou os seus principais objetivos, não tendo sido capaz de reforçar o emprego científico, nem de potenciar o impacto da investigação científica no ensino superior. Pelo contrário, alargou o fosso entre a Ciência e o Ensino Superior, permitiu que a empresarialização da gestão académica fosse instrumentalizada para facilitar a precariedade, e agudizou o défice democrático nas instituições de Ensino Superior.

O PREVPAP na Ciência

A abertura do Processo de Regularização Extraordinária de Vínculos Laborais Precários na Administração Pública (PREVPAP) expôs claramente a dimensão deste problema – na área da Ciência foram recebidos 3200 pedidos para regularização de docentes e investigadores, dos quais apenas 10% tiveram parecer positivo.  De igual modo, é de prever que o número de contratados sem termo no final do processo que decorreu ao abrigo da norma transitória do Decreto-Lei n.º 57/2016 será também reduzido, em função do mesmo tipo de obstáculos ao reconhecimento do seu vínculo.

A oposição de muitos reitores e a inação do governo têm sido fatores críticos para o falhanço destes programas, sobrepondo-se com frequência à aplicação da lei e contribuindo para a manutenção sistemática de falsos bolseiros e bolseiras, docentes contratados e contratadas de semestre em semestre para assegurar tarefas permanentes, e uso abusivo da figura de “docente convidado ou convidada” para evitar a abertura de concursos para lugares de carreira. A estes problemas soma-se ainda uma tendência crescente de privatização do enquadramento contratual do trabalho docente e de investigação.

Ao longo dos últimos seis anos, ficou claro que apenas as restrições ao acesso a financiamento contribuíram com sucesso para impor os contratos de trabalho como  vínculo normal para o trabalho científico. É, portanto, nestas medidas que devemos apostar. A obrigatoriedade de cumprir uma percentagem crescente de investigadores nos quadros para acesso a financiamento, parece ser o caminho. No entanto, sem um aumento progressivo e sustentado do financiamento plurianual contratualizado com as instituições de ensino superior e ciência, o combate à precariedade será sempre uma batalha perdida.

É também imperativo promover uma revisão articulada dos estatutos de carreira de investigação e docência, de modo a permitir uma maior compatibilização entre ambos, revendo também os mecanismos de progressão de forma justa, transparente e abrangente, e pondo fim ao recurso a legislação avulsa para benefício apenas de alguns.

No que respeita ao sistema científico nacional, os últimos seis anos provaram que o funcionamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) é pautado por uma burocratização estrutural que, aliada à falta de meios e pessoal técnico, deixa o setor numa imprevisibilidade e atrasos constantes. O aumento do orçamento para a ciência, proposto neste Programa, deverá ser executado com rigor e acompanhado de uma avaliação consequente dos programas de investimento anteriores. Também o funcionamento da FCT carece de reavaliação.

  • Atingir, na próxima legislatura, 3% do PIB em investimento em ciência e investigação, financiamento esse maioritariamente público e que reequilibre a relação de investimento em ciência básica e ciência aplicada;

  • Financiamento público plurianual contratualizado com as instituições de ensino superior, laboratórios e centros de investigação, com a contrapartida de um mecanismo avaliativo sobre implementação de políticas na melhoria da ação social escolar e do combate à precariedade;

  • Eliminação das propinas de licenciatura através de um plano de redução faseado da propina máxima, de forma a atingir gratuitidade da frequência do ensino superior público em 2023;

  • Redução do valor das propinas de mestrados e doutoramentos: a curto prazo, através da fixação de um teto máximo nacional não superior aos valores praticados de bolsas de ação social (no caso do 2 ciclo) e, a médio prazo, aplicando o mesmo mecanismo faseado relativo às propinas de licenciatura;

  • Revisão do Estatuto do Estudante Internacional, propondo um modelo solidário de apoio a estudantes oriundos da CPLP, otimização da relação entre estudante/instituição de ensino superior/serviços do estado português e programas de combate ao racismo e à xenofobia;

  • Plano Nacional com fundos públicos para o alargamento da rede de residências estudantis e revisão do regulamento de bolsas com reformulação da fórmula de cálculo e definição de um calendário certo e regular para a transferência das bolsas;

  • Revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, recuperando o princípio da participação paritária entre corpos e de género nos órgãos de gestão e o princípio da eleição do ou da reitora/presidente por um colégio eleitoral alargado e representativo;

  • Discussão sobre um Novo Modelo de Acesso ao Ensino Superior e o fim dos exames nacionais;

  • Revisão dos estatutos das carreiras docentes com definição de critérios claros de avaliação de desempenho e regras justas de progressão;

  • Valorização do Ensino Superior Politécnico, aprofundando o seu financiamento e os mecanismos de ação social, garantindo efetivamente a possibilidade destas instituições ministrarem doutoramentos e reforçando a sua capacidade na área da investigação científica;

  • Alteração do modelo de funcionamento da FCT, através da contratação de pessoal especializado, um modelo de governança que garanta mais autonomia na decisão e melhor ligação com o setor científico;

  • Revogação do Estatuto de Bolseiro de Investigação Científica e obrigatoriedade de contratação de investigadores e investigadoras ao abrigo do Estatuto da Carreira de Investigação Científica através de um rácio mínimo de pessoal na carreira para aceder a financiamento estatal e/ou comunitário;

  • Regulamentação das Carreira de Docente no Ensino Superior Privado, em negociação com as organizações representativas da classe;

  • Alargamento dos Centros de Ciência Viva no país, aproximando este programa da realidade educativa, social e cultural desses territórios.

Desenvolvimento científico ao serviço do interesse público

Dado o papel do conhecimento científico e tecnológico nos mais variados aspectos da sociedade, o Estado deve assumir um papel decisivo no desenvolvimento das políticas para o Conhecimento e garantir a sua democratização. Deve-se assim procurar promover as formas de tecnologia aberta e que sejam regidas por princípios de espírito crítico e  utilidade pública. Este esforço deve contribuir também para capacitar as respostas dos serviços públicos e reforçar a relação entre os decisores políticos e os cidadãos.

  • Apoio de projetos que desenvolvam conhecimento científico com utilidade pública em tecnologias de licença aberta copyleft ou, em alguns casos, copycenter;

  • Utilização preferencial, nos serviços públicos, de tecnologias abertas;

  • Desenvolvimento da ligação entre as Instituições de Ensino Superior, os seus Laboratórios e Centros de Investigação e os restantes serviços da Administração Pública, para promover a sua modernização e o desincentivo à contratação de serviços privados de consultoria; criação de Pactos de Investigação e Desenvolvimento orientados para a valorização científica e tecnológica da Administração Pública;

Serviços públicos junto das comunidades emigrantes portuguesas

A redução drástica do número de consulados e dos seus recursos operada no governo PSD/CDS deixou abandonadas as pessoas que emigraram de Portugal. Os consulados perderam qualquer capacidade de diplomacia económica ou cultural e não respondem sequer às mais básicas formalidades administrativas. Os seus trabalhadores sofrem a pressão de afluxo de solicitações a que não conseguem responder e que não foram – e em muitos casos, nem podem ser – resolvidas pela digitalização dos serviços. Hoje, as e os emigrantes portugueses esperam meses por documentos fundamentais como passaporte e Cartão de Cidadão ou por resposta em processos da segurança social.

O ensino da língua portuguesa para crianças de segunda geração também sofreu limitações: foi reduzido em termos territoriais e passou a ser pago através da chamada “propina”. A introdução da propina fez cair para metade o número de crianças que frequentam este ensino. O Bloco propôs a reversão desta propina criada no período da Troika, mas o PS votou contra.

 Apesar de iniciativas bem sucedidas do Bloco na criação do recenseamento eleitoral automático na área de residência do emigrante e do voto ter passado a ser gratuito, a participação eleitoral é reduzida e complicada.

  • Alargamento da rede consular;

  • Reforço dos serviços consulares, com mais recursos humanos e reforço do número, tipo e qualidade dos serviços disponíveis online e por telemóvel. Este reforço deve ser acompanhado de uma nova capacidade de diplomacia cultural e económica, rentabilizando o investimento nessas infraestruturas físicas, digitais e equipas para promover sinergias com as câmaras de comércio, os institutos Camões e outras instituições de promoção da internacionalização da cultura portuguesa;

  • Aumento das assembleias eleitorais nos consulados para exercício do voto presencial e reforço do uso do voto postal;

  • Teste de voto eletrónico à distância, com a participação de especialistas de segurança das Universidades portuguesas, utilização de código aberto, e amplo escrutínio público;

  • Reforço dos meios da Segurança Social para garantir o atempado pagamento das reformas e pensões aos portugueses e portuguesas residentes no estrangeiro;

  • Fim das “propinas” no ensino do português no estrangeiro;

  • Aprofundamento da missão e reforço dos recursos do Instituto Camões e da RTP Internacional;

  • Criação de programas e dispositivos de apoio a projetos culturais e sociais nos territórios da emigração, que facilitem a preservação e transmissão da cultura, língua e história portuguesa e que permitam criar pontes com os territórios de acolhimento e combater o isolamento das comunidades portuguesas;

  • Ponderação das necessidades das comunidades emigrantes nas decisões estratégicas das empresas públicas, nomeadamente a TAP e a Caixa Geral de Depósitos.

O problema

O discurso que menoriza as mulheres e as práticas sociais que as condenam à dupla jornada de trabalho, à desigualdade salarial e à pobreza reforçam-se mutuamente no preconceito e no abuso. Um velho racismo sistémico que se manifesta de muitas formas, desde a saudade colonial até à violência contra comunidades racializadas, que enfrentam inúmeras discriminações no seu quotidiano, do acesso ao trabalho à violência policial.  Uma política de imigração que, embora envolta num discurso de tolerância e acolhimento, nega aos migrantes e refugiados direitos essenciais. A discriminação que permanece contra a comunidade LGBTQI, apesar das conquistas legais dos últimos anos. A invisibilidade das pessoas com deficiência, das suas dificuldades quotidianas e do seu direito à autonomia. Todas estas realidade provam que Portugal é atravessado por muitas fronteiras internas que impedem que se concretizem os princípios da igualdade e respeito por todas as pessoas, sem exceção.

A solução

O Bloco de Esquerda bate-se por uma agenda feminista que afirme a igualdade plena entre homens e mulheres. Enfrentamos o racismo, que destrói a vida social e combatemos todas as formas de discriminação. À política do ódio e desinformação da extrema-direita contrapomos uma cultura de respeito, uma democracia informada e a garantia de direitos iguais, sem exceções. Contra a violência e o desrespeito por todas as formas de vida, apresentamos ainda medidas concretas para defender o bem-estar animal.


Um país feminista

As mulheres são exploradas na desigualdade salarial e no trabalho doméstico e oprimidas por várias violências de género. São também quem se levanta contra todas as desigualdades. Uma sociedade mais livre e mais justa tem de ser feminista!

Direitos sexuais e reprodutivos

14 anos após a aprovação da Lei n.º 16/2007, que descriminalizou o aborto a pedido da mulher e estabeleceu novos prazos para a exclusão de ilicitude da interrupção voluntária da gravidez, é necessário olhar para a sua aplicação, para perceber as suas fragilidades e propor as alterações necessárias.

A objeção de consciência é hoje reconhecida como um entrave à aplicação da lei. A situação torna-se mais grave, por vezes inultrapassável, quando saímos dos grandes centros urbanos para territórios mais despovoados e com menor oferta de serviços de saúde, nomeadamente públicos. O Estado português tem obrigação legal de garantir que a objeção de consciência não funciona como uma barreira ao aborto legal, impedindo as mulheres de usufruir de um serviço ao qual têm direito, dando cumprimento ao estabelecido na lei (artigo 4, n.º 1), designadamente «assegurar que do exercício do direito de objeção de consciência dos médicos e demais profissionais de saúde não resulte inviabilidade de cumprimento dos prazos legais». Do mesmo modo, o período de reflexão não inferior a três dias a que a lei obriga é, não apenas um atestado de menoridade intelectual passado às mulheres, mas também um instrumento que dificulta o cumprimento dos prazos legais e, por isso, deve ser suprimido da lei. As dificuldades que enfrenta o Serviço Nacional de Saúde repercutem-se também na aplicação da lei do aborto, por isso entendemos ser necessário descentralizar o acesso a este procedimento, desafogando, por um lado, os hospitais e facilitando, por outro lado, o acesso ao cumprimento de um direito, não apenas às cidadãs nacionais, mas também às mulheres migrantes. Os centros de saúde e as unidades de saúde familiar podem ser parte desta resposta, nomeadamente no que ao aborto médico diz respeito. São instituições mais próximas das pessoas, o que permite desde logo esbater dificuldades – culturais e económicas – no acesso à saúde sexual e reprodutiva.

Em todas as crises, a situação das mulheres é um barómetro da situação social. A crise pandémica e socioeconómica que atravessamos nos últimos dois anos é disso exemplo. Com a crise foram mulheres quem sofreu o primeiro impacto do desemprego e da precariedade. As trabalhadoras informais, nomeadamente no setor das limpezas, perderam parte ou a totalidade dos seus rendimentos, numa situação agravada pela falta de proteção social. A carga do trabalho não-pago dos cuidados sobre as mulheres aumentou.  Nos serviços considerados essenciais, muitas mulheres da população mais pobre, mulheres racializadas, mulheres das comunidades imigrantes tiveram de continuar a trabalhar e a arriscar as suas vidas sem a devida compensação salarial e sem condições de habitação e transportes públicos.

A violência de género também se agravou. No estudo da Escola Nacional de Saúde Pública (VD@COVID19), 15% dos participantes reportaram que houve violência doméstica em sua casa e 34% das pessoas inquiridas que foram vítimas de violência doméstica declararam tratar-se de uma primeira agressão.

Erradicar a Violência Obstétrica

O problema: em 2014, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alertou para o drama de “muitas mulheres [que] sofrem abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto nas instituições de saúde”, afirmando que esse tratamento viola os “direitos das mulheres ao cuidado respeitoso, mas também ameaça o direito à vida, à saúde, à integridade física e à não-discriminação”.

A violência obstétrica é uma realidade pela qual muitas mulheres passam sem sequer a identificar como uma violação dos seus direitos. No entanto, o isolamento, a prática de atos médicos sem consentimento informado, os abusos físicos, psicológicos e verbais, a negação de anestesia, de acompanhamento ou de respeito pelas escolhas da mulher no momento do parto são uma experiência comum.

Em 2015, a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto publicou um relatório sobre as “Experiências de Parto em Portugal” no qual 1468 mulheres (43% da amostra) afirmam não ter tido o parto que queriam. Estando em causa não a ocorrência de situações inesperadas, mas a “perda de controlo sobre o processo do parto”. Tudo devia começar com a prestação de todas as informações necessárias a uma decisão sobre o próprio parto, no entanto, 43,3% declaram que não receberam “informação sobre algumas das suas opções possíveis no trabalho de parto e parto” e 44% não foram consultadas sobre as intervenções às quais foram sujeitas.

Apesar de recentes alterações positivas, a lei está longe de se traduzir numa mudança efetiva no combate à violência obstétrica. De tal modo que, em maio de 2021, uma ampla maioria na Assembleia da República aprovou uma recomendação ao Governo para a eliminação de práticas de violência obstétrica como a manobra de Kristeller, a episiotomia de rotina, e o escandalosamente chamado “ponto do marido”.

Impõe-se uma chamada de atenção particular para a episiotomia (corte no períneo, área muscular entre a vagina e o ânus, para ampliar o canal), que tem sido desaconselhada pela OMS como prática de rotina. Dados do Euro-Peristat e do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, apontam para uma taxa de episiotomia em Portugal acima dos 70%. Entretanto, o Consórcio Português de Dados Obstétricos, composto por serviços de 13 hospitais, registou uma taxa de episiotomia na ordem dos 25% em partos vaginais (próxima da preconizada a nível das recomendações internacionais) e 63% em partos instrumentados. Sendo de salientar que faltam dados mais globais e mais completos sobre o parto e o cumprimento dos direitos na gravidez e no parto.

Ano após ano, os números da violência contra as mulheres continuam a envergonhar o país. De acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI 2021) mais recente, a violência doméstica contra cônjuge ou situação análoga, apesar de ter diminuído em 2020 face ao ano anterior, continuou a ser o crime mais participado em Portugal, representando 85% das mais de 27 mil queixas por violência doméstica. Do total de vítimas de violência doméstica, 75% são mulheres e raparigas, enquanto 81% dos denunciados são homens. A estes registos faltam todos os casos que ficaram em silêncio.

A marca de género na violência sobressai também nos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, conforme demonstra o RASI 2021. Nos crimes de violação, 99% dos arguidos são homens e 92% das vítimas são mulheres. Nos casos de abuso sexual de menores, 93% dos arguidos são homens e as suas vítimas correspondem a 80% de raparigas e 23% de rapazes.

Acresce que as mulheres mais pobres, as mulheres lésbicas, bissexuais e trans, as pessoas não-binárias, as pessoas racializadas e as pessoas com deficiência são alvo de múltiplas violências. Sendo de referir a situação particularmente preocupante das mulheres trans. O Trans Murder Monitoring registou a nível mundial 350 pessoas trans assassinadas em 2019, 98% das quais do género feminino, 50% imigrantes.

Em Portugal, desde que foi criado o Observatório de Mulheres Assassinadas (UMAR) há registo de 569 mortes (2004-2020). Só em em 2020 registaram-se 35 mulheres assassinadas, tendo sido 19 vítimas de femicídio em contexto de relações de intimidade e 16 mulheres assassinadas noutros contextos.

A desigualdade salarial entre homens e mulheres é outra das consequências da sociedade patriarcal. Em 2021, o Dia Europeu da Igualdade Salarial foi comemorado a 10 de novembro, data a partir da qual, simbolicamente, as mulheres deixaram de ser pagas, devido à diferença salarial. É como se trabalhassem gratuitamente o resto do ano.

É um facto que as mulheres estão mais representadas em profissões com salários mais baixos, mas isso está bem longe de explicar 85% da diferença salarial. Essa desigualdade faz-se sentir de forma mais aguda entre as mais velhas: das 162 mil pessoas abrangidas pelo complemento solidário para idosos em 2021, 70% são mulheres.

A aprovação da lei da igualdade remuneratória entre mulheres e homens por trabalho igual ficou ainda longe do desejável. É necessário avaliar o impacto de uma lei cuja aplicação se limitava nos primeiros três anos às empresas com mais de 250 trabalhadores. E revê-la no sentido da disponibilização de mais informação, abrangência de todos os empregadores, prazos mais apertados para as empresas resolverem a situação, reforço da fiscalização e das penalizações por incumprimento da igualdade salarial.

Além de serem quem tem os salários mais baixos, as mulheres têm em média 4 horas e 17 minutos de trabalho não pago relacionado com a família, ao passo que os homens cumprem em média apenas 2h37. Somando a média das horas despendidas no trabalho doméstico e nas tarefas de cuidado, a jornada diária média de trabalho de uma mulher é de 12h23.

Acresce que, apesar de a lei proteger quem falta ao trabalho para, por exemplo, prestar assistência à família, a desigualdade persiste por via do salário indireto. As mulheres faltam mais e trabalham menos para além do horário, não apenas porque tradicionalmente as tarefas de assistência a ascendentes e descendentes são sua responsabilidade, mas também porque 85% das famílias monoparentais são femininas, e isso reflete-se no seu salário real.

A Greve Feminista Internacional introduziu no debate político a ideia de “greve social”, que coloca no centro a vida concreta das mulheres, diferenciando “trabalho” de “emprego” e estendendo-o aos trabalhos invisibilizados dos cuidados e domésticos. Uma reorganização social dos cuidados, que tem de passar pela promoção da partilha, em termos de género, dos cuidados informais, combatendo a divisão sexual que existe. Passa ainda pela formalização de cuidados, através de um Serviço Nacional de Cuidados, como o Bloco propõe. 

As profissões e atividades exercidas maioritariamente por mulheres são as mais desvalorizadas salarial e socialmente. É necessário olhar para o trabalho doméstico e de cuidados para se perceber a sobrecarga do quotidiano das mulheres. Se o trabalho não reconhecido e desvalorizado das mulheres na esfera privada colmata as lacunas do Estado Social, deve considerar-se esse trabalho na definição das regras das pensões, sob pena de ser perpetuado o ciclo de precariedade e pobreza femininas.

Agir sobre a pobreza menstrual

As mulheres e as pessoas trans e não binárias são mais vulneráveis à pobreza e exclusão social. A falta de acesso a bens de necessidade básica como os produtos de saúde menstrual concorrem para o aprofundamento dessa exclusão. O acesso a produtos de saúde menstrual é muitas vezes dificultado pelo preço e também pela vergonha de falar abertamente sobre menstruação, o que tem consequências psicológicas, sociais e de saúde.


  •  Reforço da regra da paridade na constituição de listas para a Assembleia da República (50%);
  • Alargamento da fiscalização da desigualdade salarial a todas as entidades empregadoras e criar sanções para as empresas que não corrigirem a situação;

  • Modificação da natureza do crime de violação para crime público;

  • Tipificação do crime de assédio sexual, em conformidade com a Convenção de Istambul;

  • Reforço do apoio às vítimas no decurso dos processos judiciais, nomeadamente através de ordens de interdição, de emergência, de restrição ou de proteção, de modo a afastar os agressores e não as vítimas;

  • Reforço do apoio às vítimas de violência doméstica, nomeadamente através do aprofundamento de direitos no trabalho, acesso à habitação, educação e segurança social;

  • Reconhecimento de que as crianças que são testemunhas de violência são profundamente afetadas por ela, o que impõe a avaliação da atribuição do estatuto de vítima e a obrigatoriedade de articulação entre a jurisdição criminal e a jurisdição de família e menores, incluindo a criação de tribunais com competência mista para esse efeito.

  • Combate à violência obstétrica através da criação de legislação mais eficaz e de uma Comissão Nacional para a Promoção do Parto Respeitado;

  • Reforço do acesso a produtos de recolha menstrual através da sua distribuição gratuita em centros de saúde e em escolas;

  • Criação de uma rede de cuidados contraceptivos nas escolas, em parceria com associações e centros de saúde, incluindo a distribuição de preservativos e produtos de saúde menstrual, e prosseguindo a consagração de um espaço curricular de educação sexual;

  • Criação da Comissão Nacional para os Direitos na Gravidez e no Parto, que assegure a produção de relatórios com dados oficiais e de campanhas de informação contra a violência obstétrica e pelos direitos na gravidez e no parto;

  • Promoção da educação sexual, da formação de profissionais de saúde e do reforço do respeito pelo plano de nascimento;

  • Reforço da proibição de práticas médicas desnecessárias e/ou não consentidas, como a episiotomia de rotina, que são declaradas inadequadas por organizações internacionais;

  • Instalação de um ponto focal sobre IVG e planeamento familiar em cada agrupamento de centros de saúde, como forma de aumentar o acesso à informação;

  • Alteração à Lei n.º 16/2007, que descriminalizou o aborto a pedido da mulher, tendo como princípios orientadores:

    • O consenso internacional sobre prazos de exclusão de ilicitude da interrupção voluntária da gravidez a pedido da mulher e por razões de doença fetal;
    • As legislações que, desde 2007, têm sido aprovadas em diversos países, sustentadas nos direitos humanos e em princípios pró-escolha;
    • O princípio da igualdade no acesso à saúde, independentemente da nacionalidade e da zona do território em que residam as mulheres;
    • O fim da obrigatoriedade do período de reflexão;
    • A descentralização da prática do aborto médico, alargando-a para os centros de saúde e para as unidades de saúde familiar;

Não dar tréguas aos preconceitos e à discriminação

Em Portugal a fragilidade das políticas públicas de efetivo combate à discriminação racial é flagrante, apesar da crescente visibilidade que a discussão sobre o racismo tem conquistado, resultante, em grande medida, da luta das organizações antirracistas.

Persistem na sociedade e nas instituições preocupantes manifestações de um racismo estrutural enraizado que priva as pessoas afrodescendentes, ciganas e de outras comunidades racializadas dos seus direitos fundamentais.

Um grande número de pessoas que vive em Portugal é diretamente afetada por manifestações iníquas de racismo e discriminação com base nas suas características étnico-raciais ou nacionalidade, num exercício de alteridade e humilhação que afeta a dignidade, as oportunidades, a prosperidade, o bem-estar e, muitas vezes, a segurança.

Esta realidade foi exposta e ampliada pela crise social e económica provocada pela pandemia de covid-19. As pessoas racializadas foram desproporcionalmente afetadas pelo desemprego, pela perda de rendimentos e de direitos de trabalho.

Dados de um inquérito sobre racismo

Os dados do último European Social Survey (ESS) de 2018/2019 revelam que 62% dos portugueses manifestam racismo. As 1055 pessoas que responderam ao inquérito concordando com pelo menos uma das crenças de racismo cultural (crença de que há culturas muito melhores do que outras) ou de racismo biológico (crença de que há raças ou grupos étnicos que nasceram menos inteligentes e/ou menos trabalhadores). Um em cada três portugueses concorda com todas as crenças em racismo biológico e cultural (32%). Apenas 11% da população discorda de todas crenças racistas.

Queixas por racismo arquivadas

A investigação realizada no âmbito do projeto COMBAT pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra revela que, entre 2006 e 2016, cerca de 80% dos processos instaurados pela Comissão pela Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) na sequência de queixas feitas por discriminação foram arquivados, uma significativa parte dos quais por prescrição (22%).

O racismo mata. É isso que provam os brutais assassinatos com motivações racistas de Alcindo Monteiro, no dia 10 de junho de 1995, e Bruno Candé Marques, em julho de 2020. Por outro lado, persistem os casos de violência policial contra pessoas afrodescendentes e ciganas que muitas vezes redundam em impunidade dos infratores. As pessoas racializadas são mais paradas e identificadas pela polícia, num processo de criminalização e controlo dos corpos negros. As agressões a vários moradores da Cova da Moura na esquadra de Alfragide em 2015, à família Coxi em janeiro de 2019 no Bairro da Jamaica e a Cláudia Simões em janeiro de 2020 por um agente da PSP na Amadora, são alguns dos casos mais recentes e mediatizados de uma violência policial que resultou em mais de dez jovens negros mortos pelas forças policiais desde o início deste século, quase sempre de forma impune.

Violência policial

Num relatório divulgado em 2019, o Comité para a Prevenção da Tortura do Conselho da Europa (CPT) reportou que a violência policial e os maus tratos nas prisões são frequentes em Portugal e que as pessoas afrodescendentes, nacionais ou estrangeiras, estão mais expostas a essas violações de direitos humanos. A Amnistia Internacional Portugal tem também alertado para o problema.

De acordo com dados da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI), em 2020 registaram-se 1073 queixas contra a atuação das forças de segurança, verificando-se uma subida de cerca de 12% entre 2019 e 2020.

Empurradas para a periferia dos centros urbanos ou para os arredores das localidades do interior, as comunidades racializadas, sobretudo negras e ciganas, são desproporcionalmente afetadas por processos de segregação territorial que as tornam mais vulneráveis ao isolamento, à exclusão social, à precariedade habitacional, à falta ou dificuldade de acesso a serviços públicos de qualidade (transportes, educação, saúde, respostas sociais, etc.), a violentos processos de despejo e demolição das suas casas e à criminalização dos territórios que habitam, estigmatizados como “bairros problemáticos” e sujeitos a um permanente estado de exceção.

A estas expressões de discriminação a que as comunidades racializadas estão sujeitas acresce, de forma evidente, a maior precariedade laboral, taxas mais elevadas de desemprego, a sub-representação em profissões qualificadas e sobre-representação em profissões menos valorizadas socialmente e com pior remuneração.

Que tudo isto seja acompanhado de uma taxa de encarceramento das comunidades racializadas claramente superior à média é um retrato cru da realidade do racismo estrutural.

Racismo, precariedade e desemprego

Dados do INE mostram-nos que os trabalhadores e as trabalhadoras racializados estão três vezes mais representadas em profissões menos qualificadas, e para esse tipo de profissões recebem em média menos de 103 euros mensais, ao passo que enfrentam taxas de desemprego duas vezes mais altas.

Na educação, persistem práticas como a existência de turmas exclusivamente constituídas por alunas e alunos ciganos, afrodescendentes ou descendentes de migrantes, taxas mais elevadas de retenção no ensino básico e secundário e de encaminhamento para cursos profissionais para estudantes nacionais dos países africanos de língua oficial portuguesa, condicionando a frequência do ensino superior, ao qual esses alunos e alunas acedem cinco vezes menos do que os e as estudantes com nacionalidade portuguesa. A isto acresce a quase total ausência de docentes e dirigentes escolares pertencentes a grupos racializados e a inexistência de programas de ensino multilingue que incluam as línguas das comunidades de origem, bem como a persistência de uma visão eurocêntrica nos currículos e nos manuais escolares, que frequentemente perpetua estereótipos e invisibiliza o conhecimento produzido e reproduzido por sujeitos racializados.

Desmantelar o edifício que sustenta o racismo é um imperativo de um projeto socialista do século XXI e requer, desde logo, o reconhecimento de que ele existe e se intersecta, mas não se confunde, com outros fatores de exclusão e de desigualdade. É preciso conhecermos a sua natureza, os seus processos, os seus efeitos, as suas múltiplas manifestações, a sua relação com outras categorias de opressão com as quais concorre para produzir desigualdades. 

O Bloco confere centralidade às políticas de promoção de igualdade e de combate ao racismo. É tempo de romper com o estado de negação face ao racismo e ao discurso de ódio. O racismo institucional deve envergonhar um Estado de Direito que tantas vezes se vangloria das suas políticas de “integração”. O nosso compromisso é combatê-lo. 

  • Criação de um organismo autónomo na administração pública responsável por, para além de executar medidas políticas transversais, desenhar programas específicos em função das necessidades e áreas de intervenção no combate às desigualdades étnico-raciais, do acesso ao emprego público à frequência do Ensino Superior, no qual estejam representadas organizações das comunidades racializadas, de imigrantes e antirracistas;

  • Formação específica das forças de segurança contra o racismo, prevenção e combate a práticas de perfilamento racial e apuramento rigoroso dos factos em situações reportadas de violência policial com contornos racistas;

  • Alocação do financiamento afeto aos Contratos Locais de Segurança, em vigor em bairros com forte presença de comunidades racializadas, a programas que tenham em vista a redução da vulnerabilidade social, a promoção da empregabilidade e o combate à discriminação racial, abandonando o paradigma de intervenção assente na criminalização dos bairros;

  • Fim dos despejos e demolições forçados em territórios com forte presença de pessoas e comunidades africanas, afrodescendentes e ciganas, sem a existência de uma alternativa de habitação digna;

  • Medidas legislativas e inspetivas especiais para proteção dos direitos laborais e combate à precariedade e exploração laboral nos setores de atividade em que pessoas provenientes das comunidades racializadas, em especial as mulheres, estão desproporcionalmente presentes (trabalho doméstico assalariado, serviços de limpeza e cuidadoras);

  • Medidas de ação afirmativa para promoção da igualdade e de combate à discriminação racial no domínio laboral, nomeadamente ao abrigo do artigo 27.º do Código de Trabalho, como forma de assegurar o acesso e representatividade nos vários setores de atividade, em particular no setor público, de pessoas racializadas;

  • Criação de Gabinetes de Inserção Profissional, como estrutura de apoio ao emprego em territórios economicamente desfavorecidos com forte presença de comunidades racializadas;

  • Alteração do Código Penal, no sentido de abranger práticas de discriminação racial atualmente cobertas pelo regime contraordenacional;

  • Realização de inquérito que permita caracterizar a composição étnico-racial da população e conhecer melhor a discriminação e desigualdade com base na origem ou pertença étnico-racial existentes na sociedade portuguesa;

  • Realização de um estudo nacional, de natureza abrangente e transversal, sobre discriminação racial, em articulação com as organizações antirracistas e representativas das diversas comunidades racializadas;

  • Constituição de um Observatório de Combate ao Racismo e à Xenofobia, para realização de estudos e recolha, análise e difusão de informação sobre racismo, discriminação racial e xenofobia;

  • Concretização de programas de formação para docentes e outros agentes educativos para promoção da igualdade racial e valorização da história, línguas e culturas das comunidades migrantes e racializadas mais representadas, nomeadamente afrodescendentes e Roma/ciganas;

  • Abertura dos manuais e outros materiais escolares a novas correntes problematizadoras dos legados históricos e culturais, no quadro de um processo de revisão curricular mais amplo;

  • Oferta de ensino bilíngue nas línguas mais utilizadas em cada comunidade escolar;

  • formação e contratação de mediadores e mediadoras escolares oriundos das comunidades racializadas mais representadas localmente;

  • Fim das turmas e escolas segregadas e do desproporcional encaminhamento de alunos e alunas do ensino básico das comunidades racializadas para vias profissionalizantes;

  • Criação de um contingente especial para candidatos e candidatas das comunidades racializadas no Concurso Nacional de Acesso e Ingresso no Ensino Superior;

  • Adoção de um Plano Nacional de Ação para implementação da Década Internacional dos Afrodescendentes (2015-2024);

  • Criação de equipamentos que ajudem a difundir um conhecimento mais completo e rigoroso da história do país, designadamente da escravatura, do colonialismo; e do contributo de outros povos e comunidades para a sociedade e a cultura portuguesas;

  • Desenvolvimento de um processo participado de revisão crítica das políticas de memória nacional, através da criação e apoio a equipamentos e programas culturais que promovam uma visão de(s)colonial da História e da cultura e incluam perspetivas e contributos de comunidades historicamente discriminadas e da recontextualização histórica dos equipamentos e lugares de memória existentes;

  • Criação de uma linha de financiamento para apoio a organizações antirracistas e representativas das comunidades racializadas;

  • Inclusão, no desenvolvimento de todas estas medidas, da participação direta de organizações antirracistas e representativas das comunidades racializadas.

Um novo ciclo de políticas para a imigração

Em sintonia com a hipocrisia europeia – portas fechadas à imigração legal, janelas escancaradas às máfias – responsável pela proliferação de fenómenos classificados pela ONU e pela OIT na categoria de “escravatura no século XXI”, o saldo da política migratória é um desastre: dezenas de milhar de imigrantes a trabalharem sem documentos, sem contratos e por vezes sem receberem salários na íntegra, apesar de muitos e muitas descontarem há anos para a Segurança Social.

A situação agravou-se nesta legislatura, com o bloqueio dos processos de regularização e o acentuar de práticas arbitrárias e discricionárias do SEF.

A luta dos e das imigrantes na rua e a pressão junto do parlamento foram decisivas para reverter alguns obstáculos, tendo a iniciativa legislativa para o efeito sido assumida pelo Bloco.

O relatório sobre os Indicadores de Integração de Imigração referentes ao ano de 2019 publicados pelo Observatório das Migrações (OM) assinala que em 2019 residiam em Portugal 590.348 cidadãos estrangeiros, o ano com mais imigrantes na história do país, representando apenas 5,7% do total de residentes do país. Embora este tenha sido o ano com mais pessoas migrantes na História do País, Portugal continua a ser um dos países com menos população migrante na Europa e o oitavo valor mais baixo da União Europeia.

Contudo Portugal mantém um défice muito elevado face às comunidades imigrantes que dão um contributo inestimável na economia (são contribuintes líquidos da segurança social), na demografia e na construção de uma sociedade mais diversa e plural, ainda marcada por desigualdades e exclusões, pelo racismo e xenofobia.

As pessoas migrantes dão muito mais ao Estado do que recebem

Em 2019 as pessoas migrantes residentes em Portugal contribuíram oito vezes mais do que receberam para a segurança social. Os estrangeiros representam 8,5% dos contribuintes e a sua contribuição para o sistema de Segurança Social traduziu-se num saldo positivo de 884 milhões de euros

As pessoas migrantes estão sujeitas a maior precariedade e exploração laboral. Estão sobre representadas nas profissões menos qualificadas, nos grupos profissionais de base associados à construção, indústria e transportes. Nestas profissões têm salários mais baixos, maior risco de sinistralidade laboral, são mais afetados pelo desemprego e beneficiam menos do subsídio de desemprego, enfrentando assim maior risco de pobreza e exclusão social.

Um país, dois sistemas – bem se poderia sintetizar assim o modo como Portugal se relaciona com os e as imigrantes: para os e as imigrantes que aqui chegam com a sua força de trabalho e a determinação de conquistar uma vida digna, estende-se o tempo exasperante de espera por um atendimento no SEF, a permanência interminável em condição irregular, excluídos dos apoios e proteção social e nas margens da inclusão e pertença à sociedade, tornadas cidadãos de segunda categoria.

Para os e as imigrantes ricos, que tenham 500 mil euros para comprar habitação de luxo, estende-se a passadeira vermelha dos vistos gold, com inteira complacência com a corrupção e o branqueamento de capitais a que podem estar associados; ou são concedidos benefícios fiscais como o regime fiscal para residentes não habituais.

Por outro lado, o compromisso de acolhimento de pessoas em situação de refúgio e requerentes de asilo não tem sido acompanhado de uma política de acolhimento seriamente programada, o que resulta em frustração e desapontamento dos e das requerentes de proteção internacional em Portugal.

Depois do final do programa de acolhimento, as pessoas em situação de refúgio e requerentes de asilo enfrentam dificuldades no acesso à saúde, ao apoio social, à aprendizagem da língua, à habitação e a um trabalho digno.

As políticas de acolhimento falham

O Relatório Estatístico do Asilo 2021, publicado pelo Observatório das Migrações, conclui que uma parte importante das pessoas terminou o programa de acolhimento sem ter emprego ou motivação para procurar ativamente emprego, sem domínio da língua portuguesa e com dificuldades no acesso à habitação. O mesmo relatório revela que 77% das pessoas que concluíram o programa de acolhimento foram encaminhadas para apoios sociais, tendo apenas 12% sido consideradas autónomas para prosseguir a sua vida em Portugal.

É preciso iniciar um novo ciclo de políticas de imigração e asilo, abertas à diversidade e promotoras de uma cidadania plena, no contexto de políticas sociais, educativas e culturais que promovam uma integração inclusiva.

  • Uma nova Lei de Imigração que integre as sucessivas alterações positivas à atual Lei 23/2007 numa nova filosofia humanista e aberta ao mundo, em rutura com as orientações da “Europa fortaleza”;

  • reconhecimento do direito de voto a todas as pessoas titulares de autorização de residência em Portugal, independentemente da existência ou não de acordos de reciprocidade com os países de origem (atualmente, além dos membros da UE, estes acordos abrangem uma dúzia de países e só nas eleições autárquicas; destes, apenas os e as nacionais do Brasil e de Cabo Verde podem adquirir capacidade eleitoral passiva, ao fim de dois anos);

  • Projetos de ensino bilingue e da transformação de equipamentos escolares em espaços cosmopolitas de horário alargado, abertos à vida cultural das comunidades;

  • Adaptação e incremento do programa “Português Língua de Acolhimento” de modo a garantir uma oferta contínua e intensa de português com diferentes níveis que permita uma aprendizagem da língua portuguesa em ambiente formal desde o início da permanência em Portugal para pessoas migrantes e refugiadas;

  • Criação de um modelo de acolhimento que potencie o acesso e a estabilidade habitacional dos refugiados, através de uma política de programação do parque habitacional para primeiro acolhimento de refugiados e refugiadas e para a progressiva autonomização pessoal e familiar;

  • Formação contínua dos técnicos da segurança social, das finanças e das juntas de freguesia sobre temas relacionados com as migrações e o asilo, assim como a divulgação regular de informação disponível sobre o tema, com recurso a folhetos informativos.

  • Criação de uma linha de financiamento para apoio a organizações de pessoas migrantes e em situação de refúgio;

  • Plano de monitorização da saúde em populações vulneráveis, nomeadamente pessoas migrantes e requerentes de asilo e beneficiários de proteção internacional;

  • Revogação do regime de Autorização de Residência para Atividade de Investimento (“vistos gold”) e do regime fiscal de residentes não habituais e outros benefícios fiscais;

  • Acompanhamento e fiscalização da criação e funcionamento da Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA) que irá executar as atribuições em matéria administrativa relativamente a cidadãos estrangeiros anteriormente atribuídas ao do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Afirmar direitos contra a homofobia e a transfobia

A pandemia expôs a situação de vulnerabilidade das pessoas que têm menos acesso aos serviços públicos, nomeadamente das que são discriminadas nesse acesso em razão da sua orientação sexual, identidade de género, expressão de género ou características sexuais.

relatório das Nações Unidas sobre o impacto do COVID-19 nos direitos humanos das pessoas LGBT reitera que estas pessoas são sujeitas a impactos acrescidos no que toca ao acesso à saúde, estigmatização e discriminação, violência doméstica e acesso ao mercado de trabalho, instando os decisores políticos, entre outras ações, a garantir que as medidas destinadas a minorar os efeitos da pandemia considerem a particular vulnerabilidade das pessoas LGBTI.

Igualdade na dádiva de sangue

A discriminação devido à orientação sexual na dádiva de sangue de homens gays e bissexuais teve finalmente o seu fim este ano. Esta vitória, para a qual participaram as pessoas que denunciaram a discriminação que eram alvo, os ativistas e as associações LGBTQI, foi o resultado de um percurso longo e tortuoso: desde a existência de uma previsão legal que injustamente discriminava, passando pela prática continuada de discriminação sem fundamento legal, até à expressa proibição da discriminação. O percurso feito é demonstrativo de como a perseverança na construção de uma sociedade mais justa e mais igual para todas as pessoas é recompensado, se não desistirmos nem baixarmos os braços. Por isso dizemos, sim é sempre possível!

Em Portugal, o bullying homofóbico e transfóbico ainda é uma realidade, nas escolas e na sociedade; e o acesso ao trabalho,  aos serviços públicos e ao usufruto do espaço público continua a ser negado e dificultado às pessoas LGBTQI. Por exemplo, segundo o relatório da FRA 2020 – A long way to go for LGBTI equality, 57% dos casais do mesmo sexo em Portugal evitam dar a mão em público. Apesar da Comissão Europeia ter apresentado a primeira estratégia da UE para a igualdade das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans, intersexo e queer, não devemos adiar medidas de combate contra a discriminação, medidas de proteção e segurança que possibilitem avançar na construção de uma sociedade mais inclusiva.  

  • Criação de uma lei quadro para a promoção do exercício à autodeterminação da identidade de género, expressão de género e do direito à proteção das características sexuais, definindo um conjunto de princípios a adotar por entidades públicas e privadas nas áreas da educação, da saúde, do trabalho, da habitação e da proteção social, bem como a criação de procedimentos de prevenção e denúncia de atos de violência contra pessoas LGBTQI;

  • Realização de inquérito nacional sobre a diversidade populacional portuguesa, com enfoque na orientação sexual, identidade de género, expressão de género e características sexuais, identificando as suas condições de vida e problemas sociais específicos. Só conhecendo a realidade é possível o desenho de políticas públicas de combate à discriminação;

  • Criminalização das chamadas “terapias” de conversão, práticas de tortura infligidas sobre pessoas LGBTQI, por razões ligadas à sua orientação sexual, expressão de género, identidade de género ou às suas características sexuais;

  • Proteção das crianças e dos jovens, bem como do pessoal docente e não docente LGBTQI nas escolas;

  • Criação da lei de reconhecimento das organizações não governamentais LGBTQI;

  • Criação de uma entidade pública com competências na área LGBTQI;

  • Criação de uma rede nacional de centros de referência LGBTQI nos principais centros urbanos, a construir e gerir em parceria com autarquias e associações/ativistas;

  • Adaptação de procedimentos e formulários da Administração Pública à realidade portuguesa, na sua diversidade sexual e familiar;

  • Reconhecimento legal de identidades LGBTQI como fundamento para atribuição de asilo e proteção;

  • Efetivo acesso à saúde pelas pessoas trans e não binárias.

Uma política responsável para as drogas, os consumos e o álcool

A descriminalização do consumo das drogas foi um passo decisivo no sentido de uma política correta de abordagem aos consumos, mas permanecem na lei inaceitáveis paradoxos proibicionistas. Está na hora de rever e alargar a agenda desta política, rumo a um modelo baseado na regulação e no respeito pelos direitos humanos. As pessoas que consomem drogas devem ser respeitadas na sua autonomia e a sua discriminação, nos serviços de saúde ou no sistema judicial deve ser combatida com eficácia. Ao fazê-lo estaremos a defender alguns dos cidadãos e cidadãs mais vulneráveis e a criar melhores condições de saúde pública. É fundamental incluir as pessoas que usam drogas nas decisões políticas que lhes digam respeito, através das suas associações, coletivos e representantes.

A imposição de mudanças de comportamento é ineficaz e inaceitável. Está provado que o maior impacto benéfico sobre o uso de drogas está associado a programas que se concentram na informação, no contexto social (incluindo escola ou família) e que abordam outras questões que não necessariamente o uso de drogas.

  • Criação de um programa nacional de salas de consumo assistido nos territórios onde se justifique;

  • Reforço dos serviços de “drug-checking” para proteção de consumidores e consumidoras, prevenção de riscos e avaliação de padrões de consumo;

  • Reforço da rede de mediadores e mediadoras e promover a capacidade de resposta de quem consome;

  • Regulação legal da canábis para uso pessoal por parte de pessoas adultas;

  • Redução da espera para tratamentos e disponibilização de recursos para adaptação das equipas de tratamento a novos públicos e novos consumos;

  • Limitação à publicidade e marketing que promova bebidas alcoólicas em festivais culturais ou eventos desportivos;

  • Reinvestimento em programas de inserção profissional para pessoas com percursos de dependência, com acompanhamento especializado;

  • Desenvolvimento de linhas orientadoras na área da prevenção adaptadas a realidades locais, disponibilizando formação às equipas que acompanham crianças, jovens e famílias, utilizando programas de promoção de competências validados e de eficácia comprovada.

  • Distribuição alargada de naloxona a consumidores, familiares e equipas de Redução de Riscos e Minimização de Danos (RRMD), de forma a permitir intervenção em situações de overdose;

  • Implementação de programas-piloto de prescrição de heroína sob controlo médico, à semelhança de países como a Dinamarca, a Alemanha ou o Reino Unido.

  • Transformação do atual modelo de intervenção na área das dependências construindo, em alternativa, um modelo que integre as vertentes da prevenção, da dissuasão, da redução de riscos, do tratamento e da reinserção e que permita uma articulação entre a coordenação, o planeamento e a intervenção desenvolvida no terreno, impedindo a fragmentação de respostas;

  • Financiamento a 100% os projetos de Redução de Riscos e Minimização de Danos, permitindo ainda que estes tenham uma duração superior a 24 meses.

Despenalizar a morte assistida

Dando voz a uma luta de décadas, o Bloco de Esquerda esteve na primeira linha da luta por uma lei que despenalize a morte assistida em Portugal. No programa eleitoral que apresentámos ao país em 2018 assumimos o compromisso de apresentar uma proposta de despenalização da morte assistida nos mesmos termos da que havíamos apresentado em 2018. Assim fizemos e a  aprovação, em fevereiro de 2020, das propostas do Bloco e de outros partidos, abriu caminho para uma lei tolerante e rigorosa que não obriga ninguém e que respeita a decisão de cada pessoa. Chamámos-lhe Lei João Semedo, porque o país inteiro reconhece o seu papel determinante na mobilização de saber, de sensibilidades e de apoio político e parlamentar para dotar Portugal de uma lei progressista e de grande humanismo sobre esta matéria. 

Por iniciativa do Presidente da República, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade da lei aprovada pelo parlamento. Mas, rejeitando a tese ultraconservadora de uma inconstitucionalidade absoluta por alegada violação do direito à vida, o Tribunal declarou expressamente que o direito à vida não implica uma obrigação de viver e exigiu apenas que se especificasse melhor um dos conceitos fundamentais usados na lei. Foi isso que o parlamento fez e, uma vez mais, o Bloco de Esquerda esteve na primeira linha desse trabalho que resultou numa aprovação por larga maioria da nova versão da lei.

A devolução à Assembleia da República por Marcelo Rebelo de Sousa a nova versão da lei, que já integrava a resposta às questões suscitadas pelo Tribunal Constitucional, mostra à evidência que o Presidente da República se constituiu numa força de bloqueio à decisão da maioria do parlamento e da opinião da maioria da sociedade portuguesa. O Bloco de Esquerda não esmorecerá diante desta persistente oposição de Belém à adoção de uma lei de respeito por todas as pessoas e assume o compromisso de completar o processo legislativo até à  aprovação definitiva da lei.

Direitos das pessoas com deficiência

Em seis meses de pandemia a taxa de desemprego das pessoas com deficiência voltou aos níveis de 2016.  Este aumento, que se reflete na subida do número de pessoas em busca de novo emprego ou desempregadas há mais de 12 meses, está relacionado com a situação de precariedade laboral destes trabalhadores. Quando não se convertem em desemprego, os estágios de inserção dão origem a contratos a prazo sem estabilidade de longo prazo. 

Estudo “Deficiência e Covid-19 em Portugal 2020”

Com  o encerramento de equipamentos de apoio social na área da deficiência em março de 2020, 40% dos/as inquiridos/as responderam que lhes foram retirados apoios ou serviços. O inquérito mostra que, em muitos casos, estes apoios e serviços foram retomados apenas parcialmente ao longo de 2020: Centros de Atividades Ocupacionais (46%), fisioterapia (57%), terapia da fala (47%), terapia ocupacional (62%), consultas médicas (52,8%) e cuidados de enfermagem (45%).

Na área da educação, as soluções disponibilizadas aos estudantes com deficiência – durante o período de confinamento e desconfinamento – também foram avaliadas de forma negativa. 

Para além dos efeitos da pandemia, permanecem outras discriminações estruturais no acesso a serviços essenciais, como a educação, que se traduzem em níveis de pobreza inaceitáveis entre as pessoas com deficiência. Segundo o relatório Pessoas com Deficiência em Portugal – Indicadores de Direitos Humanos 2020, em Portugal, a taxa média de abandono escolar dos jovens com deficiência é mais elevada que na União Europeia e muito superior à dos jovens sem deficiência. Relativamente aos indicadores de pobreza, ainda que Portugal se situe abaixo da média europeia, o risco de pobreza ou exclusão atinge 33% das pessoas com deficiência grave. 

Apoios insuficientes para combater a pobreza

O subsídio por assistência de terceira pessoa que é atribuído para compensar o acréscimo de encargos familiares resultantes da situação de dependência das crianças e jovens com bonificação por deficiência do abono de família, e que necessitem pelo menos de 6 horas diárias de acompanhamento por uma terceira pessoa, tem o valor de 110,41 euros mensais. Significa uma compensação de 60 cêntimos por hora a quem presta esse apoio.

O complemento por dependência é atribuído aos pensionistas e beneficiários da Prestação Social para a Inclusão que se encontram numa situação de dependência e que precisam da ajuda de outra pessoa para satisfazer as necessidades básicas da vida quotidiana, tem um valor que depende do tipo de pensão que recebem (contributiva ou não) e do grau de dependência (acamado ou não). Esse valor oscila entre os 95,31 e os 190,61 euros.

Esta realidade mostra um país em que o discurso sobre os direitos humanos é frequentemente pouco mais que isso mesmo. A focagem assistencialista e institucionalizadora das políticas é parte desse problema.

Uma alternativa à institucionalização

Estar institucionalizado significa a perda da capacidade de decisão sobre a vida. Uma pessoa institucionalizada não escolhe o que come, não determina as rotinas diárias, não tem privacidade ou direito à intimidade. Estar institucionalizado significa prescindir de direitos consagrados na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), ratificada pelo Estado Português em 2009.

Em Portugal existem mais de 6000 pessoas adultas com deficiência institucionalizadas em Lares Residenciais. Para além destas, muitas outras, mesmo jovens, encontram-se internadas em Lares de Idosos por falta de alternativas.

As obrigações que o Estado português assumiu ao ratificar a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência não estão a ser cumpridas.

É urgente a elaboração de um plano de desinstitucionalização.

Tanto a direita como o PS perpetuam essas políticas. O governo do PS entregou os projetos-piloto de assistência pessoal/vida independente às IPSS, em vez de reforçar a organização autónoma das pessoas com deficiência, e restringiu o financiamento de tal forma que é impossível os utilizadores e utilizadoras de assistência pessoal mais dependentes terem o número de horas de assistência que necessitam e que a lei prevê.

É mais que tempo de abandonar definitivamente as políticas assistencialistas e institucionalizadoras que têm sido dominantes e promover uma política baseada nos direitos humanos, que crie todas as condições necessárias ao cumprimento do que está estabelecido na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

  • Realização de um inquérito nacional de caracterização sócio-demográfica da população com deficiência;

  • Criação de um programa de desinstitucionalização, subordinado aos seguintes princípios:

    • Desenvolvimento e implementação de serviços locais individualizados e de elevada qualidade, destinados, em especial, a evitar a institucionalização;
    • Reversão do processo de institucionalização pela condição de deficiência;
    • Transferência faseada dos recursos destinados às instituições residenciais de longa duração para novos serviços, com vista à sua viabilidade a longo prazo;
    • Implementação de um sistema de assistência pessoal individualizada;
    • Disponibilidade e plena acessibilidade aos serviços, tais como educação e formação profissional, emprego e habitação.
  • Alteração do sistema de avaliação do grau de incapacidade que determina o acesso a apoios sociais e benefícios fiscais. O atual atestado médico de incapacidade multiuso é anacrónico e em 2016 o Comité dos Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas recomendou a sua revisão;

  • Criação de uma prestação social para a autogestão da Vida Independente com base na avaliação da execução dos projetos-piloto, que deve prever o direito à atribuição da assistência necessária, a escolha de quem presta a Assistência Pessoal, bem como a autonomia na gestão dessa relação de assistência; Criação e regulamentação da profissão de Assistente Pessoal;

  • Revisão da PSI para alterar as regras de acesso e condição de recursos de modo a não incluir os rendimentos de familiares para a capitação do beneficiário; alargar acesso a todas as pessoas com 60% ou mais de incapacidade; e fazer convergir progressivamente o valor da PSI para adultos em idade ativa com o valor do salário mínimo;

  • Aumento do Complemento por dependência e do Subsídio por assistência de terceira pessoa;

  • Alargamento da antecipação da idade pessoal de reforma e majoração dos dias de férias para pessoas com deficiência, em função do grau de capacidade;

  • Simplificação e reforço do sistema de atribuição de produtos de apoio, com vista à sua gratuitidade, e estabelecimento de prazos para o financiamento e a entrega dos mesmos;

  • Sensibilização da comunidade médica para os direitos sexuais e reprodutivos das pessoas com deficiência, nomeadamente na pré- concepção, na procriação medicamente assistida, na gravidez, no parto, no nascimento, no pós-parto e na interrupção voluntária da gravidez;

  • Reforço da Educação Bilíngue para os alunos Surdos e da aprendizagem da Língua Gestual Portuguesa para todos;

  • Reforço da áudio descrição, legendagem e interpretação de Língua Gestual Portuguesa dos conteúdos audiovisuais;

  • Promoção do reconhecimento da Língua Gestual Portuguesa como idioma oficial do Estado português;

  • Criação de condições para a inclusão de estudantes com necessidades educativas especiais no ensino superior através da garantia de verbas para as instituições de ensino superior para garantir recursos especializados, materiais pedagógicos, alojamentos adaptados e assistência pessoal;

  • Criação de condições para o efetivo cumprimento do Regime do Maior Acompanhado, nomeadamente através da criação de um sistema de apoio à tomada de decisão por pessoas com deficiência, e da formação de magistrados e demais profissionais da Justiça sobre os direitos tutelados na Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência;

  • Cumprimento da legislação de quotas de emprego e alargamento do novo regime para o teletrabalho às pessoas com deficiência;

  • Introdução do Direito a 150h anuais de Interpretação de Língua Gestual Portuguesa no código do trabalho;

  • Financiamento para a adaptação e eliminação de barreiras arquitetonicas em habitações;

  • Alargamento para 100% do financiamento em regime de crédito bonificado à habitação e criação de um contingente para pessoas com deficiência na oferta pública de habitação a custos controlados;

  • Garantia de financiamento público à adaptação de barreiras arquitetónicas e urbanísticas dos espaços públicos, com a fiscalização do cumprimento do Decreto Lei 163/06, cujo prazo terminou em 2017;

  • Adaptação das infraestruturas de transportes e respetivo material circulante; atribuição do Passe Social a preço reduzido para pessoas com grau de incapacidade superior a 60%; e atribuição de título de transporte gratuito para Assistentes Pessoais e Cuidadores informais quando a acompanhar a pessoa com deficiência;

  • Generalização do Balcão da Inclusão a todos os Municípios, mediante apoio da Administração Central às autarquias para a sua instalação.

Democracia com qualidade

Num tempo em que os populismos se organizam na sombra das campanhas de desinformação, a clareza de um jornalismo sério e rigoroso é fundamental para a salvaguarda da própria democracia. A primeira obrigação do Estado é garantir que o serviço público é, em todas as suas vertentes, uma referência na comunicação social. Esta é uma expectativa legítima do público que lê, vê e ouve o serviço público, mas também de todas as pessoas que o pagam e dos e das profissionais que o asseguram. A crise no setor estende-se, porém, à generalidade dos órgãos de comunicação social, com expressão numa brutal quebra de vendas e receitas publicitárias, na escassez de recursos ou na precariedade das suas redações. Ao Estado exige-se uma intervenção com vista a assegurar, na esfera das suas competências, condições de exercicio do direito a informar e a ser informado, por um lado, e a sua independência da comunicação social face aos poderes político e económico, por outro.

O combate por uma informação séria e democrática passa também pela consideração dos direitos digitais como direitos humanos. A preocupação de  quem legisla relativamente aos direitos digitais tem sido dominada apenas pela perspetiva do mercado e dos interesses económicos envolvidos. Pelo contrário, a garantia dos direitos digitais enquanto direitos humanos ou a proteção eficaz dos dados pessoais têm sido ativamente postas em causa. Em certos casos criam-se conflitos entre direitos digitais e outros direitos mas apenas para daí, e mais uma vez, obter vantagens para os grandes interesses económicos e não para os verdadeiros detentores dos direitos, como é o caso da recente polémica em torno do artigo 13.º, entre outros, da diretiva sobre direitos de autor no mercado digital. Há zonas cinzentas e a imensidão de portas por abrir para novas realidades não têm despertado o interesse de quem legisla para criar pelo menos um conjunto mínimo de normas de caráter ético, dando margem para o aparecimento de esquemas de manipulação de dados e de vontades ou para a proliferação de fake news através de redes e plataformas sociais.

Posicionamo-nos do lado da defesa dos direitos digitais, contra a introdução da censura neste espaço de liberdade, e não em oposição aos direitos autorais. De facto, uma verdadeira e justa defesa destes direitos, que também defendemos e respeitamos, não fica acautelada por normas como a do referido artigo 13.º, que visam unicamente proteger e beneficiar a grande indústria editorial. Continuaremos a bater-nos pela defesa da neutralidade da internet, por uma internet enquanto um espaço liberdade e ao qual todos e todas possam aceder de forma igual.

  • Melhorar a autonomia dos meios de comunicação social face aos anunciantes:

    • Programa para a atribuição de uma assinatura digital gratuita de imprensa generalista a todos os estudantes do 12º ano e do ensino superior;
    • Eliminação de IVA nas assinaturas comerciais;
    • Redução dos custos com a distribuição: Reposição do porte pago como forma de apoio à distribuição, particularmente relevante para a imprensa local e regional;
    • Fomento dos géneros jornalísticos diminuídos sob o peso da crise (investigação jornalística, grande reportagem, etc): bolsas estatais, dirigidas a empresas de media, media comunitários, novos projetos e profissionais individuais – sob decisão de júris plurais e independentes;
  • Combate à concentração dos meios de comunicação social:

    • Reintrodução de limites à concentração de órgãos de comunicação social regionais e locais;
    • Criação de um fundo público de financiamento de risco para estímulo à criação de novos media, que mitigue as dificuldades comerciais do seu arranque (instalações, formas de apoio técnico, condições de crédito e fiscais) e permita o ensaio de novas formas de produção jornalística independentes do oligopólio.
  • Reforço do serviços públicos de informação

    • À importância da agência Lusa deve corresponder o adequado financiamento, que considere um reforço da indemnização compensatória e o seu atempado pagamento.
    • Superação do crónico subfinanciamento da RTP, a par de uma revisão do modelo de gestão que extinga o Conselho Geral Independente e garanta transparência e responsabilidade na escolha da administração;
  • Criação de um imposto sobre os gigantes digitais, conhecido como “Imposto Google”, que contribua para a sustentabilidade da comunicação social nacional e local, tributando os seus rendimentos obtidos em território nacional;

  • Democratizar o acesso à internet

    • Serviço de internet universal a custos muito reduzidos e com volume e velocidade que evitem a infoexclusão. A tarifa social da internet decidida pelo governo junto dos operadores privados é limitada a agregados com carência económica, sem identificação automática no momento da adesão (dependente de requerimento) e com volume e velocidades que são apenas metade dos recomendados pela entidade reguladora do setor, a Anacom.
    • Neutralidade e liberdade de expressão na Internet. Nenhuma censura pode ser tolerada, nenhuma filtragem de conteúdos em estabelecimentos públicos, sejam bibliotecas públicas, académicas, de investigação ou arquivos sejam outros postos públicos de acesso. Os filtros já instalados deverão ser removidos;
    • Fim dos mecanismos anticópia (DRM) e defesa do direito à cópia privada; fim da criminalização da partilha de conteúdos para fins não comerciais;
    • Promoção do uso de Repositórios Abertos para a produção científica e de aprendizagem.
      • Produção científica financiada com dinheiros públicos deve ser aí depositada, como contrapartida obrigatória e como forma de divulgação;
      • O software criado ou comprado com dinheiro dos contribuintes deve ser software livre ou de código aberto, permitindo a reutilização pelas várias entidades da Administração Pública.

Participação democrática

O sistema democrático português é herdeiro das lutas populares que há mais de quatro décadas derrubaram a ditadura fascista do Estado Novo e abriram caminho à construção de um país mais justo, solidário e inclusivo. Hoje, o desafio que a sociedade portuguesa nos coloca passa por defender a memória destas conquistas através do seu aprofundamento. Por isso, a resposta da esquerda só pode passar pela democratização da democracia portuguesa e pela qualificação das ferramentas de participação cidadã.

  • Atribuir o direito de voto a partir dos 16 anos de idade;

  • Redução de 20 mil para 7500 as assinaturas necessárias para a apresentação de uma Iniciativas Legislativa de Cidadãos à Assembleia da República, e de 7500 para 4000 para a apresentação de uma petição;

  • Redução de 60 mil para 40 mil as assinaturas necessárias para a apresentação de uma Iniciativa de Referendo de Cidadãos à Assembleia da República;

  • Tornar obrigatório o regime de exclusividade dos deputados e deputadas à Assembleia da Repúblicados executivos das autarquias locais e das entidades intermunicipais que exerçam o cargo em regime de permanência;

  • Reforço das competências fiscalizadoras das Assembleias Municipais, designadamente a moção de censura ao executivo com caráter vinculativo; 

  • Recusa de alterações à lei eleitoral que distorçam a proporcionalidade e a representatividade do voto;

  • Reposição do modelo dos debates quinzenais essenciais à função de escrutínio da atividade do Governo.

O desporto como motor de inclusão social

O direito à atividade desportiva consta da Constituição da República Portuguesa e, por isso, apresenta-se como um dos pilares das obrigações do Estado para com os cidadãos e cidadãs. O desporto é um instrumento de inclusão social e só pode ser olhado como um serviço que o Estado, através de vertentes diferentes – Sistema educativo, movimento associativo de base, alta competição, lazer – deve proporcionar a todas as pessoas, independentemente da sua idade, condição social, territorial, económica.

Em Portugal, o investimento público em desporto ronda os 52 euros por habitante, muito abaixo da média da europeia, que se situa nos 108 euros por habitante. Esse baixo investimento crónico deve ser contrabalançado na resposta à crise. A pandemia da Covid-19 provocada pelo novo coronavírus SARS-COV-2 tornou-se não apenas uma crise da saúde pública, mas também uma crise socioeconómica que afeta os mais variados setores. O setor do desporto é um dos mais afetados, dada a paragem longa a que a maioria das modalidades está sujeita.

A sustentabilidade das instituições que promovem a prática desportiva está a ser posta em causa. O papel deste setor na coesão territorial e no combate ao abandono das zonas de baixa densidade populacional é indiscutível. A par disso, os escalões de formação têm desempenhado uma função de combate ao abandono escolar, pedagogia de trabalho em grupo, desenvolvimento físico saudável e fortalecimento da saúde mental. Os impactos positivos nas políticas públicas e no bem-estar da população são evidentes e não podem, principalmente num momento de crise, ser escamoteados.

A par das matérias orçamentais, o Bloco reafirma o seu compromisso para a busca de respostas fortes no combate a todas as manifestações de violência e ódio patentes nos espetáculos desportivos, tal como está apostado em defender os direitos laborais de todos os atletas e agentes sociais envolvidos. O papel inclusivo e de promoção da igualdade no Desporto deve ser encarado como um objetivo social e uma regra para o seu funcionamento.

  • Criação de um Fundo de Apoio ao Desporto, com especial enfoque no movimento associativo de base e nos clubes de formação;

  • Capacitação do Desporto Escolar e dos seus Docentes, através do aumento da dotação para o programa, modernização dos espaços de atividade física nas escolas públicas e apoios aos docentes de Educação Física responsáveis pelo programa;

  • Inclusão do Conselho Nacional de Associações de Profissionais de Educação Física e Desporto e da Sociedade Portuguesa de Educação Física no Conselho Nacional do Desporto, por outro lado, de forma a reforçar do papel da disciplina de Educação Física e dos seus docentes no universo do debate das políticas públicas para o setor;

  • Combate à violência no desporto, apostando numa metodologia de corresponsabilização dos clubes desportivos e das respetivas SAD em relação ao fenómeno em causa, criando um regime de transparência entre grupos organizados de adeptos e os respetivos clubes, e ainda reforçando do ponto de vista orçamental e de pessoal o Instituto Português do Desporto e da Juventude e as autoridades competentes na matéria;

  • Aumento gradual das bolsas para atletas olímpicos e paralímpicos.

Defender o bem estar animal

Nos últimos anos têm-se registado alguns avanços das políticas de bem-estar animal no plano legal que ainda não resolveram, no entanto, um grande atraso legislativo e de fiscalização em relação à forma como hoje a sociedade considera os animais, seja na alimentação, no entretenimento, na investigação, no contexto pedagógico ou como companheiros do quotidiano. 

O que já conseguimos

Desde 2009 que algumas das propostas do Bloco foram alcançadas, nomeadamente a fusão das bases de dados de registos de animais de companhia, a obrigação de microchip em cães e gatos, o fim da exploração de animais selvagens em circos, a implementação da obrigatoriedade de esterilização de todos os animais adotados nos Centro de Recolha Oficiais e a definição legal dos maus tratos a animais de companhia. Também as mudanças operadas no estatuto jurídico dos animais em 2017 – deixando de os considerar como coisas e atribuindo-lhes um estatuto jurídico próprio, assim como o reforço da criminalização dos maus tratos a animais domésticos ou ainda a proibição de exploração de animais selvagens nos circos, foram lutas ganhas pelos movimentos de defesa do bem-estar animal que se alcançaram só nesta legislatura. O contributo do Bloco de Esquerda para estas vitórias foi decisivo. 

Apesar de avanços importantes, as soluções consagradas em lei ficaram muito aquém do que o movimento social e o Bloco de Esquerda pretendiam. Algumas medidas, como a mudança do ministério da agricultura para o do ambiente dos animais de companhia, foram jogadas ilusórias que ainda não se concretizaram em políticas transformadoras para a garantia do Bem-estar animal. O que ocorreu nos incêndios de Santo Tirso não garantiu a inclusão dos animais nos planos de prevenção e de combate a incêndios, nem um levantamento rigoroso – que ficou prometido – dos centros de recolha oficial e espaços de associações com e sem condições. Já o episódio da matança na Torre Bela demonstrou a brutal ausência do Estado na autorização e fiscalização das atividades cinegéticas e o desajuste destas práticas no que concerne à conservação.

Ainda muito está por fazer e na produção legislativa. A atual representação na Assembleia da República ainda não acompanha os avanços reclamados pela maioria da sociedade. Estes entraves tomaram expressão mais visível no debate do Orçamento do Estado de 2019 sobre os privilégios fiscais concedidos às touradas e aos toureiros, nas discussões sobre a violência e falta de condições médico-veterinárias e de saúde pública do transporte de animais vivos para países fora da União Europeia. Nestas discussões, predomina no Partido Socialista um conservadorismo que oscila entre uma representação agressiva dos lobbies tauromáquicos e agropecuários e uma reserva de princípio contra o reconhecimento dos avanços científicos e sociais de respeito pelos animais. O Bloco de Esquerda defende medidas que devem envolver toda a comunidade na garantia do respeito por todos os animais e na reivindicação de modelos de soberania alimentar e de repúdio de perpetuação de práticas de violência.

O Bloco de Esquerda reforça o seu compromisso para com as políticas de bem-estar animal. Fazemo-lo integrando a luta pelo respeito do bem-estar animal numa visão anticapitalista mais ampla, isto é, uma construção que combate a exploração e as relações de dominação a todas as escalas, nomeadamente a violência e objetificação com que a indústria e as políticas, na sua grande maioria, encaram os animais.

  • Aprofundamento da legislação sobre maus tratos a animais, que inclua animais para fins de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial ou para fins de espetáculo comercial; 

  • Criação de uma Rede de Centros de Recolha Oficial que abranja todos os municípios e que atenda às necessidades de esterilização de animais errantes, assilvestrados e de companhia;

  • Criação de abrigos preparados para receber animais domésticos e selvagens, impedindo que, por falta de espaços, seja dada a guarda dos animais a quem os maltratou ou negligenciou; 

  • Inclusão das associações de proteção de animais na lei do mecenato, tal como já acontece com organizações de defesa do ambiente e outras; 

  • Garantia da presença nos matadouros de profissionais de medicina veterinária e número suficiente para a devida fiscalização de trabalhadores e trabalhadoras por volume e tipo de animais;

  • Substituição do transporte de animais vivos por transporte em frio dentro do espaço europeu e em todas as viagens de longo curso superiores a 8 horas, conforme disposições europeias; 

  • Valorização da Comissão Nacional para a proteção de animais utilizados para fins científicos e implementação de medidas de redução de utilização de animais para fins científicos;

  • Preparar a estrutura da proteção civil alargando o seu domínio de atuação ao planeamento de soluções de emergência, visando a busca, o salvamento, a prestação de socorro e de assistência, bem como a evacuação, alojamento e abastecimento dos animais;

  • Consagração a figura do animal comunitário e admitir a sua alimentação e permanência em locais próprios e em articulação com os serviços veterinários e de limpeza pública, garantindo igualmente – para este e outros efeitos – veterinário municipal a tempo inteiro em cada município.

  • Programa de acesso a cuidados veterinários dos animais de companhia de tutores com baixos rendimentos, com apoio orçamental específico às faculdades de veterinária e veterinários municipais para a prestação desses cuidados;


  • Espetáculos com animais:

    • Interdição do trabalho de menores em todas as atividades tauromáquicas, mesmo que amadoras;
    • Reconversão de praças de touros fixas com pouca ou nenhuma utilização em espaços culturais; 
    • Antecipação da proibição de espetáculos de circo com animais, promovendo a entrega voluntária; 
    • Eliminação dos apoios públicos, diretos e indiretos, a eventos tauromáquicos e a outros espetáculos que submetam os animais a sofrimento físico ou psíquico; 
    • Proibição da participação de outros cães em corridas competitivas de galgos.
  • Atividades cinegéticas:

    • Atribuição em exclusividade ao Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) das competências no âmbito dos procedimentos administrativos que autorizam atividades cinegéticas;
    • Reforço da proteção de espécies em vias de extinção e suspensão da caça de espécies ameaçadas ou quase ameaçadas ou ainda com estatuto desconhecido;
    • Proibição da posse, utilização e comercialização de instrumentos usados exclusivamente para captura ilegal de aves selvagens não cinegéticas;
    • Expansão das áreas de incidência do PACLobo a todo o território continental e promoção de medidas que fomentem presas silvestres do lobo-ibérico;
    • Reforço do quadro de trabalhadores no setor da conservação do ICNF;
    • Restrição e fiscalização dos repovoamentos de exemplares de espécies cinegéticas em território nacional e promover censos anuais de todas as espécies cinegéticas;
    • Proibir prática de tiro a animais criados em cativeiro para servirem de alvo em campos de treino de caça e eventos de tiro.
    • Classificação como terrenos não cinegéticos os terrenos murados ou «cercões»;
    • Criação de áreas mínimas obrigatórias de refúgio em todas as zonas de caça.

O problema

Por demasiado tempo, os diversos governos aceitaram um princípio implacável: as regras da Comissão Europeia, da tecnocracia europeia, ou das principais potências como o da Alemanha, são indiscutíveis e imperativas em Portugal. Assim, apesar de promessas sucessivas e sempre violadas, nunca houve um referendo sobre a adesão à UE, ao euro ou aos tratados que têm transformado a relação de soberania com as instituições europeias. A decisão parlamentar sobre matérias essenciais da vida nacional, como os Orçamentos de Estado, normas fiscais ou de gestão de empresas e programas públicos, é submetida a vigilância ou até a autorização prévia por parte de autoridades de Bruxelas e Estrasburgo. O Banco de Portugal tornou-se uma agência do BCE e o governo português perdeu a capacidade de decidir sobre os principais bancos que operam no país.

Outros compromissos internacionais agravam estas dependências, como a participação na NATO que, malgrado o seu fracasso no Afeganistão, continua a prolongar os interesses imperiais da Casa Branca e dos seus poderes satelizados, e até promove estratégias de tensão em todo o mundo.

A solução

O Bloco de Esquerda defende como prioridade a desvinculação do Tratado Orçamental e a recusa da União Bancária, de modo a retomar a capacidade de decisão autónoma sobre investimento e sobre a gestão do sistema bancário e financeiro, manifestando a sua insubmissão em relação às regras do euro.

Uma política externa assente nos direitos humanos e na solidariedade implica igualmente a rejeição da participação na NATO e nas suas operações militares.

A capacidade de concretizar as propostas que aqui apresentamos joga-se na robustez do movimento popular, na relação de forças resultante das eleições e no enfrentamento determinado dos constrangimentos externos resultantes de alinhamentos que têm roubado ao país a possibilidade de fazer escolhas em favor dos e das debaixo. Uma esquerda de confiança é também aquela que desafia os cânones da política externa para garantir lá fora o que queremos cá dentro. Isso faz-se em dois planos: na política europeia e na política externa mais vasta.


Uma política europeia para defender o país

A entrada na União Económica e Monetária alterou por completo as regras e os instrumentos das políticas económicas nacionais. Com o desaparecimento das políticas monetária e cambial, os desequilíbrios entre Estados-membros dispararam com excedentes correntes crescentes nas economias do centro e défices também crescentes na periferia. O endividamento externo de Portugal, medido pela sua Posição de Investimento Internacional Líquida (PIIL) começou a aumentar ainda durante o processo de convergência nominal e não parou de crescer até 2014. Entre 1996 e 2014, a PIIL em percentagem do PIB aumentou de 13% para 119% do PIB, nove vezes mais. 

A crise financeira provocou a nacionalização de uma parte desta dívida. A dívida pública portuguesa, que estava controlada em 50% do PIB antes da entrada no Euro e começou a crescer paulatinamente devido à estagnação económica dos anos que se seguiram, disparou para 130% graças à recessão provocada pela crise financeira e, subsequentemente, pelo programa de ajustamento da troika. A redução dos últimos anos ficou a dever-se à criação de emprego resultante da reversão de uma parte das políticas da troika. A expressão “Crise das dívidas soberanas” ou “dívidas públicas” é por isso um equívoco.

A resposta da direita é simples e foi cristalizada na formulação de Passos Coelho: “Só saímos da crise empobrecendo.” A resposta ao endividamento externo seria a compressão dos salários imposta através da desregulação das relações de trabalho. A resposta ao endividamento público seria a compressão da despesa com os serviços públicos e o investimento. O problema destas respostas é que amarram o país a um percurso de subdesenvolvimento e divergência. A estagnação económica agrava os problemas de endividamento público. O colapso do investimento agrava a dependência externa.

A alternativa da esquerda parte do problema do fundo da nossa inserção na União Económica e Monetária. A única estratégia sustentável é uma política que investe nos setores determinantes para a nossa dependência externa, retendo os as trabalhadoras e trabalhadores qualificados que estão a abandonar o país. A transição energética, os transportes coletivos, a reabilitação urbana e eficiência energética, a política para a agricultura e distribuição juntam-se à libertação do Estado Social dos setores rentistas para responder ao problema da dívida na sua raiz: o atraso económico e o ciclo da dependência.

Na resposta à pandemia, a União Europeia chegou com atraso aos apoios necessários para defesa da economia e do emprego e com valores muito mais baixos quando comparados com os pacotes financeiros de outros blocos económicos. As regras de défice e da dívida, coletes de forças que os Tratados impõem aos países, regressarão rapidamente a vigorar, atrasando a retoma económica que se deseja. E foi com o receio desta ameaça que o Governo de António Costa, sempre procurando ser um bom aluno europeu, colocou Portugal como um dos países com menor investimento público para enfrentar os efeitos nefastos da pandemia. É preciso libertar o investimento público destas amarras que nos atrasam.

Mantemos o projeto de uma Europa de democracia, liberdade e solidariedade. É esse compromisso que impõe a insubmissão à União Europeia dos tratados e das regras do euro.

  • Autonomia total do país na tomada de decisões sobre o sistema financeiro, incluindo processos de nacionalização, recapitalização, resgate, resolução ou venda;

  • Eliminação das regras do mercado interno que condicionam a possibilidade de decisões soberanas sobre política industrial dos Estados-membros, nomeadamente no que diz respeito a políticas de compras públicas, motivadas pelo desenvolvimento de setores estratégicos ou implementação de circuitos curtos;

  • Definição de um limiar mínimo para a tributação dos rendimentos de capital em todos os Estados-membros e territórios da União Europeia;

  • Exclusão da comparticipação nacional associada aos fundos comunitários do cálculo do défice, bem como do investimento público associado a serviços públicos essenciais e cumprimento das metas ambientais;

  • Desvinculação do país do Tratado Orçamental, na sequência do chumbo recente da sua transposição para direito comunitário;

  • Inversão das prioridades da política monetária, na medida em que se mantenha o atual quadro institucional, colocando a promoção do pleno emprego como objetivo primário do Banco Central Europeu;

  • Reforço da política de coesão, seja através de recursos próprios assentes na tributação de rendimentos de capital, seja através do aumento das contribuições, e da sua capacidade redistributiva;

  • Definição de padrões de proteção laboral, social e ambiental em todo o espaço europeu, que trave a corrida para o fundo nos direitos e na sustentabilidade, e imposição desses padrões em quaisquer acordos comerciais com países ou regiões terceiras.

Uma política externa para defender a democracia e os direitos humanos

De todas as políticas de que se faz a política em Portugal, a política externa é porventura aquela em que o consenso centrista se afigura mais blindado. O argumento de que se trata de uma “política de Estado” e que, por isso, deve estar imune às mudanças de política interna é o álibi com que se perpetua o grande consenso do bloco central: uma soma da sacralização da disciplina da NATO com uma leitura mercadocêntrica (e, por isso, desvitalizada) da Europa.

Os alinhamentos externos de Portugal, mais que tudo, definem um espaço político para as escolhas internas. E, a esse respeito, o governo do PS significou a manutenção do status quo, com um alinhamento com dinâmicas internacionais contrárias ao que a Constituição define como papel que o país deve assumir nas relações internacionais. Manteve-se também o seguidismo em relação à NATO: a aceitação de aumentos de despesa com a defesa, com a qual o governo português se comprometeu junto das instituições europeias e da NATO, choca abertamente com a insuficiência de recursos para políticas de investimento e de qualificação dos serviços públicos.

Por outro lado, os acordos de comércio livre promovidos pela União Europeia na relação com outros países e blocos comerciais foram entusiasticamente aceites pelo governo português que desconsiderou as elevadas consequências económicas, sociais e ambientais que a sua ratificação implica para a sociedade portuguesa.

Ora, este é um tempo em que os tambores da guerra soam de novo com intensidade. Um tempo em que os EUA mantêm o apoio à política agressiva e colonial de Israel e das petro-ditaduras como a Arábia Saudita, ao mesmo tempo que ao povo da Palestina continua a ser vedado o cumprimento do seu direito fundamental à constituição como Estado.  E no Pacífico, com a guerra comercial entre China e Estados Unidos, vemos o crescimento de novas ameaças a um projeto de paz global. São evidentes os sinais de crise do multilateralismo e da ordem internacional de equilíbrio, negociação e respeito pela igualdade soberana que a Carta das Nações Unidas consagra. Este é, por tudo isto, um tempo que convoca as forças progressistas a reafirmar o seu compromisso com a paz e a cooperação internacionais, o respeito pelo primado dos direitos humanos e a assumir com clareza que não pode haver alinhamentos com potências externas que façam perigar esse compromisso.

  • Saída de Portugal da NATO e defesa do desarmamento negociado multilateral, rejeitando todos os cenários de aproximação à formação de um exército europeu;

  • Conversão da Base das Lajes num aeroporto plenamente civil, exigindo aos EUA as indemnizações devidas pelos danos ambientais e sociais causados;

  • Reforço dos compromissos de acolhimento de pessoas refugiadas e migrantes e denúncia do acordo entre a União Europeia e a Turquia;

  • Defesa nos fóruns internacionais relevantes da organização do referendo de autodeterminação do Sahara Ocidental sob a égide das Nações Unidas;

  • Reforço da dotação orçamental para a ajuda pública ao desenvolvimento (APD) para os 0,7% do Rendimento Nacional Bruto que constituem a meta internacional reafirmada em diversas ocasiões e subordinação da afetação da APD e a cooperação internacional para o desenvolvimento portuguesas a critérios de necessidade e solidariedade ao invés de interesses securitários, comerciais e económicos.


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